Naquele dia tudo parecia ter dado errado. Como se não bastasse ter brigado com o meu namorado e o mandado ir à merda, ainda fui alvo de um pombo e tropecei quando estava entrando em casa. Era como se o mundo conspirasse contra mim naquele domingo relativamente quente.

Entrei em meu quarto batendo a porta com força, indicando o quão frustrada eu estava. Joguei os óculos com raiva em cima da cama e tirei os tênis vermelhos, largando-os ao lado da porta. Joguei-me no puff ao lado da cama e como de costume coloquei a mão na testa. Suspirei, tentando recobrar os sentidos que foram tão facilmente roubados de mim.

O calor estava me matando, então tratei de arrancar fora a jaqueta azul-marinho. Tirei também os shorts com o intuito de curtir a brisa legal do meu quarto só de roupas íntimas, mas essa idéia foi frustrada por Gabe, que entrou no meu quarto sem bater na porta.

- Idiota! – Eu gritei enquanto tacava o short jeans em sua cara. – Bata na porta antes!

- Desculpa, Blue! – Ele respondeu rapidamente se virando de costas para mim e fechando os olhos.

- Tá pra chegar o dia em que você vai aprender a bater na porta antes de entrar no meu quarto.

- Já pedi desculpas, Blue!

Depois de alguns segundos em que eu vesti uma roupa descente para recebê-lo, ele se virou para começar a dizer o que ele tinha vindo me dizer. Claro que não ante de arrancar os tênis e se jogar em minha cama... Quase quebrando meus óculos.

- Pensei que você estava em Londres, - eu disse me sentando na ponta da cama.

- Eu estava, - ele disse de olhos fechados. Aparentava estar extremamente cansado. – cheguei hoje de manhã... Mas você estava com o, argh, Harry.

Ele disse o nome do meu namorado com um desprezo gigante e fingiu que ia vomitar. A verdade é que Gabe e Harry não se bicam desde o primeiro dia em que se viram... Sem contar que a situação também não foi nada boa. Gabe estava exatamente como está agora, deitado na minha cama como se fosse a dele, quando Harry chegou e o viu.

Claro que aconteceram mais algumas coisas, mas nada muito relevante.

O motivo dessa intimidade de Gabe é que eu simplesmente o conheço desde que a bicha nasceu. Praticamente, já que ele nasceu no Uruguai. Mas é que se for analisar, os pais dele e os meus tem uma vida cheia de histórias pra contar. Imaginem Gabe Saporta de fraldas. Pois é, eu presenciei essa fase.

- Por favor, não mencione o nome dele – eu disse massageando as têmporas.

Ele se ergueu para me encarar como uma espécie de entusiasmo assustador.

- Vocês brigaram? – E o pior é que ele perguntou aquilo com uma voz feliz até demais.

- Sim, gênio – eu disse encarando seus olhos castanhos. Era tão evidente que até um macaco perceberia. – Agora levanta, eu também quero deitar.

Ele suspirou bravo quando eu o empurrei um pouco para o lado. Ele ainda não tinha nem começado a dizer o que queria, já que estava tão cansado e, convenhamos, minha cama é divina.

- E então? – Eu perguntei com um sorriso no rosto.

- Bom, o motivo motivístico pelo qual estou aqui hoje é que...

- Eu sei, o tour de vocês acabou! – Eu disse, era meio óbvio e eu me mantinha informada sobre os compromissos do meu melhor amigo.

- Claro, gênio – ele respondeu, imitando a minha voz. – Mas eu to dizendo sobre estar aqui, na sua casa, e não na minha.

- Vamos, fala! – Eu pedi, apoiando-me na cama.

- É o seguinte: Nate, Ryland, Alex e Vic vêm jantar em casa... E você vai estar lá. Por isso levanta essa sua bunda gorda da cama e vai se arrumar, mulher.

Intimidador esse meu melhor amigo? Quase não. Sorte dele que eu quase não ligo pras coisas que ele fala. E então, enquanto ele cochilava na minha cama quentinha, eu fui tomar um banho relaxante. Claro que na hora de vestir roupa eu o expulsei de volta pra sua própria casa que, aliás, é do lado da minha.

