Safe-Zone escrita por Agatha, Amélia


Capítulo 1
Dixon


Notas iniciais do capítulo

Quando finalizamos BTD, optamos por não escrever uma continuação porque não tínhamos ideias. Acontece que elas surgiram e decidimos dar esse presente aos nossos queridos leitores. Podem considerar essa fic um presente de Natal antecipado mesmo. Não sabemos quantos capítulos SZ vai ter, mas já adiantamos que essa é uma história sobre nada. Mostraremos o que aconteceu com as pessoas depois da guerra e como elas vivem nessa nova sociedade.
Alguns conceitos foram retirados da HQ e explicaremos aqui para não deixar ninguém na dúvida. A Zona-Segura é a região que compreende as quatro comunidades: Alexandria, Alto do Morro, Reino e Fortaleza. Passaram-se vinte e quatro anos desde o começo do apocalipse, e dezessete depois do fim da Guerra Total (nome dado à luta contra os Salvadores - sim, tiramos da HQ). Mais dúvidas podem surgir durante os capítulos, mas prometemos que tudo será explicado no contexto da história.
Um agradecimento especial aos leitores que nos incentivaram nesse projeto: ArturM (também conhecido como En Sabah Nur), Kaya Levesque (que criou shipps e fanarts assim que soube da ideia), Amante Adorável, Laís Pierce e Mrs Dreams. Esperamos que gostem!
Boa leitura!



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Samuel Dixon obrigou o cavalo a parar no sopé do morro, apenas para admirar os muros que se erguiam em seu topo. Palhaço relutou em frear, parecia mais ansioso que seu condutor para chegar a casa. Provavelmente sentia falta dos irmãos cavalos e dos cuidados de Grace. Passaram-se vinte e quatro meses desde a última vez que os dois estiveram no Alto do Morro, porém a comunidade continuava a mesma, pelo menos por fora. Os mesmos muros, as mesmas torres de vigia e os mesmos portões. E eu, ainda sou o mesmo? Era claro que não. Sam partira como garoto e voltava como homem, entretanto isso não era tudo.

Tudo seria diferente depois de ter passado vinte quatro meses com os Salvadores. Tivera bons momentos com seus companheiros, vivera novas experiências e compartilhara sensações que só poderia compartilhar com verdadeiros amigos, feitos que deixariam sua mãe de cabelo em pé, caso tomasse conhecimento de algo... E, mesmo com tudo isso, houvera noites em que o jovem se deitava em seu fino colchão sentindo-se solitário, como se não pertencesse àquele lugar. Malcom tinha dito que era apenas saudade de casa, e, como parecia ser uma boa explicação, Dixon tinha ignorado aquilo.

Mas não era isso que ele sentia enquanto observava o lugar onde crescera. Ele amava o Alto do Morro, sem dúvida alguma, porém, embora sentisse que deveria estar mais ansioso, não conseguia. Isso tudo tinha um motivo: Sam estava voltando para casa como Sam Dixon, filho de Daryl Dixon, o homem conhecido por toda a Zona-Segura, cujos feitos ainda eram lembrados mesmo depois de tantos anos; não voltava como Sam, o Construtor, o Vigilante, o Atirador ou o Mensageiro, nem mesmo tinha sido bom como patrulheiro. Não passava de um garoto mediano que sonhava se tornar o homem que seu pai fora um dia e queria seguir os passos de um dos maiores sobreviventes de todo o apocalipse.

Para a maioria das pessoas, não havia problema em ser comum, contudo as coisas eram diferentes para Samuel. Sendo filho de quem era, o jovem Dixon sentia a necessidade de ser algo a mais. Queria ser lembrado da mesma maneira que seu pai era e continuaria sendo, não acabar virando pó... "Do pó viemos e ao pó voltaremos", pensou aleatoriamente. Scott tinha lhe dito isso fazia muito tempo, e por algum motivo Sam se lembrou da frase, embora não soubesse o que significava.

