Carona de trenó escrita por Milk


Capítulo 1
24


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde!
Fiquem com este conto de véspera da véspera do natal!
Espero que gostem!



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Era o segundo natal irrelevante na minha vida. Na verdade, contando durante minha vida inteira, era o quinto. No primeiro fui expulsa de casa, no segundo estava rancorosa e me isolei pelas ruas de São Paulo, no terceiro eu estava me recuperando de um luto, no quarto estava me recuperando de um rompimento, no quinto eu estava me perguntando que merda eu estava fazendo da minha vida cozinhando uma ceia para comer sozinha.
Era algo muito triste.
O natal estava uma droga, não é uma droga. As luzes são encantadoras. Ah, as luzes! Sempre fui como uma mosca idiota apaixonada pelo brilho. Tão apaixonada que a árvore de natal fica no canto da sala-cozinha o ano todo, os pisca-piscas azuis e brancos ficam presos nas paredes do quarto com durex. Nem acredito muito que Jesus tenha nascido dia 25 de Dezembro, isso não é muito relevante, e também não importa mais o que é ou não importante no natal já que hoje ele serve mais pra alavancar a economia do que para celebrar o nascimento do messias.
Assim que fechei as notas das minhas turmas de inglês do ensino médio, saí de férias com um cronograma montado. Depois de pular mais de 7 itens por preguiça, desisti do planejamento de férias, quase desisti da vida. Então, em mais um dia de ócio, vejo um comercial natalino, a marca vendia um delicioso peru, suculento, rosinha, dourado por fora, com batatas cozidas ao redor e uma garrafa de vinho.
Resolvi fazer uma ceia.
Comprei tudo, adiantei o banquete na quarta-feira e no dia 24 terminei. Que banquete! Fiz tudo o que tinha vontade de comer, decorei os pratos, arrumei a mesinha de centro da sala, vesti minha roupa nova, passei até maquiagem e tirei foto para o Instagram e para o Facebook. Sentei no sofá, me servi, mastiguei, engoli, bebi um gole do vinho. Eu podia escutar o relógio trabalhar e os vizinhos de kitnet fazerem bagunça. E eu estava sozinha apreciando a ceia que eu mesma preparei para mim. Sozinha.
Não comi mais. Tirei o salto alto e me encolhi no sofá, repassando os últimos anos da minha vida, minha vitória e meu fracasso. Chorei um pouco, pouco mesmo. Contei três lágrimas escorrendo. Não era possível medir o que secou dentro dos olhos. Lembrei de um livro, desses de banca de jornal, super sensual e envolvente, resolvi ir atrás.
Eu já sabia que o sebo e as bancas de jornais estavam fechadas, mas eu era teimosa, impulsiva e não ficaria feliz enquanto não lesse aquele livro naquela mesma noite. Eu precisava.
Caí novamente na Paulista, relembrei outro natal que passei na avenida quase vazia, bêbada com uma música dos Strokes estalando os tímpanos. Eu já namorava o Sasuke, contudo não tínhamos muito apego e intimidade ainda para dividir o natal.
Em 2015, as luzes pareciam brilhar menos do que nos anos anteriores, tão pouco encantadoras que preferi as de casa.
Sebo fechado. Sexta banca de jornal fechada. Na Paulista, na Augusta, na Brig. Faria Lima, na Consolação, na República. Andei demais. Demais. Comprei duas cervejas numa conveniência e apanhei um táxi de volta a Paulista.
Sentei na escadaria da Gazeta. Recusei as ofertas de companhias de bêbados. Fiquei refletindo sobre diversas coisa, o quanto eu adorava minha solidão e o quanto ela as vezes me sufocava. Quando foi minha última risada de doer a barriga? Foi quando Sasuke e eu assistimos Adventure Time num domingo em casa. Eu sentia falta daquele domingo, de assistir cartoons, comer besteira, transar do nada. Sentia falta... Tanta falta.