Eu vesti uma calça jeans, uma blusa qualquer, calcei meus tênis e sai. Nada extravagante, afinal eram só os garotos... E Victoria, que na minha concepção era quase um garoto também. Desci as escadas de casa correndo e sai pela porta da frente sem nem se quer avisar Ginna, a garota que divide o aluguel comigo, que eu estava saindo.

Atravessei o gramado e abri a porta da frente da casa ao lado da minha. Uma discussão rolava legal lá dentro e todos estavam tão empolgados que quase não perceberam a minha ilustre presença.

- Hey, - eu chamei uma vez. Nenhuma resposta.

Gabe gritava com Nate sobre qualquer coisa que estava passando na TV enquanto Vic conversava com uma loira gostosinha que estava sentada ao seu lado. Ryland estava babando na poltrona e Alex distraído com o laptop.

Como eu percebi que nenhum deles ia me perceber ali, eu fui até o estéreo liguei o som no último. Everyday Combat começou a tocar e todo mundo procurou a fonte do caos dentro da sala. Até Ryland acordou.

- Oi, - eu disse depois de desligar o som novamente.

- Ah, oi Blue! – Alex levantou uma mão.

Eu ia cumprimentar o resto das pessoas antes de ser atingida por um furacão que me pegou no colo e me girou pela sala.

- Chega Nate, ela vai vomitar. – Gabe disse revirando os olhos.

- Ok, chega mesmo, Nate. – Eu disse com um pouco de dificuldade.

Quando ele finalmente parou de me girar eu estalei um beijo na sua bochecha. Nate, depois de Gabe, era com quem eu mais tinha afinidade na banda. Não que eu não gostasse de todos e que juntos não nos divertíssemos, mas Nate parecia ser bem mais ligado a mim. Em resposta ao meu beijo, foi sua vez de estalar um em minha testa.

- Ok, - Gabe me puxou pela mão. – Blue, essa é Maja Ivarsson. Maj, essa é a Blume Swatzertohn.

A tal de Maja abriu um sorriso enorme. Ela tinha uma cara de quem tenta seduzir, meio arrogante e por vezes metida, mas seu sorriso parecia tão sincero e tão real que eu não pude evitar abrir um também, de canto a canto do meu rosto.

- Então essa é a Blume? – Ela perguntou enquanto beijava minhas bochechas.

- Andaram falando de mim? – Eu perguntei olhando desconfiada pra cada um dos rapaz. – Espero que tenha sido no mínimo neutro.

- Na verdade disseram que você era uma garota e tanto, quase uma mãe pra esses idiotas desajustados. – Ela disse rindo.

Eu tive que concordar, afinal, eu era mesmo a mãe daqueles seres ali.

O resto da noite pareceu correr como um maratonista. Os meninos acabaram pedindo pizza já que a dispensa de Gabe sempre está vazia e ele nem se quer tinha pensado nisso. Mas no final pizza resolve qualquer problema alimentício e tinha garrafas de Heineken espalhadas por toda a sala, pra dar conta do trabalho.

Com o passar do tempo eu acabei descobrindo que Maja era vocalista do The Sounds. Mais perto da meia-noite a campainha tocou... Eu nem teria ligado se não fossem Travis McCoy e Matt McGinley que passaram pela porta.

Eu conhecia os dois de algumas saídas com os rapazes. Pelo que eu sabia Gym Class Heroes e os Cobras eram bem chegados. Travis me cumprimentou com aquele jeito meio estranho dele, e Matt fez o mesmo. Não evitei o sorriso se formando, afinal, eles tinham essa áurea confortável.

- Ho-yo! Blue na área... – Travis comentou fazendo alguns gestos estranhos.

Gabe achou que eu não tinha visto, mas ele passou a mão pelo pescoço, imitando uma faca. Um sinal de que Travis devia parar na hora o que estava fazendo. Tá, eu não entendi o porquê disso, mas tudo bem.

Meus olhos estavam quase se fechando sozinhos e eu estava pronta pra ir embora pra minha caminha quando a campainha tocou novamente. Como eu já estava na frente da porta, não vi problema algum em abri-la, afinal a casa do Gabe é mais minha do que dele, dica.

