Safe-Zone escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 6
Clarke


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo deu mais problema do que deveria. Ele estava pronto há muito tempo, contudo tivemos alguns imprevistos para terminar o 7 e fazer a revisão deste.
Uma coisa que esquecemos de dizer no capítulo anterior: pedimos desculpas por termos finalizado quase todos os capítulos no clímax, não era a nossa intenção. Não tínhamos percebido isso até uma leitora comentar. Como as histórias dos personagens estão meio desconectadas, acabamos perdendo a noção e esquecendo que o próximo capítulo trará um assunto completamente diferente. Prometemos que os próximos não serão assim!
Este capítulo é para dar uma respirada mesmo, mostrar a vida normal de uma pessoa normal (gente como a gente) e como os acontecimentos da Zona-Segura estão se propagando.
Agradecemos pelos comentários, principalmente da diva Kaya Levesque (https://fanfiction.com.br/u/350919/). Caso alguém se interesse, ela tem ótimas fics de TWD que merecem ser lidas!
Boa leitura!



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Ela acordou com o som de gargalhadas vindas da cozinha; a mulher sempre era a última a acordar naquela casa. Dessa vez o Sol já estava alto no céu e, pela primeira vez em semanas, a loira não sentia seu corpo dolorido ou fadigado pelo pouco tempo de sono. Já era tarde, mas dessa vez não precisaria correr para se aprontar, já que estava oficialmente desempregada.

Definitivamente trabalhar em construções não era para Melanie. O serviço pesado, carregar os materiais, montar as estruturas, sair de casa cedo e voltar tarde, tudo aquilo era fisicamente desgastante. Mesmo na infância, no Reino, ela nunca tinha sido de ajudar muito, nem mesmo com a limpeza do cubículo que um dia chamara de lar. Mas a vida logo obrigara a loira a cuidar da casa e a trabalhar muito desde jovem.

Clarke sentira-se imensamente aliviada ao pedir demissão, embora tivesse percebido como a ideia desagradara a chefe. Avery não ficara irritada, apenas havia perguntado se ela estava certa daquilo e a deixado ir com um ar derrotado. Não que Hopper tivesse muito apreço pelo trabalho ineficiente dela; como o prazo para a entrega do centro comunitário fora encurtado, toda a mão de obra era necessária e a equipe até começara a procurar mais trabalhadores temporários para ajudar.

Melanie precisava admitir que escolhera a pior hora para largar o emprego. Devido ao caos que tinha tomado conta da Zona-Segura, parecia até irresponsável desfalcar a equipe de construção por motivos puramente pessoais. Com o recente homicídio cometido em Alexandria, o pânico tomava conta de todas as comunidades à medida que a notícia se espalhava. Os líderes não tomaram nenhuma providência a não ser prender o assassino, e não fariam nada até que chegassem a um consenso.

Tentando não se sentir muito culpada, Melanie Clarke levantou-se da cama. Tinha finalmente a chance de decidir seu futuro por si mesma, sem ser imposta a nada. Não deixaria que problemas externos mudassem seu rumo, já havia esperado tempo demais.

Quando chegou à cozinha, encontrou Javier preparando o almoço e Wendy comendo à mesa, já pronta para a escola. O ambiente cheirava a ovos, a especialidade do namorado, e sua irmã conversava animadamente com ele enquanto mastigava. Melanie ficou parada na porta, apenas observando a cena. Não havia nada no mundo que ela amasse mais que os dois, e vê-los ali mostrava que tudo tinha valido a pena.

─ Boa tarde! ─ Javier debochou quando a viu.

─ Mais alguns minutos, e você teria chegado cedo para o chá da tarde ─ Wendy brincou. A menina adorava fazer piadas sobre o hábito da irmã mais velha de acordar tarde.

─ Muito engraçado. Isso é algum tipo de conspiração contra mim?

─ Foi ideia do Javier ─ a irmãzinha falou dando de ombros e balançando os cachos presos. O homem mais velho soltou uma gargalhada quando recebeu um olhar de reprovação da namorada. Logo a menina voltou sua atenção para a comida, devorando o conteúdo do prato rapidamente.

─ Que pressa é essa? Algo interessante na escola hoje?

─ Tenho aula de Geografia, vamos estudar os arredores de Washington D.C. Mas, se der tempo, podemos ver também o estado da Virgínia! Li em um livro que o solo é muito fértil. E também tem carvão e ardósia.

