Lapso Paradoxal escrita por Kamihate


Capítulo 9
Capítulo 09 - Presos




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Qualquer pessoa comum, naquela situação desesperadora já entraria em pânico e aflita, qualquer pessoa que estivesse encarando um inimigo com poderes inimagináveis iria tremer e recuar, mas no meu caso, eu esbanjei um sorriso de orelha a orelha, afinal, aquilo era real! Só por saber que Vitor podia mesmo ser salvo, meu coração voltou a se aquecer com o calor daquela triste realidade que fazia me sentir bem. O quão podre me tornei? Eu estava levando meus dois melhores amigos nesse jogo de carnificina insano e surreal, mas agora, já não havia mais volta.

— Porra! Então ele tá aqui nesse ônibus? Nós devíamos ter visto essas merdas de poderes calmamente, analisado um por um. – Marco tinha razão, o que deveríamos ter feito era analisar tudo que eu escrevi, de antemão, para prevermos quaisquer surpresas, mas agora que fomos ‘presos’, não haviam alternativas se não lutar até a morte, mais uma vez.

— Se acalmem, essa situação parece bem mais fácil do que a anterior. O único problema é apenas sair dessa ‘gaiola’. Pelo que está escrito aí, do que ‘ele’ te falou, esse portador só pode fazer isso uma vez, ou seja, será sua única jogada, ele nos prendeu em um loop e vai tentar te matar, Nai, mas somos três, e ele é um. Não tem como perdermos dessa vez, só precisamos descobrir quem ele é antes. Contei 18 passageiros nesse ônibus contando com o motorista, excluindo nós três, há 15 suspeitos no total, isso pode parecer um número grande, mas a maioria aqui não se conhece, são raras exceções de pessoas viajando juntos, diferente de nós, que somos três, mesmo que o portador tenha algum cúmplice, duvido que seja mais do que um! Já passamos por aquela placa mais de 5 vezes, as pessoas estão começando a estranhar a demora, provavelmente nenhuma delas percebeu que estamos dando voltas no mesmo lugar. – Heitor como sempre agia de maneira fria e cuidadosa, ele era uma grande arma ao meu lado, agradeci por tê-lo conhecido, apesar de saber que ele já se encontra bem mais empolgado do que nunca.

— Eu vou fazer o motorista parar o ônibus, o portador já sabe quem eu sou, se não, ele não teria feito isso. Ele está esperando uma brecha pra me pegar, não tem porque me esconder. – Antes de pensar em mais alguma coisa, me levantei do banco e falei em voz alta para que todos pudessem ouvir. – Pessoal! Vocês não repararam em algo? Já éramos pra ter chegado em Minas a mais de 30 minutos! Eu olhei pra fora e percebi que passamos pelo mesmo lugar mais de cinco vezes! – Falei isso meio que sem pensar, as pessoas do ônibus olharam pra trás e me fitaram, todas, sem exceção, eu pensei que o portador não fosse olhar, mas ele parece ser esperto o suficiente para perceber que já sei da presença dele ali.

— O quê? Tá brincando né? – Um senhor de aparentemente 70 anos ficou espantado com o que ouvira, um rapaz por volta dos 30 anos se levantou, percebi que ele também havia notado.

— Eu to vendo isso faz tempo! Será que o motorista tá perdido ou andando em círculos? – Eu não podia dizer a verdade naquele momento, eu seria uma presa ainda mais vulnerável, e duvido que alguém acreditaria, mas eu precisava da colaboração de todos pra achar o portador, por enquanto eu ainda não tinha nada em mente, mas precisava, inicialmente, analisar um por um ali. Comecei a olhar para todos de relance, eram 14 pessoas fora o motorista, 7 mulheres e 7 homens, dentre essas mulheres, uma criança de aproximadamente 10 anos, ela eu já meio que descartei de cara, duas senhoras de idade que também descartei, mas não completamente, e 4 mulheres com idades entre os 20 e 40, essas eu não tinha como descartar, e dentre os homens, havia apenas um idoso, o que havia se espantado, o restante parecia ser bem jovem, com menos de 40 anos, dentre os passageiros, percebi que dois dos homens viajavam juntos, além do casal de senhores, o velhinho e a senhora mais gorda, eu acho que eles poderiam ser descartados, até por estarem juntos, então sendo assim, descarto 4 das 15 pessoas, sobrando 11 pessoas para suspeitar, eu não consigo imaginar a possibilidade de pessoas com mais de 60 anos serem portadores, as chances são baixas demais, então decidi arriscar e descartas as pessoas de idade, assim como a menina mais nova, ela parecia viajar com uma das mulheres com idade entre 40 anos, mas não dava pra saber se era sua mãe ou não.

