A professia de Kilgarrah escrita por Bruna Weasley


Capítulo 3
A beleza da felicidade


Notas iniciais do capítulo

Olá, espero que gostem desse capítulo!



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O sol parecia ter saído tão forte naquele dia só para apontar seus raios na direção de Jessifer. Todos os seus planos de se ocultar haviam sido jogados fora, e agora ela se via cercada pelos habitantes da vila. A luz ofuscava seus olhos e ela piscou várias vezes para que sua visão se clareasse. Havia muitos rostos desconhecidos a encarando. Ela reconheceu o homem do dia anterior, que fugira dela antes que pudesse responder qualquer uma de suas perguntas, mas não encontrou a mulher que conversara com ela. É claro que não, aquele lugar estava cheio de homens. Só homens. Jessifer temeu que eles fossem fazer algo com ela. Eles bem que pareciam perigosos.

Um homem em especial estava mais inclinado sobre ela do que os outros. Ele não era velho. Nenhum deles era. Ele tinha uma barba ruiva, cabelos até o queixo e parecia ter pouco mais que 30 anos. Seu rosto era indecifrável,diferente dos outros habitantes da vila; todos a encaravam com fúria.

Só naquele momento ela percebeu que não estava mais no lugar onde se deitara na noite passada. Estava em uma cama, mas ela era tão dura que realmente parecia que ainda estava deitada no chão desconfortável da vila. Estava em uma casa com paredes construídas de pedra e muito pequena. O homem ruivo ainda a encarava, e Jessifer parou de observar a casa e encarou o homem.

– Você se lembra de seu nome, garota? – ele perguntou, depois de um grande momento de silêncio.

– Eu estou na Inglaterra? – ela perguntou, ignorando sua pergunta. – É verdade o que aquela mulher disse? Eu estou na Europa?

– Claro que sim – ele respondeu. – Onde mais estaria? – Ele ficou confuso com o jeito da garota de falar. Será que ela tinha algum problema na língua? Ela forçava muito o R. – Será que dá para vocês nos deixarem sozinhos, por favor? – ele pediu, olhando para os outros na sala.

Os homens saíram, e Jessifer ficou sozinha com o homem. Bem, se ele iria estuprá-la, pelo menos o faria sozinho.

– Você se lembra do seu nome? – ele repetiu a pergunta, calmamente.

– Quem é você? – ela perguntou. – E por que não estou em Nova Iorque? Como eu...

– Você está perdida?

– Estou – ela respondeu. Talvez não fosse sábio confiar nele, mas não tinha mais ninguém que estava interessado em sua vida. E ele não parecia ser louco ou raivoso. – Eu estava no meu apartamento, e veio um vento, e duas luzes... Achei que eram olhos, mas me ocorreu que podem ser faróis ou...

– Você está confusa – ele falou, calmo. – Deve ter batido sua cabeça.

– O quê? Quer dizer, eu bati, e talvez eu tenha imaginado os olhos amarelos ou o vento, mas eu estava no meu apartamento e eu acordei em uma mata...

– Senhora – ele a interrompeu pela segunda vez. – Em que tempo você acha que estamos?

– Que tipo de pergunta é essa? – Seu rosto se clareou quando ela percebeu o que aquela pergunta significava. – Ah, você é igual aquela mulher, hã? Você também é louco? Acha que estamos na Idade Média? Ah, espera, eu entendi – Ela falou rápido antes que ele a interrompesse. – Isso é algum tipo de encontro psiquiátrico ao ar livre? Vocês todos acham que estamos na Idade Média? Se esse é o caso, por favor me apresente para algum psiquiatra. Ou um gerente. Ou qualquer pessoa que não seja doida.

– Senhora, por favor...

– Não! – ela disse, pulando da cama e se afastando dele. – Isso não é a Idade Média, eu estava no século 21! Não é possível!

– Senhora, não sei o que você quer dizer com Idade Média.

– Ah, você não sabe o que é Idade Média – ela riu, sarcasticamente. – Claro, porque isso não é Idade Média, isso é o agora. Como pode ser Idade Média se ainda não aconteceu nada depois desse tempo?

– Senhora, por favor... – ele repetiu, se aproximando.

– Fique longe de mim! – Jessifer deu um passo para trás, na direção da porta da casa. Quando o homem deu mais um passo, ela correu para fora da cabana.