─ Parece realmente interessante ─ Melanie comentou, embora duvidasse que Wendy soubesse o que era ardósia.

─ Na verdade, não é não. Não vamos poder aprofundar muito nesse assunto, mas Athena prometeu que pode me dar aulas particulares e me emprestar alguns livros sobre isso.

─ Mais livros? Você está sempre pegando os livros dela e nunca termina de ler um.

─ Mas eu não consigo ler dois livros ao mesmo tempo, é difícil!

─ E você, Javier? ─ a loira mudou de assunto para não prolongar mais. Não conseguia entender por que a irmã vivia pegando mais um livro sem ter terminado o anterior. Ou anteriores, já que nos últimos dias parecia haver mais livros em sua casa do que qualquer outro objeto.

─ Vou caçar para manter os estoques de carne ─ isso explicava o motivo dele não ter ido trabalhar na construção. Monaghan poderia parecer um homem isolado que não gostava de interagir, contudo sempre estava à disposição para trabalhar pelo que a comunidade precisava, principalmente depois que deixara de ser nômade. Uma das prioridades nos tempos atuais era manter os estoques de comida, no Alto do Morro e talvez em toda a Zona-Segura. ─ Daryl também vai.

─ Ele quer tirar o seu emprego? ─ perguntou em tom de brincadeira enquanto se servia, mas Javier Monaghan pareceu não gostar muito. Para ele, ser caçador era uma coisa muito séria. Era uma arte que ele dominava desde jovem, no lugar que um dia fora um país da América do Sul. Era seu trabalho e ele definitivamente não gostava de brincadeiras relacionadas a isso.

O tom sério dele persistiu, e, por alguns instantes, a loira pensou que ele realmente se ofendera com o que ela havia dito. Porém rapidamente percebeu que a mudança repentina em sua expressão estava relacionada a outro assunto. Demorara um bom tempo para que ela aprendesse a ler o rosto de seu namorado, mas Clarke estava orgulhosa de finalmente conseguir fazê-lo e conhecer um Javier que poucos conheciam.

─ Já perdemos tempo demais aqui. Wendy, acho melhor ir logo se não quiser se atrasar ─ disse para tirar a irmã do recinto, pois aparentemente a conversa que seu namorado queria ter com ela era séria.

─ Eu nunca me atraso!

─ Ouviu a xícara: se ela disse que está atrasada, está atrasada.

─ Você confundiu de novo! É o coelho!

Melanie e Javier estavam morando juntos havia três meses. Ele se adaptara incrivelmente bem, ao contrário do que ela imaginara e temera a princípio. Wendy gostava muito do homem, talvez pelo fato de que ele passara a ser o cozinheiro oficial da casa, o que livrava a menina das comidas não tão boas preparadas pela irmã. Além disso, ela sempre tentava inseri-lo no mundo da literatura. Monaghan era um bom ouvinte, porém tinha uma memória péssima para essas coisas e um conhecimento muito limitado sobre contos infantis. Vivia trocando os clássicos, e Wendy costumava achar graça da confusão dele.

O caçador achara muito curiosa a história do nome de Wendy. Melanie lembrava-se muito bem do dia em que a nomeara. A irmã ficara uma semana sem nome; na época, a mais velha estivera preocupada demais para se lembrar de algo tão trivial quanto um nome. No dia em questão, Wendy estivera inquieta e não conseguira dormir de jeito algum. Ela tentara diversas vezes fazer a bebê dormir e, já tomada pela exaustão, começara a ler livros em voz alta. Muitos se foram até que finalmente a tarefa fosse bem-sucedida. Depois, ao folhear os livros milagrosos, ela finalmente decidira o nome: Wendy, a menina sonhadora que gostava de contar histórias.

A Clarke mais nova obedientemente deixou seu prato na pia, pegou alguns livros e saiu. Sua irmã era muito boazinha, poucas vezes a contrariava e nunca lhe faltara com respeito. Melanie tinha muito orgulho da garota que ela havia se tornado, contudo não eram raras as vezes em que se perguntava se havia dado o seu melhor na criação dela. Tentara ao máximo dar uma infância de verdade para Wendy, diferente da que tivera, mas a menina parecia ser madura demais para a idade, e isso às vezes a preocupava.

