Nyrel - Uma História de Amor escrita por FireboltVioleta


Capítulo 11
Tempo de Eclipse




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DAREL

 

O vazio pareceu ser meu maior companheiro durante os seis anos seguintes.

Não era, claro, pela falta da minha família e de pessoas queridas ao meu redor. Nem mesmo pelo lugar em que moraria quase toda a minha adolescência.

De início, as lembranças de Nyree passeavam diante de mim quando estava acordado, e me angustiavam em sonhos quando estava dormindo.

Com o passar do tempo, a tristeza e a dor diminuíram, mas sempre continuaram ali, ocasionalmente me enchendo de saudade e aflição.

Quando minha família finalmente chegou em Sydney, fomos recebidos pelo núcleo de bruxos da cidade de braços abertos. A cidade grande não se comparava em nada á nossa tribo natal. Era barulhenta, apertada, e, sem as costumeiras planícies desérticas, Tokongas e animais mágicos, era virtualmente deprimente no começo. A única coisa que parecia compensar toda aquela bagunça de nonmīharos pessoas sem magia - era a perspectiva da educação que eu receberia. Naturalmente, eu tive que aprender a guardar minha magia e minhas transfigurações para mim mesmo durante minha exposição aos trouxas.

Após algumas burocracias básicas de integração de aborígenes, nós adotamos um sobrenome australiano que identificaria nossa família. À partir daí, comecei a ser chamado pelo sobrenome Williams, o que, para um garoto acostumado á ser conhecido apenas pelo nome, foi extremamente estranho.

No entanto, não tive, como pensara de inicio, nenhuma dificuldade em me enturmar. As crianças trouxas – e as crianças bruxas australianas que, eventualmente, se misturavam com elas – me achavam tão curioso e fascinante quanto eu as encarava. A convivência era completamente diferente da que eu levara com crianças maoris, mas era igualmente agradável.

Todo dia, após a escola, eu retornava, sozinho, para o núcleo de maoris. Era uma construção quase igual á qualquer outro imóvel da cidade, exceto que aparentava, interiormente, emanar uma aura de cabana, com suas paredes de cor ocre e revestimentos de palha no teto. Era como um pedacinho de nossas tribos dentro de uma bizarra pensão australiana, naturalmente documentada e legalizada para nãoa trair suspeitas dos trouxas.

Já na escola, eu fiz amizade com duas crianças que, futuramente, trabalhariam comigo no meu futuro emprego.

Beatriz Jackman era uma menina animada e faladeira, anormalmente branca para o clima da Austrália, que tinha a mania de deixar os cabelos negros soltos durante as aulas, á despeito dos rabos-de-cavalo obrigatórios nas meninas diante do calor de Sidney – coisa que eu achava muito engraçada.

Já Russel Walt era um menino calado – tipo um extremo oposto de Beatriz – que usava óculos e era ainda mais moreno do que eu, mas absurdamente inteligente, do tipo que recitava de cor a Constituição Australiana e tocava violão de olhos fechados.

Beatriz era bruxa, descendente de imigrantes brasileiros, e gostava de lamuriar o quanto queria ter nascido no seu país de origem e estudado na escola de magia do Brasil, a Castelobruxo. Já Russel, filho de australianos, era umnonmīharo, embora soubesse da existência dos bruxos devido á uma prima distante que morava na Grã-Bretanha e recebera a carta da escola de magia de lá.

O melhor da educação paralela trouxa e bruxa foi que comecei a conhecer a Austrália como nunca antes. Acostumei-me tanto ao modo de vida nonmīharo quanto aos dos bruxos urbanos.

Fascinava-me especialmente os estudos sobre as escolas de magia o redor do mundo. As que mais me impressionavam eram as escolas européias, que tinham um tipo de Torneio fascinante em que todas elas forneciam alunos para competir, num tipo de evento muito conhecido. Não havia nada daquilo na aprendizagem mágica maori, o que contribuía para meu deslumbramento.

Mamãe e papai pareciam finalmente aliviados que eu, aos quatorze anos, já estivesse bem mais á vontade em nossa vida fora de Tokonga. Sabiam que eu não havia esquecido, de forma alguma, do que eu havia vivido na tribo, e ainda menos da promessa que haviam feito de voltar, assim que eu completasse os estudos.

A única esperança que me impedia de sair correndo para nossa tribo, durantes as férias da escola, era justamente essa perspectiva de retornar á Tokonga no futuro, de um modo mais adequado.

Mas outro medo se agitava dentro de mim. Bastava lembrar as palavras de Nyree e Tãwhai, no dia em que havíamos partido, e a angústia de não saber o que encontraria em meu retorno me impedia de tomar decisões precipitadas.

Imaginar os dois felizes... juntos...era terrível demais para eu suportar. E contribuía para que eu tentasse, toda vez, enterrar aquilo dentro de mim e tentar focar na minha nova vida. Era como tentar segurar a respiração, por que aquilo me matava cada vez mais.

