A Evolução dos Estilhaços escrita por Layla Magalhães


Capítulo 3
2




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MARA

Setor 45

A situação seria cômica se não me apavorasse um pouco. Estamos em outro mundo. Não deveria esperar humanóides verdes virem nos cumprimentar ou algo parecido?

Noah segura firme em minha mão, seus olhos atentos a tudo e qualquer coisa enquanto seguimos Minhoca pelas ruas deste setor. Ele parece saber para onde está nos levando.

Espero que ele saiba para onde está nos levando.

— Espero que você saiba para onde está nos levando — Noah diz ao nosso amigo astronauta e tenho que segurar uma risada. Parece que, não importe o mundo em que estamos, ainda continuamos a pensar do mesmo modo.

— Estou levando vocês ao Ponto Ômega, mas já aviso de antemão que não sou culpado pelo que pode acontecer lá. — O Minhoca ergue uma sobrancelha, ou é como imagino sua expressão, já que ele é careca e não tem um pelo facial, nem mesmo na sobrancelha. O apelido Minhoca veio a calhar pois ele lembra mesmo uma minhoca. Ainda mais quando enruga a testa como está fazendo agora. Depois que o encontramos, logo combinamos um dia para ver se o que ele prometia fazer era real — se Minhoca poderia mesmo viajar para outros mundos. A minha surpresa fora incalculável quando ele se mostrou correto — há minutos, estávamos na casa dele, um lugar frio e vazio de um pequeno país da América Central. Agora estamos aqui, numa Terra de algum universo desconhecido. Ou até mesmo paralelo.

Contenho um gritinho animado. Eu poderia ter dois do meu próprio Noah se assim fosse. Bom demais para ser verdade, definitivamente.

Volto a prestar atenção nos dois homens ao meu lado.

— Como assim, o que pode acontecer lá? — Noah gostou disso tanto quanto eu. O que, em resumo, é praticamente zero. Talvez alcance até um número negativo.

— Muitos, senão a maioria dos que frequentam o PO, tem poderes. Ou dons, como dizem por aqui.

Nada de aberração ou esquisitice, mas sim dons? Gostei.

— E você acha que eles podem arrumar algum tipo de confusão conosco?

— Eles são muito tranquilos para quererem uma briga sem motivos.

— Bem, então somos dois.

Mesmo muito ocupada me preocupando, não impeço-me de olhar os arredores. Posso não conhecer a história dessa população, mas é visível que as mudanças começaram a ocorrer há pouco. As árvores, em sua maioria, novas, estão por todos os lugares. Todavia, o ar daqui é melhor que qualquer lugar que visitara na minha terra. Os pássaros são escassos, contudo, existentes. As construções são lindas, cheias de arte, cheias de cor, como se comemorando o fato de tudo aqui viver.

— Não acredito que farão nada contra vocês. Mantenham-se discretos e nada acontecerá.

Respiro fundo, me acalmando, e deixo um pouco da minha franja cobrir meu rosto. Noah, pelo que noto, nem tenta ficar invisível. Ele sabe que, provavelmente, chamará mais atenção tentando cobrir-se do que andar tranquilamente como ele está fazendo.

Bonito, tranquilo. Nada discreto. Entretanto, para Noah, passar desapercebido está além da fronteira da impossibilidade.

— Estão vendo esses grandes prédios espelhados? — Minhoca nos indica prédios tecnológicos e bio-conscientes. Daqui posso ver as placas de energia solar e os jardins. Uma cerquinha um pouco mais distante parece ser uma horta. Árvores fechadas vão se afileirando, criando uma trilha natural para o que parece ser um parque. É lindo. — Apresento-lhes o Ponto Ômega.

Então é aqui. Não evito me afogar no alívio que sinto. É uma sensação que está presente quando estou junto de meus entes amados e amigos queridos, algo não tão fácil de se encontrar, embora seja resplandecente seu poder — o pertencimento. Ter um lugar do qual você pertence. Por algum motivo, meu coração diz que este lugar é aqui.

