Erwin, faz dez anos que não pego uma caneta e um papel de carta. Na verdade, procuro evitar qualquer coisa que me lembre daqueles nossos tempos. O que é praticamente impossível já que sempre em algum momento do meu dia, seja por causa de um cheiro, de uma voz parecida com a sua que ressoa no bar ou quando Jean vem me fazer uma visita; é você que vem a minha mente. Seu sorriso, sua risada e, por incrível que pareça, seu cheiro ainda está vívido em minha memória.

Às vezes ainda sonho com seus beijos, consigo sentir sua mão alisando meus cabelos e meu corpo se arrepia todo quando escuto sua voz me chamando para nos trancarmos no quarto e fazer sexo o resto da tarde até amanhecer, mesmo que o filme qualquer que estávamos assistindo estivesse na metade. Às vezes são pesadelos, posso sentir seu peso em meu colo, a visão de seu rosto fica embaçada por causa do meu choro enquanto sinto seu calor ir embora junto com sua vida. Independente de bons ou ruins, sempre quando acontece acordo chorando ou gritando seu nome e tenho que encarar seu lado da cama vazio, sentir o quarto escuro me engolir e chorar sozinho, mais uma vez.

Desculpe querido, mas não consegui fazer o que me pediu. Em minha vida não existe espaço para mais ninguém além de você. Não comprei nossa casa dos sonhos, continuo morando no velho apartamento, foi nele que cultivamos nossas melhores lembranças. Usei o dinheiro que guardávamos para ajudar Jean a pagar a casa que mora com seu marido, mesmo que o casamento gay não seja aceito, eles fazem questão de dizer que são casados. É o mínimo que eu poderia fazer depois de tudo. Eles estão tendo a vida que não pude ter ao seu lado.

Você iria adorá-lo. Marco, eu digo, o marido do Jean. Ele é o favorito no bar, ouvi-lo cantar me lembra os velhos tempos. Às vezes sinto vontade de voltar ao palco, mas não consigo, não sem você ali. Ele é uma pessoa gentil e o ama demais, precisava vê-los juntos. Jean era mais pateta e abobado que você no início, ele ainda fica todo vermelho quando Marco o beija de surpresa em público. Espero que eles consigam adotar o pequeno Armin. Serão pais maravilhosos, tenho certeza.

Hoje é véspera de Natal, passei o dia sentado em sua poltrona bebendo o provável motivo de eu finalmente escrever essa carta, vinho. Agora está tocando aquela música que você adora, já consigo escutá-la sem querer enfiar uma bala na minha cabeça ou cortar os pulsos na banheira...

Desculpe.

Sei que não quer que eu diga essas coisas, mas essa é a realidade sombria em que você me deixou. Quero que saiba que o perdoo e que, na verdade, nunca o culpei. Fomos vítimas de um destino cruel. Mas grandes amores tem disso, não é mesmo? Duas doses de drama para uma de felicidade plena e saudável.

Sinto sua falta, Erwin. Todos os dias.

Sei que um dia vamos nos encontrar de novo e eu vou poder lhe bater por ter ido primeiro e depois te beijar. Mal posso esperar por sentir a felicidade que é amar e ser amado por você.

Feliz Natal querido. Eu te amo e sempre amarei.

Eternamente seu.