Do lado de fora cinco caras me olharam um pouco confusos. Um silêncio do lado de dentro me deixou um pouco constrangida e se Gabe não tivesse imediatamente entrado em minha frente, eu provavelmente teria batido a porta na cara dos cinco. Nota importante: não, eu não conhecia nenhum dos cinco ali.

- William, caras! – Gabe cumprimentou e cada um foi entrando na sala do meu amigo.

Senti os pêlos da minha nuca arrepiarem quando o tal William passou por mim. Tudo bem, nem era a primeira vez que eu sentia aquilo, mas agora as desculpas de Gabe para que eu ficasse mais um pouco teriam resultado.

- Prazer, me chame de Will – ele apertou minha mão.

- Blu... – Eu comecei, mas a minha voz falhou.

- Blue Swatzertohn! – Gabe entrou na minha frente.

Os outros quatro me cumprimentaram da mesma maneira, mas depois de dois goles em outra Heineken eu não lembrava mais o nome de nenhum deles. A conversa parecia fluir livremente pela sala, sendo que em momento nenhum o silêncio tornou-se constrangedor. Nate até arrancou um ritmo na mesinha de centro e Ryland o acompanhou no violão. Gabe, exibicionista egocêntrico, não pôde deixar de acompanhar com o vocal, sendo que hora ou outra Vic, Maja e Alex faziam um backvocal.

Depois foi a vez de Travis e Matt, que arrebentaram com o estilo deles. Gabe até tentou uma dancinha estranha e ainda me obrigou a acompanhá-lo. Imagine ele me puxando do sofá só pra me girar pelos cantos da sala.

- Hey, Will – Vic começou depois que Travis e Matt já tinham terminado a música. – Porque não cantam vocês agora?

A cara que Victoria fez quando disse isso pareceu meio malévola. O sorriso era sacana, como se ela tramasse algo e Gabe, mesmo não estando no meio, riu do mesmo jeito que a companheira de banda.

- Claro, porque não? – William respondeu, enquanto passava o violão para Mike, um dos rapazes que chegaram junto com ele. – Mas só se Blue me acompanhar no vocal.

Eu engasguei com a minha própria saliva quando eu ouvi aquilo. O sorriso de William era o mesmo de Gabe e Vic e Maja e Travis e todos ali na sala. Me deu um medo, como se eu estivesse prestes a passar por um corredor polonês.

- Não, sem chances! – Eu disse rindo, como quem tenta fugir de algo.

Tarde demais, Mike já tinha começado a música e William cantava como se dependesse da minha voz. Todos olhavam pra mim, indicando que eu estaria desapontando todo mundo se não cantasse junto com ele.

E então aos poucos minha voz foi saindo da minha garganta... As duas – minha e de William – brincando juntas, acertando o ritmo e as notas. Fazia tanto tempo que eu não cantava... não daquele jeito. A música era bem mais calma do que as que Travis e Gabe cantaram, por isso mais parecia um dueto romântico do que qualquer outra coisa. Eu estava simplesmente me sentindo corar da cabeça aos pés, ao mesmo tempo em que entrava em sintonia com o meu próprio eu.

Quando soprei a última nota e o violão parou de tocar, Gabe olhou pra mim com um sorriso de canto. Ele tinha conseguido exatamente o que queria.

- O que eu disse? – Ele perguntou orgulhoso, ainda me encarando.

- Perfeita, - Maja gritou enquanto pulava do sofá pra me abraçar.

- A gente vai trabalhar músicas mais agitadas, Blue – Travis disse dando tapinhas em minhas costas.

- Onde vocês andavam escondendo essa garota? – Mike perguntou.

Seria estranho demais se eu começasse a ficar mais vermelha do que já estava? Eu não estava acostumada com o s holofotes voltados pra mim e quase não gostava dessa sensação.

- Na casa do lado, dica – Gabe gargalho e logo depois passou os braços pela minha cintura, me abraçando. – É o seguinte, Blue: Nós, os caras do Cobra Starship, do Gym Class Heroes, do The Sounds e do The Academy Is... queremos que você participe do nosso projeto.

- Projeto? – Eu perguntei com uma sobrancelha erguida.

- Clipe! – Maja respondeu. – Snakes on a Plane.

Meu queixo caiu lentamente... Clipe? Eu tinha cantado tão bem assim? Sem chances.