Tentando não chamar atenção, andamos silenciosamente pela entrada do Ponto, temendo sermos questionados e barrados antes de adentrarmos o edifício. Algumas crianças brincam do lado de fora e um suor fino molha minha nuca. Meus olhos se fixam em uma das crianças, a que parece ser mais velha. Uma garotinha, por volta dos seis ou sete anos. Ela é loira, seus cabelos uma cortina que dança em volta dos ombros quando ela corre e dança. Sentindo o peso do meu olhar, ela se volta para mim. Os olhos dela, verdes de um tom magnífico de esmeralda, estudam-me.

Não fico assustada por ela ter me visto. Pelo contrário, eu paro, analisando-a enquanto ela observa a mim.

— Mara? — chama Noah, mas não me movo.

Não me mexo um centímetro.

A garotinha começa a caminhar em nossa direção. Sua cabecinha está levemente para o lado, como se ela estivesse curiosa demais para evitar vir até nós. Noah tenta me arrastar dalí, porém logo desiste. Minhoca fica agitado em sua posição, contudo, não sai do lugar.

Acho que eles também não vêem perigo na pequena menina que está à nossa frente.

Parando, ela pisca rapidamente, como se pensando. 

Porém seu silêncio não dura para sempre.

—Você não é daqui, é? —sua voz aguda soa adulta em meus ouvidos. Ela olha para as crianças atrás dela e depois para mim de novo.

Fico paralisada. Eu poderia mentir. Falar que sou de outro setor, como Minhoca disse que eram divididas as cidades deste estranho lugar e —

—Não precisa mentir —a menininha interrompe meu raciocínio, desarmando-me totalmente. —, nem precisa ficar com medo. Nós te ajudaremos aqui.

Devo ter parecido tão surpresa como me sentia, pois Noah assume as rédeas da conversa.

—Como é o seu nome?

—Leila.

—Leila? É um lindo nome.

—Era da minha avó. Você fala engraçado. Não é igual ao modo que ela fala. — Leila me indica.

O sotaque dele. O sotaque dele nos denunciou. Como uma menininha tão pequena pode ser tão esperta?

Leila? — Um homem chama-a da porta. Ele é alto e seus olhos puxados estão fitando-nos desconfiados. Um asiático cheio de suspeitas. Não pode ser bom.

— Oi, titio.

Encarando-nos, o tio de Leila aproxima-se dela e a segura pelos ombros.

— Quem são essas pessoas, Le — uma mulher surge, caminhando sem desviar o olhar da prancheta em sua mão e interrompendo a pergunta dele.

— Kenji, a Ju quer saber onde estão as crianças — ela olha pra cima e para, chocada. A prancheta cai no chão, quase acompanhando seu queixo. Sua boca está tão aberta que juro que Noah pode fazer um exame de suas amígdalas daqui.

Ela é bonita. Assim como o homem, Kenji, tem o corpo definido, forte e também é asiática. Ela balbucia alguma coisa e Kenji parece ficar realmente preocupado. Sem deixar Leila para trás com os potenciais estranhos que somos nós, ele a pega no colo antes de se aproximar da chocada mulher que nos encara sem parar.

— Amaya?

Ela pisca várias vezes. É um gesto familiar a mim, como se Amaya o fizesse para saber se tudo é real e não apenas um tipo de sonho louco.

Noah Shaw? — Ela pergunta. Olho surpresa para ele, buscando sinais de reconhecimento, embora ele pareça tão surpreso quanto eu.

— O quê? — Kenji raciocina por uns segundos. Vira os olhos. — Você está brincando comigo.

Noah Shaw e Mara Dyer? — Amaya continua, se aproximando de nós dois. Seu companheiro tenta impedir, mas sem sucesso. Lançando seu olhar perspicaz para Minhoca, ela continua. — Não sei quem você é, cara, mas seu poder é fantástico. Fora você quem provavelmente trouxera os dois para cá, eu vejo.