─ Você deu livros de Geografia para ela comer? ─ ele brincou. Sua irmã mais nova tinha a incrível habilidade de adquirir conhecimento dos livros em uma velocidade incrível. Já fazia algum tempo que a loirinha vinha demonstrando certo interesse pela matéria em questão.

─ Não ─ ela deu uma leve risada, porém foi totalmente sem humor. ─ Eu me preocupo com ela, acho que ela perdeu a infância de alguma forma. Já quer ser adulta e trabalhar em algum cargo importante da Zona-Segura, nem fala mais em bonecas. Posso ter errado em alguma coisa...

─ Isso não tem nada a ver com o jeito com que você a criou, Miel ─ Javier falou colocando a mão pesada suavemente em seu ombro. ─ Fez o melhor que podia e deve se orgulhar de Wendy. Ela é uma boa menina.

─ Sobre o que queria conversar? ─ perguntou a loira quando terminou de comer e começou a ajudar seu namorado a lavar a louça. Ela não gostava do assunto anterior, por mais que vez ou outra ele viesse à tona.

─ O leite de cabra acabou ─ Wendy nascera prematura e, por alguma razão que não conseguiram identificar, não podia tomar leite de vaca. O problema era que buscar comida no meio da semana era meio desagradável, embora não fosse proibido.

─ Avery me deu créditos para essa semana, enquanto eu não arranjo outro emprego.

─Você já tem algo em mente? Não precisa se preocupar muito com isso, pode usar os meus créditos para as próximas semanas, se quiser.

─ Não, Wendy é minha responsabilidade. Vou arranjar um emprego ainda essa semana.

─ Você pensou muito antes de tomar essa decisão. Lembra que queria achar um emprego de que gostasse, para ficar a vida toda? Você pode tirar um tempo para pensar. Além disso, agora Wendy também é minha responsabilidade.

─ OK... ─ ela não gostava de se sentir dependente e, alguns meses antes, teria recusado muito antes de pensar na ideia. Contudo, Melanie Clarke perdera muito tempo brigando com Javier Monaghan até aprender que era desnecessário. ─ De qualquer forma, ainda estamos no meio da semana. Em tempos normais não teríamos problemas, mas com a ameaça do racionamento...

─ Pensei que o racionamento já fosse real.

─ Oficialmente, não. Duvido que Jesus se pronuncie sobre isso com os problemas que tem.

─ Nesse caso, vamos começar a racionar aqui em casa mesmo.

─ Boa sorte com a caçada hoje. Não volte com muitas cicatrizes.

─ Você adora elas ─ ele deu um sorriso convencido e depois beijou-a nos lábios rapidamente.

Seu namorado era um excelente caçador e naturalmente conquistara seu espaço na Zona-Segura com seu trabalho. Ele nunca tivera muitos problemas andando pelas florestas da região, suas características cicatrizes eram anteriores à comunidade. Ao todo, Javier Monaghan possuía sete, quatro no rosto e três na caixa torácica, adquiridas quando ele lutara com um urso-negro pouco antes de chegar na Zona-Segura. Ele passara dezenove anos de apocalipse vagando pelos Estados Unidos, se alimentando do que conseguia caçar e parecendo mais um animal a cada dia que se passava, até ser encontrado entre a vida e a morte por uma aprendiz de Jesus.

Antes disso, nascera em um país distante chamado Bolívia. Seus pais tinham sido médicos americanos com a missão de vagar pela América do Sul ajudando os mais necessitados. Javier havia crescido no país natal, porém passara a adolescência como peregrino pela região dos Andes. Aos dezesseis anos, seus pais o levaram para conhecer os Estados Unidos, coincidindo com a época em que os mortos dominaram o mundo.

Uma das coisas mais atraentes em Javier era o fato dele ser misterioso. Contudo, depois de ter conhecido a sua história, Melanie sentira-se mais apaixonada por ele. Os dois tinham se aberto um para o outro naquela época e, mesmo que o passado antes do apocalipse não fosse mais tão importante, tinha sido bom para que se conhecessem melhor. Ela mesma não tinha um passado pré-apocalíptico, nascera no mesmo ano em que os mortos se levantaram.

A loira caminhou até a janela e ficou observando enquanto Wendy e Javier se afastavam. Melanie sempre se esforçava para encontrar algum traço da mãe na irmã, todavia parecia impossível. Se o tivesse, talvez a lembrança de Diana não fosse tão dolorosa, uma vez que sua irmãzinha seria um lembrete diário do que ela havia deixado nesse mundo. A menina devia ter as características do pai, embora Clarke não se lembrasse do homem que morrera logo no início da gravidez; na verdade, ela sequer sabia seu nome. Quanto à mãe, era impossível se esquecer de seu sorriso sincero, de seus olhos verdes e de seus cabelos dourados como o Sol.