Todos os seus familiares tinham cargos dignos de responsabilidade, mesmo que fosse algo aparentemente simples como pastorear. Brianna, com seus dezessete anos, tinha ingressado na turma de Harlan e Sarah para aprender os segredos da Medicina, segundo uma carta que recebera semanas antes, e nem sequer tinha idade para aprender um oficio; Hesh, em meio ao serviço obrigatório na Fortaleza, se destacara na defesa da Zona-Segura; e Grace... Bem, Grace tinha se sobressaído e superado todas as expectativas.

Ninguém esperara muito da doce filha de Rick Grimes, talvez por ser muito parecida com a mãe, uma médica experiente e dedicada. A maioria tinha se esquecido dos feitos de Sarah Grimes durante a Guerra Total, contudo Grace havia refrescado a memória de todos durante o seu período como recruta, mostrando toda a sua ferocidade e empenho. Não demorara muito para que a garota estivesse liderando missões importantes, até mesmo para DC. Sam ainda não havia entrado para os Salvadores nessa época, entretanto conhecia a história tanto quanto qualquer um. Malcom encarregara a jovem Grimes de liderar a perigosa ronda rumo à antiga e devastada capital, levando consigo uma dúzia de patrulheiros. Durante a missão, não houvera baixas. A festa de despedida dela foi a maior que a Fortaleza já viu e, no final, todos gritaram o nome de Grace, Dixon pensou amargamente. A festa de Samuel tinha sido apenas normal. Grace voltara para casa como uma heroína. E ele, voltava como? Nada.

O problema não era a opinião dos outros, o jovem não se importava com isso. Ele não conseguia se sentir bem sendo apenas mais um enquanto passara a vida inteira sonhando ser algo a mais. E isso não era tudo: o filho do caçador ainda estava cheio de dúvidas quanto ao futuro, sentimento que o angustiava até a alma e lhe roubara o sono nas últimas noites. Wirt tinha quinze anos, e mesmo assim já mostrava habilidade quando o assunto estava relacionado à comunicação entre as comunidades da Zona-Segura. Sam já tinha vinte anos e não sabia o que faria da vida dali em diante. Servindo como recruta na Fortaleza, ele nunca tivera que se preocupar com o dia seguinte, porém Dixon já não era um recruta, deixara de ser quando Palhaço passara pelos portões da velha fábrica. O jovem ainda se lembrava do momento em que ele e os amigos discutiam a respeito da profissão que cada um gostaria de ter. Quando chegara a sua vez, Samuel se limitara a responder que ainda não sabia, tentando esconder todo o desconforto que a perguntava lhe causara. Também havia insegurança. Ele tinha medo de agir até mesmo em tarefas que era bom em executar, sentindo medo de falhar como costumava acontecer. Wirt, em toda a sua sabedoria juvenil, lhe dissera que isso viria com o tempo. Sam apenas torcia para que esse tempo não demorasse muito.

Nesse meio tempo, enquanto passava por uma espécie de animação suspensa, que Carl e Avery saberiam descrever muito bem, seus outros companheiros se aproximaram. Sua escolta pessoal o seguia pelo simples fato de possuírem um destino em comum: o Alto do Morro. Reginald, chamado pelos amigos de Ted, o Urso, era do Reino e viera para supervisionar o carregamento dos materiais de construção e buscar alguns produtos que estavam em falta na comunidade, assim como Carol. Dixon reconhecera o homem pelo apelido, pois era seu pai quem criava a maioria deles. Caroline, a menina dos olhos de Alexandria, era apenas sete anos mais velha que Sam, no entanto fazia parte da tríade que governava a comunidade desde que Douglas Monroe, o antigo líder, morrera pacificamente enquanto dormia. Sua função era coordenar a vida cotidiana de Alexandria, porém fizera seu nome promovendo o avanço da produção de tecidos e manufaturados, além de ter ampliado os estoques de alimentos com o desenvolvimento de uma nova agricultura além da de subsistência já praticada.