Sem entendermos nada do que está acontecendo, Amaya discorre livremente com as palavras.

— A Juliette vai morrer quando souber. Merda, Kenji — ela se dirige a ele —, a Juliette. Avise-a. Seria bom se O Comandante soubesse também.

Comandante? Queremos militares envolvidos nessa situação?

— Ouça, nós não viemos causar problemas... — Noah começa, mas Amaya o pausa.

Problemas? Noah Shaw, você com certeza é um problema. Contudo, não se preocupe. Amamos problemas por aqui. A propósito — seus olhos brilham de um jeito meio assustador. E um pouco stalker. Curiosa, ela olha para mim. —, Jamie está bem? E quanto a Joseph? Adoro aquele garoto, Mara.

— Como é que você sabe quem somos? Como é que você sabe tanto em relação a nós?

As palavras pulam para fora da minha boca e dou um passo involuntário à frente. Estou apavorada e com medo. Não é uma boa combinação.

Ela levanta as mãos em sinal de rendição.

— Vamos com calma. Tenho um dom, mas não um eficaz como o do Kent. Se você desejar me matar, morrerei na certa. Juro que podemos explicar tudo.

— Na verdade, não há muito o que dizer. — ouço a voz antes da dona dela aparecer. Vindo daquelas portas iluminadas, uma mulher de cabelos longos e lisos caminha com tranquilidade até nós. A cor castanha de suas madeixas se opõe à cor única dos olhos — um azul acizentado espetacular. Ela está em um cardigã bege claro e calças jeans justas, as botas marrons chegando na altura de sua panturrilha. Batucando os dedos em um livro, ela nos mostra o título — A desconstrução de Mara Dyer.

— Mas como... — sussurro, organizando os pensamentos.

— Culpado — Minhoca confessa com um sorriso amarelo —, acho que este é o meu exemplar. Procurei-o por todos os lugares.

Kenji e Amaya encaram quem eu acredito que seja Juliette de um jeito acusatório. Estalando a língua, a última defende-se.

— Eu procurei pelo dono. Não havia ninguém por perto e mais: eu estava com Elijah. Não ficaria vagando pelo setor à procura de alguém que nem conhecia.

— Usando nosso filho caçula como desculpas, amor? — Um loiro bonito se aproxima. Cada passo em nossa direção reafirma ainda mais o quão belo ele é. Os olhos verdes refletem brilhantemente na luz do sol, embora só observem uma pessoa a sua frente. Juliette.

— O filho é meu e eu o uso para o que quiser. Ele dormiu? — Ela encara a pequena criança nos braços do pai. Seria ele o Comandante?

Estudando-nos por alguns segundos, ele deve ter notado nossa repleta confusão, porque balança a cabeça. Olha para sua mulher e amigos. — Vocês são péssimos anfitriões. Nem se apresentam e já vão jogando toneladas de informações em nossos visitantes.

Ele sorri de lado e vem até nós, confiante e simpático. Segurando o bebê com uma mão, a outra ele estende a mim. Fico presa naqueles olhos esmeraldas por alguns segundos, buscando motivos para desconfiar deles, para temê-los. Não demorei a desistir de procurar. Não há nada. Em nenhum dos quatro adultos e nem na criança — cópia idêntica do homem que está à minha frente, pelo que posso ver — há maldade ou apatia. Na verdade, a sinceridade em seus gestos e movimentos chegam a ser tocantes. Como se não houvesse seres corruptos neste lugar.

Aperto a mão dele, o que o deixa visivelmente aliviado. Talvez eu o tenha deixado nervoso por algum motivo.

— Sou o Warner, mas pode me chamar de Aaron. — Apertando a mão de Noah e Minhoca em seguida, ele introduz o restante de nossa companhia.

— Essa é a minha mulher, Juliette, e esses são Amaya e Kenji, amigos —

Melhores amigos — Kenji corrige, o que não faz Aaron pausar sua introdução.

— São os amigos da família e tios —

Melhores tios — Amaya sopra, o que faz O Comandante respirar fundo, entretanto, sem perder o humor por um segundo.