Diana Clarke fora uma linda mulher, mas ela era velha demais. Junto com uma dúzia de pessoas, as duas tinham sido as primeiras pessoas a seguir o Rei Ezekiel. Criara a primeira filha sozinha no apocalipse, pois fora abandonada pelo namorado assim que este soubera da gravidez, e tinha sido uma ótima mãe, apesar das dificuldades. Com ela, Melanie nunca sentira necessidade de um pai e fora muito feliz com a sua vida no Reino. Diana tivera muitos relacionamentos ao longo dos anos, porém a filha nunca esperara que algum deles se tornasse algo mais sério. Aos treze anos de idade, Melanie escutara da mãe que teria um irmãozinho e, mesmo depois de mais de uma década, ela ainda se lembrava do sorriso triste que se formara nos lábios de Diana, como se ela já soubesse. Quarenta e dois anos era uma idade muito avançada para ficar grávida.

De qualquer forma, Melanie ficara tão animada que não dera muita importância ao fato. Tinha observado como a mãe se tornara mais bela e mais serena durante a gestação. Na época, a garota achara isso lindo; anos depois, já adulta, Melanie entendia que a mãe sempre soubera que não sobreviveria ao bebê. Isso explicava por que a mulher chorara ao se despedir da filha, horas antes de sentir as primeiras contrações. Diana Clarke havia morrido durante o parto, sem ter ao menos a chance de ver sua filha recém-nascida. Melanie e a bebê sem nome foram mandadas para o orfanato do Reino, onde ficaram por um mês até receberem a visita do Rei.

Ezekiel fora trazer a notícia de que um casal mostrara interesse por adotar Wendy, mas apenas ela. Na mesma noite, Melanie havia juntado as poucas coisas que tinham e saído do Reino com a irmã. As duas foram para o Alto do Morro, onde viveram sozinhas durante um curto período até que fossem descobertas. A partir daí, ficaram sob a tutela de Daniel Hall, embora Clarke sempre tivesse feito questão de cuidar da mais nova. Completara dezoito anos no mesmo ano da morte do homem, deixando Wendy sob os cuidados de Athena até retornar do serviço obrigatório, quando finalmente pudera assumir oficialmente a tutela da irmã.

Tinha sido muito difícil cumprir o papel de mãe da menina, principalmente nos primeiros anos. Mesmo muito abalada pela morte de Diana, Melanie tivera que deixar a dor de lado para cuidar de Wendy. Havia tentando dar a ela uma vida normal, embora não soubesse dizer se tinha se saído bem ou mal nesse aspecto. A irmã não parecia sentir a falta da mãe que não tivera, e talvez isso significasse alguma coisa. De qualquer forma, Clarke ainda sentia que, depois de voltar da Fortaleza, havia dado mais atenção ao trabalho do que à garota. Ela tentara ao máximo sustentar e cuidar de sua irmã mais nova, porém tinha havido horas em que ela tivera de escolher entre colocar comida na mesa ou dar a devida atenção que Wendy merecia. A escolha era fácil, e mesmo assim me sinto culpada. Por isso a vinda de Javier fora tão providencial: as tarefas da casa foram dividas e tanto ela quanto o namorado tinham tempo para passar com a garota.

Melanie terminou seu almoço, trocou de roupa e conferiu os estoques da casa antes de sair para buscar mais comida. As ruas estavam mais calmas que o de costume e, onde havia pessoas conversando, o assunto era um só: o assassinato em Alexandria. As informações que chegavam até a comunidade eram lentas e confusas, entretanto era possível juntar os pedaços e montar a história. Aparentemente, um homem havia agredido uma moça durante a feira de Alexandria pouco antes de esfaquear e matar outra mulher. Mais tarde, descobriram que se tratava de sua ex-namorada, e que o motivo do crime era vingança por ela ter terminado o namoro de um ano e meio.