Ela era uma mulher baixa e esguia, de pele negra, cabelos escuros e olhos brilhantes de um tom castanho claro. Apesar da aparência frágil, Carol Ludwig surpreendia a todos com a sua inteligência acima do normal e excelente oratória. Andava com uma faca e uma pistola expostas de cada lado do cinto, todavia era de conhecimento geral que sempre levava consigo mais armas escondidas. Mesmo assim, nada contribuía para que a mulher parecesse feroz, ao contrário de Reginald, com seu corpo peludo e quase dois metros de altura. Embora Samuel pensasse neles zombeteiramente como uma escolta, ambos tinham missões bem mais importantes que aquilo.

Eram três pessoas e quatro cavalos: Sam e Carol montavam os seus, enquanto Ted, o Urso usava dois para puxar a sua carroça lotada. O grupo possuía um passo lento, por isso só chegaram à comunidade quando o crepúsculo deu seus primeiros sinais. Bem a tempo. Não era muito seguro fazer viagens à noite, principalmente sem ter um posto para dormir. Os três iniciaram a subida e, assim que passaram pelo portão principal, cada um foi para um lugar diferente, trocando breves palavras de despedida.

Dixon foi até os estábulos para amarrar Palhaço e alimentá-lo. Logo em seguida, procurou por sua amiga de infância, apenas para constatar que o local estava vazio. O jovem não pôde deixar de se sentir aliviado por isso. Samuel queria muito ver Grace depois de tanto tempo, mas sabia que ainda não estava pronto para encará-la. Grimes era a criadora de cavalos do Alto do Morro: amansava, treinava e cuidava de todos os equinos da comunidade, embora pudesse ser muito mais que isso. Ela optara por ser apenas a criadora de cavalos, enquanto poderia estar entre os líderes da Zona-Segura. E eu, bem... Inveja parecia uma palavra muito forte, que o deixava com um gosto amargo na boca, contudo não havia outra forma de descrever o que Sam sentia.

Ele não sabia se tinha inveja pela grandiosidade que a jovem atingira na Fortaleza, pelo fato dela ter se limitado a uma profissão tão simples ou pela certeza que a amiga sempre tivera quanto ao ofício que queria. Sabia que era totalmente errado pensar dessa forma, já que a culpa não pertencia a ninguém, exceto a Samuel e à sua falta de capacidade.

Deixou os estábulos, Palhaço e seus pensamentos conflitantes para trás, por mais que o cavalo não gostasse disso, relinchando e ameaçando dar coices. Isso era típico dele, ora relinchando, ora escoiceando, ora sorrindo, ora fazendo ambos. Por incrível que parecesse para Sam, o animal sorria como se estivesse rindo de tudo à sua volta. A vida humana parece ser uma grande piada para um cavalo. E foram essas características que levaram Daryl Dixon a batizar o grande garanhão negro de Palhaço, embora seu filho não soubesse o que era um palhaço.

A área central do Alto do Morro estava mais vazia que o normal. Era costume dos moradores da comunidade fazer reuniões noturnas no local, embora dessa vez não houvesse uma alma viva por aquelas bandas. Podem estar preparando algo para mim, o jovem pensou presunçosamente. Naquele momento, voltar para casa não lhe pareceu algo tão ruim assim. Sam continuou caminhando pelas terras que conhecia tão bem enquanto procurava algum sinal que confirmasse a sua suspeita, mas tudo o que conseguiu encontrar foi um enorme vazio.

E uma mulher que colhia maçãs.

A árvore, que possuía aproximadamente três metros, estava repleta de frutos vermelhos cor de sangue, cada um com aparência melhor que o outro. Dixon não sabia a idade da macieira, mas o cuidado que recebia da dona era visível. Reconhecer aquela senhora, mesmo de costas, era fácil como respirar. Ela possuía um porte ereto e orgulhoso, demonstrando a dignidade de uma mulher de cinquenta e nove anos. Seus cabelos prateados estavam presos em um coque muito bem feito, como costumavam ficar.

