Lapso Paradoxal escrita por Kamihate


Capítulo 30
Capítulo 29 - Não Há Deus


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pelo capítulo mais longo do que o normal!



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"- Vitor, por que você é tão bom com as pessoas? – Naquela época, eu havia dito isso enquanto eu e Vitor voltávamos pra casa do cinema, ele havia dado R$10,00 para um morador de rua que estava com seu filho doente em seus braços, pareciam duas caveiras, o homem não pediu dinheiro, apenas alguma coisa para comer, mas Vitor, sem nem hesitar, tirou o dinheiro de sua carteira, mesmo ele estando desempregado, ele sorriu olhando para o menino e o pai que já tinha lágrimas em seus olhos.

— Você não viu aquelas dois? Por que eu não seria? – Vitor não olhou para mim, apenas continuou seguindo em frente.

— Mas sabe, se você ajudar todo mundo assim, vai acabar ficando sem nada! Claro que dá dó, é difícil ver algo assim, mas tem que pensar em você também.

— Naiara. – Vitor parou de andar e olhou para o céu nublado daquela noite fria.

— Oi?

— Você acha que existe algum Deus? – Vitor era ateu, ele não acreditava em Deus, isso eu sabia faz tempo, mas não havia entendido sua pergunta, ele não olhou para mim nenhuma vez, ficou olhando aquelas nuvens cinzas se movimentando rapidamente no céu escuro e sem lua.

— Como assim? Bom, você sabe que eu era, meio que sou católica, acredito que possa haver sim mas não sei explicar bem e... Vitor por que disso? Você não acredita. – Eu segurei o braço do garoto e ele finalmente olhou para mim, mas não via nada em seus olhos, nada.

— Você quer acreditar, não é? Todos querem acreditar. ‘I Want To Believe’, acho que isso se tornou um quote famoso, as pessoas apenas tem medo de viver e querem acreditar que algo lá em cima existe para guia-las, para agarrá-las quando a morte chegar, o medo de desaparecer é maior do que o medo de acreditar em seres fictícios, não estou dizendo que não acredito em tudo, mas é meio triste depender de algo que você não pode alcançar, sabe Naiara, desde que soube que eu tinha essa doença, acreditei menos ainda em Deus, mas no fundo, algo tentava me fazer mudar de lado, a esperança, o medo, todos esses elementos me cutucavam para que eu fosse para o caminho dessas pessoas que acreditam que estarão salvas se acreditarem em Deus, eu não quero isso, não quero viver em uma ilusão, mas eu estou vivo, por quê? O que podemos fazer? Aqueles dois tem esperança, eu vi em seus olhos quando dei o dinheiro, isso é o mais triste Naiara, eles acreditam que a vida vai salvá-los, mas sabe, só nós podemos nos salvar, eu prometi pra você que lutaria até o fim contra essa doença, e é isso que vou fazer, eu vou lutar e vou vencer, porque afinal, nós somos os nossos próprios deuses, então acredite mais em si mesma, acredite nas pessoas, todos podem ter seus lados ruins, mas no fundo, pode ser bem lá no fundo, há Deus em cada um."

Entrei pelas portas do fundo do meu prédio, eu morava lá a 12 anos, conhecia melhor do que ninguém aquele lugar, nessa entrada ficava a sala dos faxineiros, algo bem típico de apartamentos americanos, bom, isso condiz com o nome dessa cidade, eu sabia que nesse horário haveria apenas o seu Dorival lá, ele era encarregado da limpeza noturna. Eu estava sendo caçada, pelo que calculei em poucos segundos e pelas pessoas que vi do lado de fora, deve haver pelo menos 20 pessoas ainda nesse prédio contando com os policias que subiram, que eram uns 6, ou seja, 14 moradores e 6 policiais, mas entre um deles, estava ‘ele’. Claro que a Lucia poderia impedi-lo de entrar, mas, se haviam 6 policiais, ela não pôde ter impedido ele de entrar também, ela apenas controlou todos como fez anteriormente. Eu tinha que chegar até o lugar combinado, custe o que custa. Eu estava no primeiro andar, haviam 25 andares no prédio, meu objetivo era o 13º andar, mas esses 13 andares deveria haver pessoas, então eu teria que enfrentar um por um, como na torre de ‘Sword Art Online’, droga, estou pegando essas coisas do Heitor, eu não podia matar ninguém, não mais, estaria ferrada mesmo com a história que pretendia contar, então eu apenas iria correr, correr até chegar lá.