– Vão atrás dela! – Ela ouviu um sotaque britânico gritar atrás dela, mas o ignorou, assim como os passos que ouvia das pessoas correndo atrás dela. Só correu até a mata. Queria fugir daquele bando de malucos.

Ela correu até ficar bem longe da vila. Felizmente, ela era mais rápida do que os homens. Logo tudo que via era um monte de árvores. Ela buscou aquela parte da mata na sua memória, mas não a encontrou. Não sabia onde estava. Tentou olhar encima das árvores, mas não conseguiu. Frustrada, olhou para uma árvore relativamente alta. Ela era ótima em escalar árvores e viver no mato quando era jovem, mas agora as coisas estavam diferentes. Ela não era como antes, mas sentia que conseguia escalar aquela árvore. Afinal, já fizera coisas piores.

Ela falhara três vezes. Nas duas primeiras, tivera que começar pelo começo, mas na terceira se agarrara a um galho e conseguira subir até o topo. Ela avistara uma vila, a vila na qual tinha partido, e outra vila um pouco a sua direita. Será que não haviam cidades naquele lugar? Ou será que havia uma cidade, mas não a muitos quilômetros de distância? Ela tinha dinheiro, talvez o suficiente para pegar um táxi.

Mas ela não via carros na vila. Muito pelo contrário, via um estábulo de cavalos. E não havia estrada, nem postes de luz, nem nada que pudesse mostrar que ela estava no século 21. Talvez eles fossem iguais aquela outra vila, e achassem que estavam na Idade Média. Mas que escolha ela tinha? Teria que conversar com eles, conhecer alguém que soubesse onde ela estava.

Poderia viver na mata, pensou ela. Mas logo depois percebeu como aquilo seria ridículo. Ela, viver na mata? Até parece. Lá não tinha sinal, não tinha comida, não tinha nada. Ela não poderia caçar, não comia carne. Tinha que ir a vila. Já estava mesmo ficando com fome.

Jessifer desceu da árvore e caminhou o dia inteiro, até conseguir ver por entre as árvores a vila. Acelerou o passo e se descobriu numa vila idêntica a outra. Mesmas casas, mesmas cores, mesma tristeza, mesmos olhares julgadores, mas vindos de pessoas diferentes. Dessa vez, ela não foi na direção de ninguém, nem olhou para ninguém. Não queria ter discussões, não queria dormir e acordar em uma cama com um estranho.

Ela não sabia o que fazer. Queria encontrar alguém que não esteja vestido daquele jeito, ou que não a esteja a olhando daquele jeito. Mas não encontrou ninguém. Então só continuou a andar, sem rumo pela vila, até que se deparou com algo diferente.

Eram três homens. Eles não a evitaram como os outros, ou a olharam julgando-a. Muito pelo contrário, a olhavam com desejo. Isso a estava deixando assustada, nervosa. Ela tentou seguir reto e não olhar para eles, mas sentiu mãos na sua cintura, a parando.

– Querida, já está indo? – Uma voz sussurrou em seu ouvido.

– Você acabou de chegar... – Outra voz. Ela estava acostumada a ser assediada na rua. Na verdade sempre reagia muito bem. Não tinha medo de gritar com os caras na rua, e uma vez ela até socou um cara e saiu correndo depois que ele passara a mão nela. Mas nunca a seguraram daquele jeito, com tanta posse, como se ela pertencesse a ele e nascera para servi-lo. Eles estavam a trancando no meio daquele circulo. Ela não gostou daquilo, queria que a deixassem ir.

Agora ela estava bem colada ao cara. Eles não seguravam seus braços, não esperavam que ela fizesse qualquer coisa para se proteger. Ela também não tinha como fugir, já que estavam a trancando por todos os lados. A única coisa que tapavam era sua boca, o que ela achou muita idiotice. Ela não iria gritar. Mais idiotice ainda era eles não terem segurado seus braços.

Ela cotovelou a costela do cara que a segurava por trás com força. Com o impacto, ele a soltou. Ela iria fugir, mas o homem a sua frente a segurou pelos braços. Não ficou feliz com isso. Não queria lutar. Mas pelo visto seria obrigada.