— Senhora Dixon? – Samuel sorriu antes mesmo de ver o rosto contrariado dela. Assim como Avery e Daryl, o jovem crescera tendo apreço por irritar a mãe.

— Pois não? – mesmo irritada, Gabriela foi capaz de responder com toda a cortesia antes de se virar e encarar o filho. – Samuel! Você não acha que está velho demais para essas brincadeiras?

— Olá, mãe! Também senti terrivelmente a sua falta!

— Claro que sim! Foram dois anos... – Hopper abriu os braços para abraçá-lo e aninhou a cabeça no peito do filho, da mesma forma que fizera no dia da despedida. – Há quanto tempo não corta o cabelo? – questionou correndo os dedos pelos fios castanhos do filho. – Vocês não têm navalha lá? Vai cortar essa coisa horrível e áspera ainda hoje.

— Mas eu gosto dela – Samuel retrucou tocando a coisa horrível e áspera. Tinha decidido deixar a barba crescer fazia alguns meses, simplesmente porque lhe dava um ar mais maduro. Porém, tratando-se de Gabriela Hopper, aquela era a reação esperada.

— Pois está horrível – o jovem suspirou e tentou roubar uma maçã do cesto da mãe. Assim que tocou a fruta, a mulher deu um leve tapa em sua mão, contudo não conseguiu impedi-lo.

— O que foi? – indagou dando uma grande mordida na maçã com o gosto da sua infância.

— Estou fazendo uma torta para Mika, estão todos na casa dela.

— Pensei que fosse para mim...

— Desculpe, querido, mas eu não sabia que estava vindo. Devia ter mandado uma mensagem! – a verdade era que Sam havia enviado uma carta e estava surpreso em saber que não chegara. Esse correio está ficando muito obsoleto... Ele sorriu para mostrar que estava tudo bem, uma pequena mentira, e a mãe sorriu de volta. Dixon adorava quando ela sorria e seus olhos brilhavam, porque isso deixava Gabriela mais bonita.

— Agora me diz, que milagre a Mika fez para desenterrar a velha receita da torta de maçã?

— Ela está grávida – Samuel sabia que sua mãe era do tipo direta, entretanto não esperava que aquela fosse a resposta. Na verdade, Scott e ela demoraram tempo demais... Afinal, era esse o motivo de terem iniciado a campanha de natalidade no Alto do Morro. –Eles estão fazendo um jantar para comemorar, de última hora. Quando Rick e os outros voltarem, faremos uma festa de verdade para todos vocês.

— Não se preocupe com isso. Onde estão o pai e a Ave?

— Avery deve voltar hoje com o caminhão. Ela vai ficar histérica com essas notícias... Seu pai está na garagem, como sempre. Ele vai ficar muito feliz em vê-lo.

A visão de seu bom e velho pai seria muito bem-vinda naquele momento, no entanto o sentimento que o atingiu no momento em que viu Daryl não foi o esperado. Sam tentou disfarçar o susto enquanto dava um forte abraço no homem, feliz em tê-lo por perto novamente. Por mais que tentasse afastar pensamentos ruins da cabeça, não pôde deixar de prestar atenção no pai enquanto ele pegava uma cerveja. O Dixon mais velho estava muito diferente: tinha a postura encurvada, os cabelos totalmente grisalhos quase tocando os ombros e um semblante derrotado. O pior de tudo era que seu pai parecia ter se conformado com essa posição e isso era algo que Samuel não podia aceitar. Ele deveria ter sessenta anos e estar saudável com a vida que levava, assim como o deixara havia dois anos, mas não estava.