A notícia mais recente era de que a outra garota ferida era Brianna Ford, protegida dos Grimes. O que só agravava o fato, já que aparentemente o assassino a confundira com seu alvo e deixara Ford inconsciente. A população aguardava por alguma medida, porém nada que saíra era oficial e as autoridades pareciam estudar o caso com muita cautela. Fazia muito tempo que não ocorria um homicídio na Zona-Segura, e esse tinha tomado proporções gigantescas. O último assassinato de que se tinha notícia ocorrera em 14 D.A., no Reino, e a pena para isso tinha sido o exílio. O homem retornara meses depois, alegando não ter o que comer, apenas para ser mandado embora novamente. Ninguém tinha dúvidas quanto ao destino dele depois disso.

Na época, ficaram muitas dúvidas a respeito da pena ideal para esse caso; como não houvera mais relatos de homicídios depois disso, o assunto tinha sido deixado de lado. Talvez tivessem acontecido outros casos depois desse, contudo nunca foram comprovados. Podia ter sido a instabilidade política do pós-guerra que gerara tantos problemas no início; com o passar dos anos, as coisas tinham se normalizado até que se parecesse com uma civilização real.

Clarke chegou rapidamente ao depósito. Era um prédio comprido e fundo com dois andares, totalmente branco e bem cuidado. Assim que chegou, a loira se deparou com diversas prateleiras com os itens mais básicos: cereais, biscoitos, algumas frutas, geleia, objetos de marcenaria, velas, sabonetes, lamparinas, tecidos, carnes defumadas... Tudo na mais perfeita ordem. No fundo do cômodo, havia uma mesa de madeira praticamente coberta por um livro enorme. Ao lado da mesa, estava uma mulher de idade que conversava com alguém. Melanie optou por esperar na porta enquanto eles não terminavam, tentando não escutar, mas já escutando.

─ Quando você vai visitar a Brianna? ─ ela perguntou. ─ Você pode pegar o que quiser, mas, por favor, não tire nada do lugar.

─ Eu ainda não tenho certeza do que quero... Não sei ao certo o que levar ─ o homem respondeu. Ao contrário da mulher, ele era jovem e alto.

─ Você precisa dos itens básicos para uma caçada. Mas você não respondeu a minha pergunta, querido. Está evitando o assunto.

─ Não estou não.

Era uma cena quase cômica. O jovem passava pelas prateleiras desorganizando tudo, enquanto a mulher baixa seguia pacientemente atrás dele arrumando a bagunça e recolhendo alguns itens. O homem usava roupas parecidas com as que Javier vestia quando ia caçar, feitas com tecido em cores que favoreciam a camuflagem na mata e botas pesadas. Melanie já o vira antes, embora não soubesse quem era. Quanto à mulher, só poderia ser Gabriela Hopper, a responsável pela administração do Alto do Morro.

─ É claro que eu vou visitá-la, mas hoje eu vou caçar. Amanhã eu passo lá.

─ Amanhã você vai conversar com o Tyreese. Brianna estava perguntando por você e eu não soube o que dizer. É o único que está aqui agora. Grace está no Reino; Hesh, em Washington. Ela precisa de alguém para lhe fazer companhia.

─ Eu sei disso. Vou assim que tiver tempo, está bem?

─ Sei... Então depois de amanhã. Vou dizer isso a ela ─ Gabriela jogou todos os objetos que pegara nos braços do jovem, voltou à sua mesa e passou os olhos no livro. ─ Isso vai dar... Vinte e três créditos. Na sua conta.

─ O quê? Mas eu nem tenho uma conta!

─ Agora você tem, acabei de fazer uma. Vai pagar tudo assim que começar a trabalhar. Lembre-se de que tem até o final da semana para isso.

─ E aquela conversa de “use o tempo que for necessário para escolher seu emprego”?

─ Pode usar o tempo que for necessário, desde pague isso até o final da semana.

─ Alguma chance de você pagar para mim?

─ Claro que não ─ só então a mulher notou a presença de Melanie do outro lado do depósito. ─ Entre. Nós já estamos terminando. Sam, vai precisar de uma mochila também. Leve por minha conta.

─ Espero não estar atrapalhando. Eu só preciso de algumas coisas, posso pegar sozinha.

─ Claro, claro ─ respondeu antes de se voltar para o homem novamente. Enquanto isso, a loira começou a buscar os alimentos de sua lista mental nas prateleiras. ─ Tome conta do seu pai, está bem?

─ Você disse a mesma coisa para ele.

─ Talvez, se um tomar conta do outro, nada de ruim aconteça.

─ Pode deixar, mãe, eu cuido dele.