Chutou a canela do homem, o que fez ele tropeçar e quase cair. Infelizmente, o outro homem que tinha sido acotovelado se recuperou e agarrou um de seus braços, assim como o terceiro homem que agarrou o outro, então ela puxou o da esquerda e mordeu seu braço com toda a força que tinha e conseguiu agarrar o braço do outro e enfiar as suas unhas lá, e eles a soltaram só por um segundo, mas ela conseguiu se afastar dos dois. Ela chutou o da direita na cabeça e socou o outro no rosto. Os dois pareciam não querer mais a incomodar, estavam muito ocupados tentando parar o sangramento de seus rostos, mas o outro não desistiu. Ele a agarrou por trás e ela, que já tinha pensado exatamente o que fazer, pisou no seu pé com força, mas isso não fez com que ele a soltasse como ela queria, então ela o agarrou pela cabeça. Na verdade, ela não sabia o que fazer, agarrou a cabeça do homem por instinto, mas funcionou. Ela torceu a cabeça dele e o homem a soltou. Então ela ficou em frente a ele, abaixou-o e o ajoelhou na cara, o que fez ele ajoelhar, e depois, talvez por pura raiva, socou-o. Ele ficou desacordado.

Os dois homens a olharam assustados. Jessifer se afastou um pouco e deixou eles pegarem o homem desacordado e saírem correndo. Ela bufou. Covardes.

– O que foi isso? – disse uma voz.

Ela se virou, só para encontrar um jovem branco, com cabelo castanho e até os ombros, mortalmente magro, como todos de lá. Ele não parecia ser nada mais que uma criança, talvez tinha uns 13 ou 14 anos.

– Eles... estavam me agarrando – ela respondeu, tentando fazer o sotaque britânico que todos lá tinham. – Eu tinha que me defender.

– Como... – ele balançou a cabeça, confuso. – Nunca vi uma mulher lutar assim. Na verdade, nunca vi uma mulher ficar calma numa situação dessas. Nunca vi uma mulher... forte. Nem achei que isso fosse possível.

Ela tentou ignorar o machismo exposto na frase.

– Talvez você não conheça tantas mulheres, então.

Ela se virou para ir embora, mas o homem a parou com uma mão em seu ombro.

– Espere.

Ela parou e se virou.

– O que é?

– Pode me dizer o seu nome?

– Por que você quer saber?

– Bem, eu fui na sua direção esperando salvá-la, mas ao invés disso você bateu naqueles homens de um jeito que eu nunca achei que fosse possível uma mulher bater. Acho que eu tenho a razão de me sentir um pouco curioso.

Ela respirou fundo.

– Marie – ela mentiu. Jessifer já era estranho com pessoas normais, imagina com pessoas medievais. – Meu nome é Marie.

– Ah. – Ele sorriu. – Meu nome é John.

– Ok – Eles ficaram em silêncio por um tempo, até que ela disse. – Bom, foi legal conhecê-lo, John.

– Não, espere! – John segurou sua mão. Jessifer a puxou rapidamente. – Eu só queria saber... Quem é você? Como você aprendeu a fazer essas coisas?

Jessifer o estudou por um momento. Ele parecia ser são. Mas aquela mulher também parecia. E aquele homem também. Ninguém lá parecia ser louco. Mas ela resolveu confiar nele, afinal, tinha que descobrir onde estava.

– Diga-me onde estou.

John franziu a testa.

– O quê?

– Eu não sei onde estou. Diga-me onde estou.

– Inglaterra, na vila...

– Não! – ela disse. – Não, estamos nos Estados Unidos.

– Não, estamos na Inglaterra.

– Eu estava em Nova Iorque, século 21. Você tem que acreditar nisso.

Ele ficou em silêncio, por um momento. Estava confuso. Quando viu a garota pela primeira vez, achou-a muito estranha, e quis manter distância. Mas quando a viu sendo atacada, tinha que ajudá-la. Só quando ele a viu pela primeira vez percebeu como ela era linda, e musculosa, e forte, e simplesmente... diferente. Ele gostou dela. Queria conhecê-la. Ela estava falando uma loucura, mas ela não parecia louca. Talvez ela estivesse falando a verdade.

– Eu acredito em você.

Jessifer ficou tão surpresa com a resposta que quase engasgou.

– O quê?

– Eu acredito em você. Quer dizer, nunca vi ninguém do futuro, ou de qualquer outro tempo, mas existem muitos tipos de magia. Não duvido de nada.

Ela encarou o garoto por um tempo, incrédula, então começou a rir.