— Mãe – chamou caminhando em direção ao balcão da cozinha pequena, assim como quase todos os cômodos da casa. Tudo fora claustrofóbico demais em sua infância e a sensação não parecia ter mudado. Talvez fosse pedir demais por espaço na época posterior à Guerra Total, com todos trabalhando para que o sistema de permutas funcionasse. – Quando foi que o pai ficou tão velho e cansado? Antes ele passava o dia inteiro fora da comunidade caçando, e agora parece que ele passa o dia todo enfurnado naquele buraco quase sem luz que vocês chamam de garagem.

— Por opção dele. Tento deixar tudo arrumado e limpo, mas você sabe, ele não gosta que mexam nas coisas dele. Se fosse ao menos organizado...

— Está me dizendo que ele desistiu de caçar do nada? – aquilo não podia ser verdade. Caçar fazia parte da natureza de Daryl Dixon, e seu filho não podia acreditar que ele abandonara isso.

— Não, eu o proibi. É perigoso demais que ele saia, não vou nem dizer o que aconteceu da última vez... Ele está velho demais para se comportar como um garoto.

As coisas começaram a fazer sentido, porém não pareciam reais. Estava claro que o envelhecimento repentino de Daryl se devia à falta de liberdade e, mesmo assim... Sam estava confuso com tantos sentimentos surgindo ao mesmo tempo. Tinha pena do pai, horror por sentir pena de uma pessoa que um dia fora um grande homem e raiva de sua mãe por ter arquitetado isso tudo. Ela tinha construído aquela prisão e aquilo transformara seu pai. Por mais que ele pudesse sair, nunca mais seria como antes se não houvesse mais caça.

— Você tirou a alegria dele para que ele ficasse seguro? – era uma pergunta retórica, pois Dixon sabia que aquilo era verdade, não precisava de uma resposta.

— Sim – Gabriela admitiu, deixando o filho cada vez mais indignado. Ele não entendia como a mãe poderia ter feito uma coisa dessas. De que adiantava viver se não pudesse fazer o que mais amava? Bem, para sua mãe parecia fazer todo o sentido do mundo. – Não vamos discutir sobre isso. A decisão já foi tomada há muito tempo.

— Meu pai está infeliz! Ele parece dez anos mais velho, você não consegue ver isso? Ele pode ser velho, mas não é um inválido.

— Samuel, você não sabe o que aconteceu da última vez, não viu como Daryl estava – o tom de Gabriela foi mais hostil dessa vez.

— Finalmente aprenderam a fazer cerveja de verdade – a voz do ex-caçador freou a discussão, fazendo com que mãe e filho se voltassem para ele. Sam sorriu, preferindo fingir que aquela conversa nunca tinha existido. A situação já era ruim demais para ser discutida na frente do pai.

Nem sempre as coisas foram boas na Zona-Segura. As colheitas demoraram anos para se aperfeiçoar, assim como a maioria dos serviços. O Alto do Morro estava em seu ápice, com todos os setores evoluindo conforme o esperado pelos líderes. As pessoas mais velhas costumavam comentar que a vida estava ficando cada vez mais parecida com a que levaram antes da praga. Não que ele soubesse como foram esses tempos... No fundo, seus pais sempre souberam que nunca seria como antes, marcas de guerra eram difíceis de esquecer.

— Eles realmente melhoraram – comentou depois de um longo gole da cerveja escura, fazendo sua mãe lançar-lhe uma careta de reprovação. – Mika e Scott vão ter um bebê, aprenderam a fazer uma cerveja decente... O que mais eu perdi?

— Estão construindo um centro comunitário que, segundo Rick, fica bem no centro das comunidades. Jesus quer escolher novos discípulos e Ezekiel está procurando um sucessor. Nada que diga respeito a nós, mortais – Daryl respondeu casualmente.