... Amigos da família e tios de nossos filhos. O pequeno em meus braços é Eli, e a princesinha alí vocês já devem conhecer.

Leila sorri inocentemente.

— Tenho uma pergunta, Aaron. — Noah, curioso, olha-os. Juliette está abraçada com Aaron, Elijah e Leila em seus braços, enquanto Amaya está com os braços envoltos na cintura de Kenji.

— Sinta-se à vontade, Noah.

Não posso explicar o quão esquisito é ver esses estranhos saberem de toda nossa vida. Torna até a coisa da super inteligência alienígena ser real.

— De fato, somos as pessoas que vocês descobriram nos livros. Contudo, Amaya, como você nos reconheceu quando o próprio Kenji não fora capaz?

Umedecendo os lábios e sorrindo, ela começa a explicar.

— Há dois motivos. O primeiro e nem por isso falso, é que Kenji é um tapado. Tantas horas de surto e leituras para ele não reconhecer vocês. Burrice.

Não consigo segurar o sorriso que surge em meus lábios. Não importa aonde você vá, sempre haverá os engraçadinhos para tornar o lugar melhor do que já é.

— E o segundo... — Ela zomba, penteando os cabelos para trás, como a grande esperta que ela é. — é que eu sou hiper-mega-ultra 

Ela tem um dom. — todos respondem por ela. Até mesmo Leila. Amaya, em resposta, mostra a língua para eles.

— Consigo ver quais de vocês têm dons e como são eles. — evidencia ela. — Como os de vocês são incomuns, logo somei dois com dois e adivinhei suas identidades.

— Somou dois mais dois?— Kenji está cético.

— Poderes fodas que se resumem a matar com o pensamento mais capacidade de viajar de planeta a planeta mais curar e ouvir corações a quilômetros de distância mais cara gato, e não do estilo pouco gato, e sim como gato pra caramba igual Noah Shaw e Mara Dyer. Isso se ela já não for Shaw também. Ela é? — Amaya fala tudo num rompante. Parece pensar melhor e volta atrás. — Esperem, não me digam. É spoiler.

Rio de sua astúcia. Não consigo deixar de pensar que Jamie se daria muito bem com ela. Observando-os novamente, eu relaxo. Não posso mentir: estou surpresa com o quanto eles sabem e, mesmo assim, em quão amistosos eles são. Sei que Noah também está surpreso. Contudo, algo me diz que posso confiar a minha vida a Kenji, Aaron, Amaya e Juliette. Leila pisca para mim, sorridente.

— Vocês ficarão bem. Meus pais e tios são legais e incapazes de fazer mal a alguém.

Não duvido da primeira parte, mas a segunda já não me é uma grande certeza.

— Claro — Juliette concorda —, a não ser que alguém mereça.

— E seja malvado. — Aaron complementa.

— E ameace nossa família. — Kenji.

— Ou peça por uma ou duas maldades — Amaya pisca para Noah.

Amaya!— Todos a repreendem. Eu não consigo ficar irritada com ela. É engraçado e, além do mais, sei que não passam de brincadeiras. Seus olhos brilham para Noah, mas seu sorriso é todo para Kenji. Ela o ama, e sei que é recíproco.

— Nós só queremos descobrir mais sobre nossos dons. — digo, dando de ombros.

Eles sorriem, contentes.

— Nós ajudaremos vocês com todas as perguntas que tiverem, eu garanto. — Kenji responde em nome de todos e Noah suspira, aliviado.

Olho para aqueles grandes prédios e mal contenho minha animação.

— Vocês estão com pressa?— Amaya parece tão ansiosa quanto eu.

— Não — sorri Noah, mais tranquilo do que minutos atrás —, não estamos.  

— Ótimo — Aaron nina o pequeno Elijah nos braços —, que tal apresentarmos o Ponto Ômega para vocês primeiro?

Bem.

— Achei que vocês nunca fossem oferecer.


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