O jovem saiu, deixando Melanie extremamente desconfortável por ter escutado toda a conversa. Era muito estranho ouvir o que o irmão e a mãe de sua ex-chefe estavam dizendo, ainda mais sobre um assunto que aparentava ser íntimo. Mesmo assim, ela não podia fazer muita coisa, já que os dois estavam em um local público e, querendo ou não, eram bem conhecidos na comunidade.

Gabriela Hopper era fundamental para o Alto do Morro, administrava a vida do lugar. Todos os produtos, produzidos, importados ou exportados, eram contabilizados por ela. A mulher também tinha informações sobre todas as pessoas da comunidade, sabia dos seus empregos, quantos filhos e protegidos tinham e se dividiam a guarda deles com alguém, entre outras informações, para que pudesse definir os créditos que cada um receberia no final da semana e controlar os gastos. Além disso, participara de uma missão liderada por Jesus para desativar o Posto 2 durante a Guerra Total. Sobre Sam Dixon ela não sabia muito além do óbvio: ele era filho de Daryl Dixon e Gabriela Hopper e meio-irmão de Avery Hopper.

Antes de entrar para equipe de construção, Melanie se aventurara no ramo da costura. O trabalho se resumia a aprender com as senhoras que dominavam a área e fazer a mesma coisa todos os dias: costurar roupas. Era um emprego relativamente tranquilo, apesar da resistência que Clarke tivera em aprender o ofício. Tudo havia mudado com os atritos entre as senhoras conservadoras e os jovens liberais do Alto do Morro, que resultara na debandada das primeiras para Alexandria. A costura tinha passado para o encargo de novas pessoas, que acabaram com a calmaria habitual ao estabelecer prazos e metas para a confecção das roupas. Tinha sido uma questão de tempo até que Melanie saísse do emprego.

Desempregada, a loira havia optado por entrar na equipe de construção. Não por que o trabalho braçal a agradava, e sim pelo fato de estarem precisando de mão de obra na época para construir o centro comunitário. A sua relação com a ex-chefe nunca fora além do âmbito profissional, mesmo que, de certa forma, Clarke a admirasse. Embora Hopper aparentasse ser uma pessoa extremamente sociável e fosse uma ótima líder, Melanie nunca se sentira à vontade para conversar com ela. De alguma forma, a loira sentia que Avery não dava valor à vida que tinha. No Alto do Morro, não havia muito segredo em relação à vida de pessoas como ela. Todos sabiam que a loira ficara órfã e fora adotada por Gabriela Hopper no início do apocalipse e que era namorada de Carl Grimes desde os tempos da Guerra Total. A mulher tinha tudo, e mesmo assim parecia infeliz.

Claro, Melanie Clarke não sabia dos detalhes da vida de Avery Hopper, todavia, com tudo pelo que a ex-chefe havia passado, ela deveria estar comemorando. A loira sabia que não deveria julgar, e acabava fazendo isso sem querer. Os sobreviventes deveriam celebrar a vida, e não recordar a morte. Era isso que a namorada de Javier tentava fazer todos os dias. Já fazia bastante tempo que não lamentava a morte da mãe: primeiramente, a gravidez tinha sido opção de Diana Clarke; em segundo lugar, aquilo fora necessário para que ela tivesse Wendy. Mesmo que houvesse passado bastante tempo pensando em como as coisas poderiam ter sido melhores se a mãe não tivesse morrido, Clarke não era capaz de imaginar a sua vida sem a irmã. Talvez o segredo fosse encontrar a felicidade em meio à dor e aceitar.

— ­Já terminei de pegar tudo. Eu só preciso de dois litros de leite de cabra – Melanie falou ao se aproximar da mesa de Gabriela, entregando dois galões vazios para ela.

— Claro. Vou buscar lá em cima – o segundo andar do armazém era onde ficavam os produtos que necessitavam de resfriamento ou os de menor necessidade.

Enquanto observava a mulher subir lentamente as escadas, a loira começou a fazer contas mentais para ter uma noção de quanto custaria aquilo tudo. O leite de cabra era um pouco mais caro que o de vaca, portanto era provável que isso pesasse um pouco na conta. Melanie ainda pegara outros itens básicos que sempre faltavam na casa. Depois de checar e perceber que tinha créditos suficientes para a compra, sentiu-se muito mais aliviada.