Quando eu tinha dezesseis anos, e finalmente havia terminado os estudos trouxas, meus pais tiveram a indicação, por um amigo bruxo do núcleo, de um emprego promissor para mim, Beatriz e Russel. Havia vagas para guias turísticos australianos na empresa de turismo da cidade. Era um trabalho bem remunerado, que envolvia um grande conhecimento do território australiano, e também fornecia uma ampla oportunidade de viajar pelo país.

Nós três nem hesitamos para aceitar.

Eu iria começar o período de avaliação no bimestre seguinte, embora Beatriz já tivesse iniciado o trabalho no escritório da divisão, e Russel já estivesse trabalhando. Íamos planejar uma visita á Tokonga assim que eu conseguisse férias do emprego, o que me deixara ainda mais eufórico.

—____________________O___________________

Infelizmente, foi aí que as coisas voltaram a desmoronar em minha vida.

Mamãe havia caído doente, e papai rodara Sydney á procura de médicos, trouxas e bruxos, que pudessem identificar sua doença. Ela ficou cada vez mais fraca e apática, o que me deixou completamente arrasado.

Sem doenças naturais em Tokonga, nem imaginávamos se era de origem trouxa ou mágica. E nenhum dos profissionais chegara á um consenso. O último diagnostico havia sido de uma doença degenerativa – esclerose.

Estávamos quase organizando o tratamento dela em clínicas especializadas, quando o pior aconteceu.

Quando voltamos para casa, os maoris do núcleo deram a notícia.

Garantiram que ela não sofrera em momento algum. E uma menininha segurara sua mão e ficara com mamãe o tempo todo.

No dia seguinte, encontraram papai na Baía de Sydney.

Ninguém sabia como havia enfeitiçado os blocos do píer para afundarem sobre ele, fincando-o no fundo da água.

Lembro de, em primeira instancia, não ter acreditado. Depois, revisei mentalmente tudo que minha mãe e dissera sobre a vulnerabilidade e preciosidade da vida, sem encontrar a brecha que explicaria por que papai fizera aquilo.

Senti tristeza e angústia, por ter perdido as pessoas mais importantes da minha vida em uma única semana. Senti medo pela insegurança do que iria fazer agora, sem aqueles que haviam me ensinado e cuidado durante todos os anos de minha vida. Senti uma raiva indecorosa de papai, por ter sido covarde o suficiente para me deixar sozinho e sucumbir ao desespero. E depois, nojo de mim mesmo, por ter pensado isso daquele que fora meu maior modelo de coragem.

Relembrar do rosto bondoso de minha mãe e da expressão de orgulho de meu pai, gravados ao longo dos anos em minha mente, foi uma penitência que eu parecia estar condenado a pagar.

Mas o pior era a ironia. As duas pessoas que mais haviam me ensinado sobre a harmonia e valor da vida já não tinham mais as suas.

Fiquei grato pelo apoio que recebi do núcleo, embora meu luto tenha perdurado por semanas e meses. Beatriz e Russel simplesmente foram os dois pilares que me sustentaram naquele momento horrível.

A noticia se alastrou pelos maoris, e por fim chegou á Tokonga. Recebi, quatro meses depois, uma carta enviada diretamente de Tirari-Sturt, escrita pela família de minha mãe.

Mal acreditei quando a li.

Depois de quase cinco anos, finalmente estava vendo algo de Tokonga. Quase conseguia sentir o cheiro de areia e batatas cozidas que tanto me era familiar.

Além das notas de pêsames, minha tia descrevera tudo que havia acontecido nos últimos anos.

Foi uma breve menção á Nyree que me fez estacar, como se uma faca rombuda tivesse sido enfiada em meu estômago.

Havia sido breve, mas o que ela deixou subtender sobre Tãwhai me fez entender muito bem como ele e Nyree estavam convivendo.

Eu já não sabia mais o que doía em minha alma.

O desejo de queimar a carta foi suprimido pelo aperto da falta que sentia de Tokonga. Assim como as poucas lembranças da tribo, ela foi guardada em minha bolsa, magicamente extensa, junto de tudo que me era precioso.

O rombo que já havia em meu peito, toscamente coberto com o tempo, ameaçou arrebentar, levanto toda a minha vontade de viver.

Mas eu decidi que não desperdiçaria minha vida devido ao meu pesar. Meus pais haviam lutado para me fornecer aquelas oportunidades, e jamais teriam me perdoado se eu abandonasse tudo. Não deixaria que seus sacrifícios por mim fossem em vão.

 A vontade de retornar para a tribo pareceu esmaecer diante de minha decisão. Comecei a trabalhar, junto de meus amigos, tentando inutilmente colocar minha rotina de volta aos eixos.

E foi então que, aos dezessete anos, me vi finalmente solitário, diante dum futuro incerto e amedrontador, onde minha vida pareceu adotar um mecanismo que não aparentava que fosse terminar tão cedo.

Isso foi, no entanto, antes de, três anos depois, eu conhecer duas pessoas que mudariam o rumo de minha história.

 

 


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Notas finais do capítulo

Então... :P
Judiem de mim não. Quem já leu a Saga da Lontra sabia que os pais de Darel nem apareciam. Já os leitores novos... mal aí :(
Beijinhos e até o próximo capítulo O_O



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