– Magia? – ela falou por entre as risadas. – Ok, admito que até os meus 14 anos ainda achava que eu iria para Hogwarts. Quer dizer, até os 22. Ok, eu ainda acho. E também que Gandalf vai me chamar para uma aventura. E um dia eu vou para Nárnia. Mas isso não é motivo para eu acreditar em qualquer louca que vem até mim e diz que veio do futuro. Você não pode ter tanta fé em magia assim.

John sorriu, como se ela fosse realmente muito inocente.

– Não tem magia no século 21?

– Não existe magia – ela respondeu. – Pelo menos, eu nunca vi magia.

Então ele, ainda sorrindo, estendeu a mão, com a palma para cima. Jessifer não entendeu. Será que tinha que por algo lá? Ou aquele era um comprimento daquele lugar? Talvez aqueles tipos de “high-fives” já existiam naquele tempo. Mas então ela viu algo surgir na palma do garoto. Era algo brilhante, laranja, quente. Fogo.

Ela gritou. Não queria, mas gritou. Como havia fogo na mão dele? Como aquilo havia surgido do nada? O fogo não o queimava. Ele... flutuava. Não tocava na palma da mão dele, flutuava no ar logo acima da mão dele, não tocava em nada.

Aquilo não era real. Aquilo não podia ser real.

– Estou ficando louca – ela sussurrou.

– Não – ele respondeu, sorrindo. – Você não está louca. Isso é real. É magia.

– Não, não é. É ilusão. É nada. Isso não é nada. Não pode ser.

– Toque.

Ela riu perante ao pedido dele.

– Tocar? Não! Irei me queimar.

– Ah, então é verdade, não é?

Jessifer ficou em silêncio por um momento, séria, mas depois voltou a sorrir.

– Você está brincando comigo.

– Não – ele respondeu, ainda com a mão estendida e com a chama do fogo acessa. – Vamos, toque se não é real.

Jessifer encarou a chama por um tempo. Parecia bem real, mas é claro que não era.

– Ok – ela disse, se aproximando. – Vou tocar. Não é real. Não vai queimar.

Ela estendeu um dedo em direção a chama e, hesitante, tocou-o. No mesmo instante, seu dedo ardeu impiedosamente.

– Ai! – ela gemeu, afastando o dedo rapidamente. – Que merda!

Ele riu. Jessifer achou muito rude o modo como estava se divertindo com sua dor.

– Então? – perguntou, ao mesmo tempo em que a pequena chama se apagava. – É real?

– A sensação é real – Jessifer resmungou com a voz baixa. – Mas não pode ser. Quer dizer... – Ela passou a mão pelos cabelos, coisa que fazia quando estava confusa. – Se magia é real quer dizer que eu realmente estou na Idade Média.

Ele franziu a testa. Não sabia o que ela queria dizer com “Idade Média”, mas tinha a impressão que era algo relacionado com o seu tempo.

– Acho que sim – ele respondeu, relutante.

– É – Ela enrolou o dedo queimado na camiseta. Ele estava doendo bastante.

– Dê-me seu dedo – disse John, ao mesmo tempo em que pegava sua mão e a botava acima da sua. Ele olhou fixamente para o dedo queimado da jovem e então murmurou algumas palavras. Seus olhos brilharam e, aos poucos, a dor em seu dedo diminuiu, e logo desapareceu, e a cor de vermelho que havia na sua pele começou a desaparecer.

Jessifer sorriu, maravilhada pelo que tinha acabado de acontecer.

– Isso foi incrível – ela disse, olhando incrédula para o seu dedo e depois para o jovem na sua frente repetidas e repetidas vezes. – Obrigada.

– Tudo bem – ele respondeu, sorrindo. – O que é “merda”?

Jessifer o encarou por um tempo, então começou a rir.

– Não é nada – ela respondeu, ainda rindo. – É uma coisa que falam no século 21.

– Ah! Aliás, como isso aconteceu? Como você veio para cá?

Então ela contou tudo. Em outra situação, não teria confiado nele. Ela não era o tipo de pessoa que confiava nos outros tão facilmente. Mas aquele garoto era tão jovem, e o único que tinha acreditado nela. Depois que ela terminou de contar, John parecia pensativo e meio frustrado. Eles ficaram em silêncio, ele pensando e ela esperando uma resposta.

– Então? – ela disse, finalmente. – O que você acha?