— Naiara, espera! – Marco cochichou em meu ouvido e me fez virar rapidamente para trás. – O motorista está a mais de meia hora passando pelo mesmo lugar e não falou nada nem parou o ônibus? Não acha suspeito? – Marco falou baixo para que ninguém pudesse ouvir, mas nesse ponto, uma das mulheres de 20 a 40 anos, com cabelos negros e um olhar penetrante e decidido se levantou e caminhou na direção do motorista.

— Ô motorista, dá pra parar o ônibus? Não tá vendo que estamos andando em círculos! – Queria eu que estivéssemos mesmo andando em círculos.

— Eu tenho um compromisso, que isso! – Um dos homens foi o próximo a se levantar, era um rapaz musculoso e bem vestido, parecia ter por volta dos 25 a 30 anos, ele estava bem irritado.

Com as reclamações, o motorista parou o ônibus e foi até o corredor do ônibus se proclamar.

— Pessoal, vocês podem acreditar ou não, mas... eu não sei o que está acontecendo! – Ele claramente estava pálido e assustado, aquilo me fez pensar que ele não parecia tão suspeito, mas eu não poderia baixar minha guarda.

— Oi? Como assim? Tá maluco cara? Tá tirando? – Foi a vez de outro homem se levantar, um dos dois que viajava juntos, ele tinha a pele morena e usava um boné virado pra trás, o outro ao seu lado estava vestido quase igual, mas era branco e um pouco mais velho que este.

— Eu sempre passo por essa rota! Todos os dias, não estou enganado e nem me perdi, acontece que passei mais de sete vezes do mesmo lugar, não sei o que tá acontecendo, parece coisa de filme! – Naquele momento ouvi o burburinho dentro do ônibus, queria logo contar para todos ali o que estava acontecendo, mas não podia.

— Não é coisa de filme, é real, eu percebi isso faz tempo, não estamos andando em círculos, estamos em algo sobrenatural. – Heitor se pronunciou, fiquei espantada com isso, ele não era de se intrometer, ainda mais publicamente e dessa forma.

— Tá louco fi? Eu quero chegar na porra da cidade! – O outro rapaz ao lado do rapaz moreno em pé se levantou, os dois olhavam para o motorista inquietamente.

— E pra acabar, não tá dando área o celular! Parece coisa de filme mesmo, o de alguém tá? – A mulher que estava do lado da criança olhava para o seu celular e o movimentava para cima e para baixo, na tentativa de conseguir algum sinal. Peguei meu celular imediatamente e percebi que não havia mesmo área, assim como de todos naquele ônibus. É claro que se estávamos dentro de uma ‘gaiola’ criada pelo portador, não tem como ter sinal de telefone.

— Fiquem calmos, por favor! Eu vou estacionar o ônibus em um acostamento seguro e sair a procura de ajuda, ou ao menos tentar fazer o celular pegar, eu não sei mesmo o que tá acontecendo! – O motorista parecia mais calmo, mas eu percebi suas pupilas dilatadas, ele tremia e queria fugir, queria não ter a responsabilidade daquela situação. Mas ele poderia ser também o portador, todos ali podiam, comecei a suspeitar até na garotinha que se mantinha séria e calada diante dessa situação.

— Que insano, meu Deus! – O rapaz careca que se sentava no primeiro banco do lado esquerdo foi junto com o motorista na parte da frente, segundos depois, o motorista parou o ônibus em um acostamento e todos saíram para fora. O sol estava quase se pondo, eram 18:10 no horário de verão, aposto que o portador só estava esperando anoitecer para agir.

— Nai, o que fará? – Heitor sorria enquanto observava todas aquelas pessoas desesperadas, o motorista, por sua vez, foi junto do homem careca que estava no primeiro banco, tentar procurar sinal para o celular.

— Eu no momento tenho alguns suspeitos. Das quinze pessoas, acredito que todos os três idosos e a criança não tem condições de ser um portador, não é algo que descarto completamente, mas precisamos eliminar algumas pessoas pra ficar mais fácil, eu andei observando todo mundo, aqueles dois ‘vida louca’ também não tem cara de alguém que pode ser o portador, assim como a mãe da menina que parece alguém bem conservadora, sendo assim, restam oito pessoas. O careca que saiu com o motorista é alguém suspeito, o motorista também me pareceu estranho, quanto aos outros preciso analisar melhor. – Antes que pudesse comentar mais alguma coisa com Heitor, o rapaz musculoso e bem vestido veio até o meu lado repentinamente, aquilo me assustou.