Subi até o segundo andar, não havia ninguém, assim como no terceiro, eu não me precavi, fui rápido subindo as escadas, usar o elevador estava fora de questão, por sorte as escadas do fundo não davam para a portaria, eu ouvia através dos auto-falantes uma música de bossa nova calma, Lucia estava confiante, ela acreditava que iria vencer, ela estava na portaria, na sala das câmeras, isso eu sei, mas é claro que havia alguém lá lhe dando cobertura, não podia nem pensar em me aproximar. No terceiro andar encontrei a Dona Marina e sua neta, elas moravam sozinhas, eu me senti mal mas dei um jogo de corpo em ambas, fiz a velha cair no chão e dei um chute em sua neta que se agarrou em mim, a menina tinha 10 anos, ela começou a chorar e fui até o quarto andar. Não havia ninguém, mas do elevador saiu Luíz Carlos, justo ele! Um filhinho de papai drogado que tinha tudo que queria, ele estava portando um canivete, ao me ver, ele partiu pra cima de mim mordendo os lábios inferiores, eu tirei do bolso o spray de pimenta que havia trazido comigo e espirrei em seus olhos, ele soltou o canivete, eu me abaixei e o peguei, e sem pensar, enfiei na coxa direita do rapaz, ele, ainda com as mãos nos olhos, caiu de bunda no chão, aproveitei para subir para o quinto andar que era bem estreito, peguei a escada para o sexto, estava cansada já, as escadas não eram longas mas cansavam, no sexto andar havia um policial, mas ele não me viu, ele parecia estar de ‘guarda’ para ninguém descer, os outros deviam estar procurando nos andares de cima, se eu acabasse com ele, sobraria mais outros, mas como eu acabaria com um cara armado? Foi então que gritei, soltei um berro ainda escondida atrás de uma parede que dava para as escadas, o policial não era ‘ele’, ele ouviu isso e correu até onde eu estava, mas antes disso, eu havia rapidamente passado para o outro lado, e me escondido atrás da outra parede, o policial foi correndo e eu passei uma rasteira no mesmo e o empurrei escada abaixo, eu nem olhei para trás, apenas o ouvi caindo e rolando enquanto xingava. Corri como louca até o sétimo andar, faltavam apenas seis... apenas seis? Eu estava ofegante e sem força nas pernas já, queria descansar mas não podia. Nesse andar estavam o Junior e sua namorada maconheira, ele era um rapaz de 18 anos, morava com o pai, mas aparentemente o pai não estava, percebi que ele tentava subir as escadas mas sua namorada o puxava impedindo, ela não havia sido controlada, afinal, nem todos puderam ouvir o anúncio, não pessoas que estavam ouvindo música ou tomando banho, ou nos cômodos do fundo de seus apartamentos. Me aproveitei disso e chamei os dois.

— Ei seus lixos. – Eles olharam para mim, a garota parecia chorar, Junior sorriu e jogou sua namorada na parede partindo em minha direção, eu entrei no apartamento do garoto, eu estava agindo por impulso, peguei um vaso e joguei contra a cabeça do mesmo que cambaleou, a namorada dele o segurou novamente, eu aproveitei isso e dei um chute no estômago do garoto, ele se afastou da menina, eu a puxei pelo pulso para fora do apartamento, pegando a chave e trancando o mesmo. O garoto dava socos e pontapés na porta, a menina parecia assustada e fraca, ela já era anêmica, eu usei toda minha força e a puxei comigo, indo até o oitavo andar.