— Querido, já escolheu com o que vai trabalhar? – sua mãe perguntou enquanto ia até a cozinha. Sam não gostou da pergunta porque não gostava da resposta. Diria a verdade ou inventaria uma mentira deslavada? Uma mentira o deixaria sem saída, mas... Eram seus pais e um “não sei” ou “não sirvo para nada”, sem sombra de dúvida, iria decepcioná-los e iniciar uma longa conversa sobre autoestima e amadurecimento. Preciso de uma boa resposta.

— Quero ter um pouco de folga e depois decido isso. Talvez um ou dois dias.

— Ave e seu pai estavam fazendo apostas quanto ao seu futuro – ela comentou alegre. – Ela está certa de que vai ganhar.

— O que eles apostaram?

— Uma garrafa de vinho antigo – as cervejas novas podiam não ser tão boas, porém a vinho de antes era a melhor bebida que existia.

— Interessante... Se eu desapontar vocês posso ficar com o prêmio?

— Provavelmente nenhum dos dois vai ganhar. Duvido que vá se tornar um Salvador, é perigoso demais... – a mãe não conseguiu terminar a frase.

— E se fosse? Você iria me proibir, que nem fez com o pai? – Samuel não esperara dizer aquilo, contudo a atitude de Hopper em relação a Daryl não tinha saído de sua cabeça. As palavras saíram involuntariamente de sua boca, e já não tinha mais volta.

— Samuel Dixon, isso é jeito de falar com a sua mãe? – quando ouviu seu pai dizendo isso, Sam ficou chocado demais para responder. Apenas encarou Dixon, perguntando-se o que teria acontecido nos dois últimos anos para mudá-lo tanto. O pai que conhecia teria lutado, nunca teria aceitado aquela proibição.

— Você está defendendo ela? A mãe está te controlando como se fosse um boneco, e você está deixando! Nem adianta dizer que ela tem razão, porque eu sei que você ama caçar.

— Eu não gosto disso tanto quanto você, mas é necessário. Eu não tenho mais trinta anos – o ex-caçador explicou com um tom cansado. Parecia um pouco decepcionado com a atitude do filho, o que fez Sam questionar a sua atitude. Passara vinte e quatro meses longe dos pais, não deveria estar brigando. E, mesmo assim...

— Ser velho não restringe sua vida à garagem. Você está preso aqui e a culpa é dela.

— Filho, eu não estaria aqui se não quisesse. Gosto de ficar lá com as motos, não há problema nenhum nisso. A culpa pode ser da sua mãe, mas é minha também. Nós tomamos essa decisão juntos – só então o jovem foi capaz de enxergar seu antigo pai, resoluto como sempre. – Agora vá e peça desculpas para a sua mãe.

Samuel obedeceu ao pai indo até a cozinha, embora ainda se sentisse um pouco mal depois dessa conversa. Não gostava da situação que seu pai se encontrava, mas as coisas haviam mudado e sua mãe parecia ser menos culpada naquele momento. Gabriela parecia muito absorta preparando sua torta de maçã, embora o filho soubesse que ela havia escutado toda a conversa e que não deveria estar se sentindo tão bem com as palavras de seu filho.

— Pode ir embora, eu estou bem. Só quero terminar essa torta antes que escureça.

— Você sempre nos ensinou que o nosso tempo aqui era curto e que tínhamos que aproveitar a vida enquanto podíamos. E agora você vem com esse protecionismo... Vamos morrer, não vamos? Quero viver enquanto posso. Você fez isso, o pai fez isso, Ave faz isso.

— Você deve viver, mas arriscar a sua vida é muito diferente de viver. Toda vez que um de vocês sai pelos portões, eu fico aqui, sofrendo sem poder fazer nada. Temos segurança, conquistamos nossa segurança, e vocês ficam abdicando dela fazendo missões quase suicidas. Posso ser egoísta, mas não quero mais chorar pelos mortos enquanto não pude fazer nada, estou cansada disso.