— Obrigado por ter tomado a iniciativa. Eu tinha percebido que havia algo de errado, mas se não fosse você, acho que não iríamos parar! – O rapaz era bem alto, perto de mim, podia notar ainda melhor, ele não parecia ter nem 30 anos, vestia uma roupa social, seus cabelos arrepiados para trás tiravam um pouco do seu ar de ‘importante’.

— Eu apenas fiz o que devia ser feito... – Encarei o rapaz com estranheza, naquele momento desconfiava de todos, era normal me esquivar, Marco encarava ele com certo desdém.

— Eu sou Carlos, muito prazer. – Ele estendeu a mão para me cumprimentar, e fez isso com Heitor e Marco. – Vocês estão indo pra BH também?

— Estamos sim, acompanhando a Naiara aqui, aliás, eu sou Heitor, ele é o Marco. O que você acha que tá acontecendo? – Eu não sabia qual era a intenção de Heitor fazendo essa pergunta, será que ele desconfiava de Carlos?

— Eu não faço ideia cara, isso é sinistro! Espero que tenhamos nos perdido mesmo, acho que é o mais provável.

— Perceberam que não passa nenhum carro nessa rodovia? E estamos a mais de 15 minutos aqui, não é estranho? – Uma das mulheres se aproximou de nosso grupo, ela era uma mulher alta, seus cabelos loiros mel bem compridos davam um ar de sensualidade para a mesma, ela estava com um vestido casual, não parecia viajar a negócios.

— Não é só isso não... eu viajo sempre pra Minas, pego esse mesmo ônibus, alguém de vocês já fez esse percurso? – Um dos outros homens também se juntou ao nosso grupo, era um rapaz de óculos com cabelos negros bem ralos e com poucos fios, ele parecia ter por volta dos 35 anos e um ar de deprimência estampado em sua face.

— Nós já fizemos, meu irmão mora lá. – A senhora, acompanhada do seu esposo que parecia ter quase a mesma idade dela, também se aproximou, e quando menos percebi, todas as 13 pessoas, exceto o motorista e o homem careca estavam reunidos ao nosso redor.

— E não notaram? – O homem de óculos parecia eufórico.

— O quê? – Questionou o senhor franzindo sua testa.

— Essa estrada não é o caminho que pegamos! Na verdade, nunca passei por aqui! – Aquilo não me surpreendeu. Levando em conta o que Lúcifer falou, esse portador tem o poder de criar um espaço ‘único’, então sendo assim, acredito que seja um local paralelo ao nosso mundo.

— Foi o que pensei, estamos mesmo perdidos! – A outra senhora parecia com falta de ar, ela falou isso em um tanto ofegante.

— A senhora está bem? – Carlos se aproximou da mulher oferecendo ajuda.

— Eu só estou nervosa! Vocês não estão!?

— Mãe, eu quero ir pra casa! – A garotinha começou a chorar naquele momento enquanto abraçava sua mãe, uma senhora com cabelos Chanel e aparência bem ‘falsa’.

— Calma pessoal, o motorista vai conseguir falar com alguém! Antes disso, vamos nos apresentar, isso ajudará a passar o tempo e nos acalmarmos. Eu sou Marco. – Nunca esperei uma atitude dessa tomada por Marco, mas o conhecendo, ele tinha algo em mente. Saber o nome das pessoas poderia facilitar no ‘reconhecimento’ futuro.

— Eu sou Cleuza, minha filha é a Tainá. – Disse a mulher abraçando sua filha e olhando para todos.

— Gustavo e ‘Jão’. – O vida louca de boné e com a pele morena apresentou tanto ele como seu amigo, os dois encaravam todos com certo ódio, o que era normal para sua laia.

— Sou Carlos, como já me apresentei, aquele é o Heitor e ela é a Naiara. – Carlos pareceu um tanto intrometido ao me apresentar, ele achava que já éramos amigos?

— Valdecir aqui. – O homem de óculos se apresentou olhando para baixo.

— Andrea e Moacir. – A senhora junto do seu marido se apresentou, os dois estavam um colado com o outro.

— Neide. – A senhora passando mal não parecia se importar com isso.

— O motorista é o Elias e o careca é o Marcio, eu me chamo Leonardo, prazer. – O rapaz que se apresentou tinha olhos claros e cabelo louro, parecia um alemão nato, tinha por volta de 20 anos, parecia um estudante.

— Como sabe o nome deles? Enfim, sou Juliana. – A próxima a falar foi a loira, ela parecia descontente com as apresentações.

— Mariana. – Uma guria de óculos e cabelos negros longos com uma franja reta tinha um livro em sua mão, ela parecia a típica nerd que não se importava com a sociedade.

— Por que isso importa? Me chamo Kelly, mas que saco! – A mulher de cabelos pretos e uma cara emburrada estava me dando raiva só por respirar.