— Por que faz isso? Quem é você? – A garota estava assustada mas eu não ligava, naquela altura foda-se o sentimento dos outros, eu iria vencer, Vitor, eu iria fazer minha parte.

— Fique calada apenas. – No oitavo andar, me deparei com outro policial, e dessa vez, ele estava me esperando coma arma apontada para a escadaria.

— Parada, se entregue, e tudo ficará bem. – Ele disse isso mirando na minha cabeça, seu tom de voz era normal, não parecia nervoso, como de fato acontecia com as pessoas controladas por Lucia, eu coloquei a garota na minha frente como escudo.

— Você não vai me matar, cretino. – Ao mesmo tempo que eu disse isso, a música dos auto falantes parou, e a voz de Lucia foi ouvida.

— “Eu mudei de ideia, podem matar a Naiara, matem da pior maneira possível e tragam o corpo até mim, matem-na, estraçalhem-na, acabem com ela!” – Lucia começou a rir histericamente por trás do microfone, naquele momento, percebi o policial apertando o gatilho de seu revólver.

‘Quando o policial se aproximando trazendo um saco preto junto de si com sangue sendo manchado no chão, suspirei fundo, eu finalmente tinha vencido, só faltava pegar a chave e por um fim nela pra nenhum outro portador fazer alguma merda. DEUS! Eu havia consigo, eu me ajoelhei e comecei a chorar, o policial ficou parado na minha frente, ele estava abrindo o saco preto, eu queria ver aquela maldita morta, queria ver o corpo de Satã ensanguentado, a expressão de dor no rosto dela, eu iria tirar toda sua pele, moer seus ossos, eu iria tirar os órgãos dela e fazer carne moída e dar para os cachorros, eu não deixaria NADA SOBRAR, satã será mutilado e aniquilado para sempre. Foi então que eu percebi.

— Com quem você está falando aí ajoelhada? – O que? O que isso significava? Olhei para o policial que mantinha um olhar sério em seu rosto enquanto me fitava, Naiara havia se levantado, toda suja de sangue, ela não tinha nenhuma ferida, nenhum buraco no corpo, o que diabos estava acontecendo? Satã era imortal?

— COMO ASSIM? MATE ELA, MATE ELA AGORA, MATE ELA DA PIOR FORMA POSSÍVEL, ESFOLE ELA, COMA A CARNE DELA, ARRANQUE AS TRIPAS DELA E CORTE-AS EM PEDAÇOS, TIRE OS DENTES DELA E SEUS OLHOS, PERFURE O CORAÇÃO DELA E QUEIME-O, POR QUE NÃO FAZ ISSO DESGRAÇADO, É UMA ORDEM! – Eu gritei para o policial, o mais alto que podia, mas ele continuou me olhando sem expressão.

— Pode acabar com sua voz, ele não vai ouvir. – O quê? O que isso significava? Satã? O que é isso? – Você perdeu Lucia. Na verdade, você perdeu por ser uma completa louca fanática sem solução. – Naiara pegou a arma do policial e mirou para minha cabeça. Eu não podia perder ali, DEUS estava comigo, é claro que ele iria me ajudar não iria? É ÓBVIO, DEUS ERA O PODER MAIOR, A FORÇA QUE GOVERNA A TERRA, COMO ELE PODERIA PERDER PRA UM VERME DESSES? EU SOU SUA REPRESENTANTE!

— HAHAAHHAHAHAHAHA, ACHA QUE PODE VENCER DEUS? PATÉTICO! PATÉTICO! PATÉTICO! NAIARA, VOCÊ É LAMENTÁVEL! NÃO HÁ COMO FUGIR DA FÚRIA DIVINA, EU TENHO O PODER PRA CONTROLAR O MUNDO! – Eu olhei mais uma vez para Naiara, ela parecia mais séria do que o policial ou do que qualquer outra pessoa que eu conheci na minha vida, nunca vi olhos mais famintos de sangue como aqueles.