- Psiu!
Saí do meu devaneio.
- Psiu!
Que merda!, pensei, será mais um idiota enchendo meu saco?
- Hey! - aquela voz... - Essa cerveja está ficando quente.
Olhei para trás. Era ele.
- Sasuke? - Ele estava uns muitos degraus acima de mim, com um saco de batata assada na mão. Sorriu de lado, galanteador, levantou-se e sentou-se ao meu lado.
- O que faz aqui? - Deu os ombros - Você passa o natal em família...
- Passava - corrigiu - Quer batata? - peguei um pouco, estava muito salgada. Tomei toda a minha cerveja para poupar minha língua.
- Essa aqui tem dono? - deu um peteleco no vidro.
- Não, pode tomar.
Sasuke abriu com o dente e deu um generoso gole. Fiquei o observando... Parecia miragem. Por que ele estava ali justo no momento em que eu lamentava nosso término e admitia a saudade que ele fazia?
- Vai ficar aqui a noite toda?
- Bem, eu...
- Onde você está morando? Você cortou completamente contato comigo e com os nossos amigos em comum. Não precisava disso.
- Precisava garantir que você não me achasse.
- Por quê?
- Porque me deixaria pior do que eu já estava - o fitei.
- Eu queria resolver as coisas.
- Resolver, para mim, seria você mudar, e você não iria mudar, você nem deveria mudar por uma garota - ri sem graça - Por saber que você voltaria, resolvi sumir e pretendo manter as coisas assim.
- Vai fazer dois anos, Sakura.
- Para mim, não passou um dia.
O silêncio que tomou conta foi avassalador. Reprimi todas as lágrimas que quiseram aparecer e Sasuke ficou lendo o rótulo da cerveja. Também estava pensativo.
- Ano passado você não esteve aqui, esteve? - perguntou de súbito.
- Não, por quê?
- Eu te procurei... - disse sorrindo - não passei com a minha família.
Eu não tive o que responder.
- Agora que sei que está bem, eu vou voltar para eles - Levantou-se - Meu número continua sendo o mesmo, caso não tenha apagado.
Não, eu não tinha apagado.
- Espero revê-la, Sakura - assenti. Eu não conseguia falar. O vi pelas costas, se afastando. Iria perde-lo de novo.
- SASUKE!
Ele olhou para trás, confuso. Fui até ele, parei a dois passos de distância.
- Higienópolis, rua da padaria Boulevard, prédio 154, apartamento 25.
Ele sorriu, diminuiu a distância e me beijou. Ele me beijou. Ele me beijou, aquele beijo tão familiar, e eu só conseguia chorar de felicidade, alegria, medo, mágoa, saudade. Um turbilhão de sentimentos. Eu só consegui chorar e ele rir.
- Se continuar chorando, as pessoas vão ligar para a polícia - ri secando as lágrimas com a costa das mãos.
- Quero água, mas estou sem dinheiro.
- Eu também - passou a mão nos bolsos.
Nos entreolhamos. Parecia desculpa esfarrapada para um levar o outro para casa e fazerem sexo, mas eu realmente precisava de um copo d'água depois daquela batata.
- Minha casa não fica longe.
- Você quer que eu acompanhe ou vai sozinha? - perguntou sem jeito, não era uma situação muito clara - Vou perder minha carona de trenó, decide! - me zombou.
- Vem.
Sasuke só esperou eu saciar minha cede de água para saciar minha cede carnal. Não eram dois corpos se tocando, eram dois corpos se completando, se reencontrando.
Eu entendi porque o dono do sebo e das livrarias baixaram as portas. Eles queriam aproveitar a magia do natal para unirem-se a sua outra metade, e sem querer, ajudaram-me a me juntar com a minha.
Não preciso mais mais pisca-pisca ligado o ano inteiro para iluminar minha vida. Tudo o que eu precisava eu tinha em uma pessoa só.


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Notas finais do capítulo

Feliz natal!



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