— Bem, agora que já sabemos nossos nomes, o que vamos fazer? Parece que estamos ‘ilhados’ aqui. – Juliana parecia ser uma mulher que gostava de falar, ou ela só queria chamar a atenção. O vento ficava cada vez mais gelado, eu tentava analisar todos ali com frieza, um deles era o portador. Carlos ia começar a dizer algo, quando o motorista e o careca chegaram bem cansados.

— Andamos por todo quanto é lado, não tem sinal, é incrível! Nossos celulares são da vivo, sugiro que todos vocês andem por aí procurando por sinal. – O careca falou algo que gerou descontentamento entre as pessoas, principalmente com Neide.

— Como assim!? Vamos pegar o ônibus e sair daqui! Não paguei pra ficar aqui fora, temos que achar um caminho, uma saída.

— Senhora, andamos a mais de meia hora pelo mesmo caminho, não tem outro, parece ficção, mas estamos dando voltas no mesmo lugar. – A afirmação do motorista fez Carlos rir, naquele momento, pensei que o rapaz era meio cético com tudo.

— Não não, deve ter algo de errado mesmo, eu sugiro que peguemos também o ônibus, vamos dar mais algumas voltas e todos analisaremos a estrada pra ver se tem alguma saída, ok? – A ideia de Carlos foi bem acatada por todos, ele parecia alguém de liderança, mas de alguma forma, Marco não gostava dele.

— Não se preocupe, Marco tá com ciúmes só porque ele se aproximou todo amigável de você. – Heitor me cutucou enquanto sorria. Todos fomos novamente até o ônibus e demos mais três voltas, com todos atentos ao redor. Não tinha saída, a estrada era reta, eu contei os minutos, dava mais ou menos 23 minutos da placa 188 até a placa 188, o loop era de 23 minutos com o ônibus a 80 km/h, eu não era nenhuma física ou engenharia pra fazer cálculos e analisar o tamanho daquela área, mas não era um espaço tão pequeno pelo visto. Paramos novamente o ônibus, o sol havia se posto já, algumas pessoas já estavam desesperadas.

— Que porra é essa hein!? Nós morremos? – Jão, como seu amigo o chamou, começou a ficar ansioso e coçar sua cabeça enquanto se levantava do banco.

— Mãe, quero ir pra casa! – A garotinha voltou a chorar, o motorista voltou com a ideia do celular.

— Pessoal, precisamos contatar alguém! Eu não sei o que tá acontecendo, mas isso é preocupante. Parei em um lugar seguro, vamos sair pra fora procurar área, alguém vai nos ajudar.

— Cara, para vai, não estamos no mundo ‘real’, é o que parece, não passou carro daqui, não tem sinal de vida, o rapaz aí deve estar certo, devemos estar no purgatório! – Juliana mais uma vez deu às caras, eu sentia vontade de dizer toda a verdade, mas não podia, ou podia...?

— O moto tá certo, vamos pra fora procurar sinal, 10 minutos, se ninguém achar, todos voltamos ok? – Saímos para fora, todos desesperados, parecia que grupos não foram formados, a mãe saiu com a sua filha, o casal juntos, e os dois amigos vida louca se separaram, os únicos juntos em mais de duas pessoas eram eu, Heitor e Marco, e naquele momento, Carlos também apareceu.

— Posso me juntar a vocês? Eu não acredito também que dará sinal, já andamos por todo quanto é lado. – Carlos parecia inteligente, ele havia notado que não estamos crentes de que o celular pegaria. Com esse mala no nosso grupo será difícil bolarmos um plano, eu tinha que fazer algo pra ele cair fora logo, precisava falar a sós com Marco e Heitor.

— Tainá? Tainá!? – Haviam se passado menos de cinco minutos desde a nossa separação, a mãe da garotinha voltou até o ônibus assustada.

— O que houve? – Perguntou Marco se aproximando.

— Viram minha filha? Ela se separou de mim e sumiu! Tainá! Tainá pelo amor de DEUS! – Naquele instante, Leonardo veio correndo até o ônibus, seus olhos estavam arregalados e ele parecia não ter voz, ele apenas chamou todos para irem com ele, enquanto ele corria até a pista. Ao chegarmos no local indicado por Leonardo, o mesmo parou, se ajoelhou no chão e começou a vomitar. O que vi em minha frente era algo horripilante. No meio da pista iluminada pela lua, o corpo da garotinha estava jogado de barriga pra cima, sua garganta estava cortada de fora a fora, seus olhos abertos miravam o céu estrelado artificial daquele mundo fake, o grito daquela mãe me fez pensar que o verdadeiro caos havia começado.


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