— Você se pergunta como? Você é burra, por acaso? – Naiara disparou contra os meus dois joelhos, estourando-os, o osso do meio dos dois foi rachado, eu não conseguia me levantar, pedaço da carne da minha perna voou em meu rosto, a dor era terrível, doía demais, DEUS, me salve! EU SOU a salvação DEUS, você me trouxe até aqui, por que não me salva? POR QUÊ?

— COMO O QUE? Você é Satã! Manipulou esse homem antes, mas não acabou, DEUS é MAIOR, DEUS É MAIS FORTE, vou acabar com todo mal do mundo, vocês malditos, traficantes, ladrões, assassinos, não perdoarei nenhum, vocês tiram vidas sem nem se preocupar, vocês matam, destroem tudo, eu não aceito isso, eu não... – Eu não sabia porque havia começado a chorar naquele momento. A imagem de minha irmã veio até minha cabeça, ela sorria pra mim, coberta de sangue, tocando meu rosto com sua mão gelada. Olhei para minhas pernas estouradas, tentei me levantar mas dei de cara com o chão, Naiara me segurou pelos cabelos e colocou uma fita adesiva em minha boca, passando várias voltas, ela me levantou e me jogou contra a parede, caí novamente, minhas pernas dobraram, o sangue não parava de jorrar.