— Pronto – Gabriela disse ao depositar os mesmos dois galões já cheios de leite sobre a mesa. – Isso vai dar... quarenta e seis créditos.

— Quarenta e seis? – Clarke pensava que suas contas estavam certas, contudo Gabriela não podia ter errado. – Pensei que fosse dar quarenta.

— Sim, sim... Devo estar ficando velha, não costumava errar assim – a mulher comentou dando uma pequena risada. – Você é boa de matemática. E conhece os valores dos produtos. Será que pode me ajudar com uma encomenda para aquela família que chegou, os... – ela entregou uma caixa de madeira para Clarke e começou a caminhar no meio das prateleiras.

— Adams?

— Isso mesmo. Por que eles vieram mesmo? – enquanto falava, Hopper buscava alguns produtos e os depositava cuidadosamente na caixa.

— Por causa do assassinato – na cabeça de algumas pessoas, uma onda de crimes estava por vir na comunidade de Alexandria.

— Sempre pensei que Alexandria fosse o melhor lugar para criar os filhos.

— Concordo – a loira murmurou. Estava se sentindo incrivelmente à vontade com o diálogo.

— É mesmo? Se importa se eu perguntar por que escolheu o Alto do Morro?

— Fica mais perto – respondeu de maneira breve, porém Gabriela pareceu entender o que ficou por dizer.

— Onde eles estão morando, os Adams? – a administradora mudou de assunto.

— Em uma das casas mais novas. A 52, se não me engano, ao lado dos Flint.

— Acho que já terminamos – Hopper colocou mais um pote na caixa e fez sinal para que Melanie a seguisse. – Pode fazer as contas para mim?

A maior parte dos itens eram os básicos, como talheres e panos. Quando alguém se mudava, não levava muita coisa além das roupas, pois os móveis pertenciam à casa, não aos moradores. Gabriela colocara muitos objetos na caixa, porém em sua maioria repetidos, o que facilitava as coisas para Melanie. Ela só precisava saber os preços de cada um, fazer multiplicações e somar tudo no final.

— Sessenta e dois – era um valor alto, e a loira não sabia se os Adams já tinham um emprego. De qualquer forma, era provável que Gabriela estendesse o prazo de pagamento para que o valor fosse pago em parcelas. Aproveitou a conversa para perguntar algo que realmente necessitava de saber. – A senhora saberia dizer se tem alguma vaga de emprego livre?

— Isso sempre tem. Posso listar alguns para você – Clarke estava disposta a aceitar qualquer coisa, talvez algo temporário até que se decidisse. Estou adiando a decisão mais uma vez... ­– Estamos na época da colheita e qualquer ajuda serve; os costureiros também estão muito apertados com as roupas de inverno; um dos guardas do portão se aposentou recentemente e estão à procura de alguém para substituí-lo. Mas acho que conheço um emprego que se encaixa bastante no seu perfil.

— Qualquer trabalho seria bom nesse momento.

— Você é boa em matemática e tem um conhecimento razoável do que se passa na comunidade. Eu diria que isso é uma ótima base para começar. Há muitos anos Jesus vem treinando alguém para substituí-lo, e agora eu percebo que deveria fazer o mesmo. Você não precisa se preocupar com o pagamento, porque aprendizes recebem o mesmo que qualquer um.

— Está me chamando para ser sua aprendiz? – Melanie indagou estarrecida. Foi tudo um teste.

— É, eu me esqueci de perguntar diretamente. Então, você aceita?

— Claro que sim!

— Só tem um problema. Eu gostaria de começar o mais rápido possível, que seria agora. Você está pronta?

— Não tenho nenhum compromisso essa tarde. Adoraria começar agora.


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Notas finais do capítulo

Não acabamos no clímax!
Este capítulo não é avulso. Tanto que um dos "protagonistas" apareceu... Introduzimos assuntos que que serão abordados futuramente, então não se esqueçam!
Uma curiosidade: quando estávamos criando Born to Die, a ideia inicial era contar a história de duas irmãs (que sofreram várias alterações até se tornarem Gabriela e Avery). A história de Melanie e Wendy é meio que uma homenagem a isso, pois se encaixa exatamente nessa premissa.
O mesmo esquema de antes: certamente teremos um capítulo dia 28 (quem sabe, sabe); o próximo só sai antes disso se terminarmos o 8 antes dessa data.
Não se esqueçam de passar no Tumblr, publicamos uma arte do capítulo anterior lá.
Beijos!



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