Era muito raro alguém encontrar mortos-vivos dentro da Zona-Segura, e esse era o perigo. As pessoas confiavam tanto na segurança do local que tinham perdido o costume de viajar armadas. De qualquer forma, os errantes nunca foram o único perigo. Havia doenças e acidentes por toda a parte, a morte podia vir de qualquer forma. O número de mortes no parto era cada vez maior, uma vez ou outra alguém da equipe de construção morria por falta de segurança, recentemente uma epidemia no Reino levara aproximadamente cinquenta pessoas, havia relatos de patrulheiros que se perderam fora da Zona-Segura e nunca mais foram vistos, isso sem contar com as mortes estúpidas, como o homem que caíra do muro do Alto do Morro e quebrara o pescoço havia quatro anos. Samuel entendeu a preocupação de sua mãe e percebeu que não podia culpá-la por querer manter todos que amava a salvo.

— Não está com raiva de mim?

— Vou pensar nisso como um pedido de desculpas. Está tudo bem agora, querido. Sei que eu me preocupo demais com vocês e que isso deve ser meio chato às vezes...

— Mãe, a culpa não é sua. Eu não devia ter dito aquilo – Dixon encerrou o assunto e foi até a porta dos fundos. – Vou sair um pouco.

— Sair? Mas você acabou de chegar.

— Eu tenho uma profissão para escolher.

— Tudo bem, apenas não demore. Filho, não se influencie pelo que eu falei, essa escolha é sua.

Assim que se afastou o suficiente da casa, Sam tirou um cigarro do bolso e o acendeu com seu isqueiro. Os cigarros foram “herança” de Rose, enquanto o isqueiro tinha sido obtido em uma aposta com a mulher. Ele tinha em mente que em hipótese alguma poderia fumar perto da mãe, caso contrário seria um homem morto. Sabia que seu pai fora um fumante havia muitos anos, porém Daryl tinha parado com o tabagismo depois do nascimento do filho. Apesar disso, fora Rose Banner a responsável por introduzi-lo aos cigarros.

A Fortaleza sempre era a última comunidade a ser abastecida, pelo fato de ser a mais afastada das quatro. Por esse motivo, os Salvadores tinham estoques de todos os produtos, para evitar que os patrulheiros passassem fome. Os recrutas não tinham autorização para armazenar estoques pessoais, isso era ilegal. Apesar disso, muitas “coisas ilegais” para outras comunidades aconteciam na Fortaleza. Aquele era o único lugar da Zona-Segura em que as apostas não eram reprimidas, tiros podiam ser disparados livremente e patrulheiros podiam sair dos limites da Zona-Segura, desde que tivessem autorização do líder. Apesar de tudo, Samuel sentiria saudades do local. Tinha boas lembranças da comunidade, principalmente do dia em que dormira com uma garota pela primeira vez.

Sam tinha muito a fazer no Alto do Morro. Precisava urgentemente ver sua irmã Avery, Brianna e Grace. Já sentia terrivelmente a falta de Hesh, Wirt e do clima único da Fortaleza. Dias antes, ele tinha pensado que voltar para casa o ajudaria a tomar uma decisão, contudo Dixon acabou percebendo que aquilo não tinha ajudado em nada. Tudo que tinha no momento eram várias opções e nenhuma resposta. Havia dezenas de ofícios possíveis em quatro comunidades diferentes, enquanto o jovem não fazia ideia de qual era a sua vocação. Apesar disso, Samuel se sentia feliz por estar no Alto do Morro de novo.


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Notas finais do capítulo

Em nosso tumblr pessoal temos postagens especiais sobre alguns dos personagens principais que já apareceram em BTD. Futuramente faremos outras atualizações com novos personagens, então não deixem de conferir! Vejam nossas postagens e, se possível, ouçam a primeira música!http://a-fronteira-final.tumblr.com/Esperamos que tenham gostado do capítulo! Deixem opiniões, dúvidas, críticas e sugestões nos comentários, adoraremos respondê-los!Até mais!