Se não fosse... escrita por Lara by Green


Capítulo 1
Bolo de cenoura


Notas iniciais do capítulo

Para minha linda inspiração, Kaya Holychild ❤



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As paisagens passavam em velocidade absurda, mudando em questões de segundo. Embora não fosse possível observar mais do que indistintos borrões, seu sorriso era pleno e contagiante.

Os fios de cabelo, dourados como os raios de sol que iluminavam suas íris brilhantes, chicoteavam seu rosto, mas ela não ligava. Apenas sorria ainda mais, afastando-os com suas unhas pintadas com o tom exato de seus olhos, que se voltaram para mim.

- Isso é incrível, não sei como não fizemos antes.

Sua risada de menina encheu meu coração de tal modo que pensei que seria capaz de flutuar, se não fossem pelas mãos agarradas ao volante.

Minha resposta foi apenas aumentar o volume do rádio, deixando que a música - sua favorita - falasse por mim.

- "If a great wave shall fall, and fall upon us all, then I hope there's someone out there who can bring me back to you" - cantava a plenos pulmões, se remexendo no banco de uma maneira que poderia ser cômica, se não fosse ela.

Tamborilei meus dedos no painel e diminuí discretamente o volume, para ouvir melhor sua cantoria. Sua voz era rouca e nada afinada. Seria terrível de escutar, se não fosse dela. Contudo, eu me divertia com sua diversão.

- Vamos, cante comigo! - ela cutucou minhas costelas, me impedindo de segurar a gargalhada por mais tempo.

- "In your heart, in you mind, I'll stay with you for all of time" - esperei que ela entendesse o significado por trás do trecho, e pela forma como seus olhos se voltaram para meu rosto e seu sorriso se tornou ainda mais iluminado, tenho certeza de que meu recado foi recebido.

O resto da música foi escutado em um silêncio que poderia ser considerado constrangedor, se não fosse pela companhia.

- Sabe - ela começou, abaixando ainda mais o volume - ainda estou decidindo se prefiro o bolo de cenoura ou a torta de morango.

- Com certeza o bolo - observei, pelo canto do olho, ela encostar a cabeça no banco e apoiar os pés no painel do carro.

- Mas a torta tem massa crocante que faz barulho quando comemos.

- Sim, mas o bolo é macio e quentinho - ela sorriu enquanto considerava.

- Tem razão, mas a torta seria melhor - ela começou.

- Se não fosse pela calda de chocolate - terminamos juntos.

Rimos despreocupadamente, enquanto fazíamos o contorno para voltar à estrada principal.

- Gosto da forma como nos entendemos - ela suspirou.

- Gosto da forma como olha para mim - tive o prazer de ver seus enormes olhos de piscina se arregalarem.

- Como eu olho pra você?

- Como olha para o bolo de cenoura - sua risada me causou arrepios de satisfação.

- Não me importaria, contudo, se fosse um pouco mais modesto - fechou os olhos, meditando. Embora eu estivesse com a resposta na ponta da língua, não tive coragem de interromper seus devaneios.

- Como acha que deve ser o paraíso? - perguntou após um longo momento absorta em pensamentos.

Imagens de quando olhei em seus olhos pela primeira vez invadiram minha mente com uma força que teria me tirado o fôlego, se não fosse pela repentina euforia que me tomou quando lembrei de nosso primeiro beijo.

- Acredito que tenha um sorriso solto e espontâneo. - ela abriu seus olhos de falcão, atentos a cada palavra, me fazendo continuar - Olhos azuis penetrantes, capazes de fazer até o mais forte dos homens sucumbir aos seus encantos.

- Continue - ela se ajeitou no banco, de forma a ficar de frente para mim.

- Um nariz arrebitado e imponente, que está sempre para o alto em meio a uma briga - me interrompi quando ela arfou.

- Ei, isso não é verdade! - cruzou os braços, me fazendo rir.

- Tudo isso emoldurado por lindos cabelos de ouro, que me fazem lembrar um delicioso bolo de cenoura.

- Está me comparando a um bolo de cenoura? - sua gargalhada seria considerada indecente, se não fosse tão sincera.

- Não um bolo de cenoura qualquer. - apontei - Mas O bolo!

- Ora, então devo me sentir honrada?

- Seria bacana, afinal, aquele bolo também é o paraíso.

- É, está certo - concordou, rindo.

Quando o peso de minhas palavras atingiu sua consciência, ela suspirou e voltou a fechar os olhos.

- Acho que encontrei o homem da minha vida - ela declarou, após meditar por mais alguns minutos.

- Por quê? - acelerei ao entrar em um trecho da estrada em que era permitido velocidade superior.

- Você é o único que não vai se importar quando eu comer tanto bolo que vou engordar a ponto de não ver meus próprios pés, já que vai estar tão gordo quanto.

- Tem razão, somos o casal perfeito - sorri, adorando a forma como ela me incluía em seus planos para o futuro.

- Somos mesmo - seu suspiro deveria ter indicado o que estava por vir, mas a surpresa me atingiu como um choque quando ela disse:

- Eu amo você tanto quanto o bolo de cenoura. - sua declaração me fez desviar os olhos da estrada por segundos que poderiam ter mudado todo o rumo dos instantes seguintes - Talvez até mais.

As últimas coisas que eu vi, antes de tudo se perder em escuridão, foram seus olhos de diamante.

Naquele momento, eu tive certeza de que havia encontrado a mulher com quem passaria o resto dos meus dias. E isso teria acontecido.

Se não fosse pelo caminhão que atravessou a faixa amarela - como o bolo de cenoura - e nos atingiu em cheio.


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