– Não sei – ele respondeu. – Nunca vi uma magia assim. Mas eu não sou nenhum mestre. Muito pelo contrário, sou jovem demais e nunca recebi treinamento nenhum. Mas há alguém que pode te ajudar.

– Quem?

Ele respirou fundo.

– O nome dele é Merlin. Ele vive em um reino chamado...

– Camelot – ela completou, sorrindo.

– Você já ouviu falar dele?

– É claro! – exclamou. – Todo mundo já ouviu falar da história do mago Merlin, o rei Arthur, Camelot... Mas é só uma história. Nada é real, pelo menos ninguém me disse que é real.

– Mas é! Merlin é o mago mais poderoso do mundo. Se alguém pode ajudá-la, é ele. – Ela encarou o chão, chocada. – Você acredita em mim, não é?

– É claro – ela respondeu. – Depois do que você me contou... me mostrou... Como poderia não acreditar?

– Eu poderia te levar para lá – John disse. – Meu sonho sempre foi treinar com Merlin, e ser o maior mago de todos, proteger Camelot...

– Seria bom, mas... os seus pais não iriam se importar? – ela perguntou.

– Meus pais?

– Sim, quer dizer, você parece ter uns 14 anos. Eles ainda devem ser responsáveis por você.

– É, você tem razão.

– Então eles não se importariam?

– Acho que sim, mas ser um mago poderoso sempre foi o meu sonho. E com Merlin vou conseguir tanta coisa!

– É, mas você não se importa com eles?

– Claro que me importo – ele disse. – Mas não posso fazer nada por eles. Marie, nem me lembro da última vez que comi. Sei que faz dias. Se eu for para Camelot, conseguir um emprego lá, um dia voltarei e levarei eles para outro lugar. E nós vamos ser ricos.

Jessifer suspirou e se deitou no chão da vila.

– Não tenha muitas esperanças, garoto – ela disse. – Eu costumava pensar assim. Me mudar para a cidade grande, e eu magicamente conseguiria tudo que eu queria. E quando ganhei uma chance, puff!, estava nesse tempo. As coisas nunca acontecem como você quer.

John se deitou ao seu lado, com uma das mãos atrás da cabeça e outra apoiada na barriga.

– Aliás, o que você fazia, no outro tempo? – ele perguntou. – Era uma lutadora? Era casada?

– Lutadora? – Ela sorriu. – Tinha uma época que eu queria ser lutadora. Até os quinze anos. Eu faço luta desde pequena, sabe? Era apaixonada pelas artes marciais. Só depois que eu comecei a fazer aula de violão, e descobri que o que eu amava era música.

– Você era musicista?

– Sim – ela respondeu. – Eu era cantora. Tinha uma banda.

– Minha mãe diz que cantoras são problemas – ele disse. – Mas eu não acredito nela.

– Que bom – ela disse. – A música do meu tempo é diferente da do seu. Assim como as pessoas. Assim como tudo.

– Estou vendo. O seu cabelo diz tudo.

Ela riu.

– O que é essa mexa azul? – ele perguntou.

– Eu pintei! – ela respondeu. – Pintei todo o meu cabelo. Ele na verdade é preto, mas eu pintei quando tinha 16 anos, e pinto até hoje. Essas mexas azuis foram pintadas quando eu tinha 19 anos.

– Eu gostei. Quando eu vi pela primeira vez achei que tinha um bicho no seu cabelo.

– Ah, obrigada.

Agora estava muito escuro. O céu era maravilhoso. Ela nunca conseguiu ver as estrelas tão claramente. Era lindo. Não era assim no século 21. Lá, ela tinha sorte se conseguisse ver três estrelas em uma mesma noite. Naquele lugar, o céu era infestado de pontinhos brilhantes. Era impressionante.

– É lindo – ela sussurrou. – Não é assim no meu tempo. Aqui, vocês tem mais estrelas, mas a sua noite é mais escura.

– Você acha esse tempo mais bonito? – ele perguntou.

Ela sorriu para ele. Mas que pergunta boba era aquela.

– Nada, nem as mais numerosas estrelas, podem ser mais bonitas para mim que a felicidade da luta e da liberdade. No meu tempo, tenho orgulho de dizer que essas lutas são constantes e fortes. Aqui, vejo milhares de pessoas presas dentro de uma sociedade, com medo de ser quem realmente são. Lá consigo ver o orgulho e a alegria desses verdadeiros guerreiros. E não há nada mais bonito.


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Notas finais do capítulo

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