— Eu apenas fiz o básico. – Naquele momento, vi Naiara fazendo um sinal com suas mãos para o policial. Isso era possível? Não, não era possível, como poderia ser? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! – Ele não consegue escutar, Lucia, ele nem se quer é policial. Antes de entrarmos no hospital, combinei com o Guilherme pra fazer isso. Meu plano sempre foi chegar até meu apartamento, sabia que não pegaria você facilmente, e eu sabia que você iria querer me encontrar lá, soube disso quando liguei pro Guilherme pedir pra um dos policiais de vigia no meu prédio para ficar de olho na rua e ver se alguma mulher estranha ficava passando por lá ou observando, ele disse que viu uma garota com capuz, e isso em si já era muito suspeito, então, por que uma garota com capuz iria ficar olhando meu prédio? Quando soube disso, imaginei que você faria algum movimento para me pegar lá, eu tinha um pouco de dúvida quanto a isso, mas logo que vi a enfermeira naquele barracão, já soube o que estava acontecendo, confirmei quando ela aceitou a ida até meu apartamento, você planejava me emboscar aqui, eu realmente pensei que você fosse a enfermeira, pelo fato de nunca ter te visto, a voz parecia com a sua, mas percebi que ela forçava bastante, ela queria se passar por você, essa foi sua ordem, não foi? Quando ela me disse que sabia onde estava a chave tive certeza, e sabe porque eu confirmei tudo? Porque eu sabia que iria te pegar sua puta! Sim, eu deixei a chave com um amigo, ele mora aqui perto inclusive, pedi pra ele enterrar em seu quintal, você não queria saber? Agora sabe! E sabe por que você sabe? Porque assim como minha mãe, você vai pro inferno, todos nesse mundo vão, as pessoas só querem saber de proteger umas as outras, aceite isso, ninguém pode fazer nada por ninguém, Vitor tentou isso, ele é a pessoa mais boa que conheci, ele ajudava todos, ele fazia tudo pelas pessoas, e o que ele ganhou? ELE GANHOU DOR! Ele foi condenado a morte... e você fica CLAMANDO PRO SEU DEUS? Cale a porra da boca, você é doente, e sabe de uma coisa? Nem esse seu Deus invisível te quer, nem o diabo, ninguém poderia nem usar uma fanática como você. Pedi para Guilherme emprestar uma farda sua para um amigo meu que era surdo, Guilherme foi até a casa dele e explicou tudo, tudo que ele deveria fazer. Inácio, esse é o nome dele, o nome da pessoa que me salvou. Ele ficou o tempo todo em um carro esperando do outro lado da outra rua com um binóculo esperando, eu paguei 10 mil reais para ele, é claro que ninguém arriscaria a vida de graça, Guilherme explicou que ele entraria no prédio assim que visse alguma confusão, e que ele iria me esperar no 13º andar, eu pensei que você iria controlar os policiais como fez antes, nunca imaginei que iria usar os auto falantes do prédio, confesso que quase morri no processo, foi difícil chegar até aqui, Inácio se passou muito bem por policial, ele foi o último a subir, a confusão e a hipnose que você causou nos policiais os fizeram não enxergar Inácio, eles até viram ele mas deixaram passar despercebido, afinal, eles só tinham um objetivo, ele fingiu estar me caçando também, quando cheguei no oitavo andar, você deu a ordem para todos me matarem, eu tive que sacrificar a vida de uma guria maconheira pra me salvar, joguei o corpo dela contra o do policial, os dois rolaram escada abaixo, no nono andar, por sorte, Inácio estava lá, apenas ele, entramos no elevador e descemos até aqui, eu me comuniquei com ele usando esse bloco de notas, ele era o único no prédio que não ouviu suas ordens, mas ele sabia o que tinha que fazer, pedi para Guilherme dizer pra ele fazer tudo o que os outros policiais ou pessoas ao seu redor fariam, prevendo que todos estariam sobre seu controle, ele apenas atuou muito bem, mesmo sem poder ouvir, ele já passou por coisas muito piores do que eu na vida, o conheci ainda na faculdade, ele ouvia nessa época, mas sofreu um acidente ano passado perdendo sua audição total, eu visitei ele algumas vezes, ele havia mudado completamente, perdido a esperança de viver, desde então ficou isolado em seu quarto o dia todo jogando rpg’s, quando Guilherme apareceu com o dinheiro, ele não pôde negar, ele nem ligava mais para sua vida, eu conheço pessoas nessa cidade Lucia, você achou que eu estava sozinha, mas eu não estava, eu não estou sozinha nesse jogo, posso não ter nenhum poder, mas eu tenho aliados, e você tem o seu Deus... bom, agora vejamos, qual foi mais eficaz? – A maldita sorriu olhando em meus olhos. Deus havia me abandonado? Como ele poderia? Eu era fiel... sempre fui... – Ainda bem que não deixei Marco vir comigo, e você se pergunta por quê, bom, por isso. – O que vi diante dos meus olhos me deixou ainda mais convicta de que estava diante do mal encarnado. Naiara se virou e deu um tiro no peito do seu amigo surdo, ele caiu no chão não sem antes se contorcer e olhar para Naiara que nem se quer voltou sua atenção para o rapaz, apenas voltou a mirar aquele revólver para mim. O demônio não tinha pontos fracos, Deus se rendeu diante do mal, eu não tinha o que fazer. Desculpe irmã, eu não consegui mudar nada. Esse mundo... acabou.

Quando me dei conta estava coberta em sangue. Da cabeça aos pés, o corpo mutilado de Lucia estava na minha frente, eu não lembro o que tinha feito, mas eu estava sorrindo, havia vingado minha mãe, eu havia vencido, VENCIDO MAIS UMA, eu consegui andar mais um degrau, VITOR, eu estava tão perto, tão perto... eu iria te salvar, meu amor. A cabeça arrancada de Lucia tinha seus olhos abertos, ela parecia olhar para mim, estávamos na sala das câmeras, a porta estava trancada, eu havia aumentado, antes, o som dos auto falantes lá fora para ninguém ouvir o que acontecia aqui, e sob efeito da hipnose, nenhum policial tentaria abrir a porta até Lucia morrer, aliás, eles não fariam isso. Eu usei luvas e as coloquei nas mãos de Inácio, eu usei ele apenas, usei e joguei fora, tudo era necessário para viver, fiz isso para ele sair como culpado, eu diria que ele me capturou e trouxe até aqui, e depois de matar Lucia, tentou me matar, mas eu consegui pegar sua arma e atirar nele, foi isso que aconteceu aqui, dois culpados, dois mortos. Eu abri a porta e vi em minha frente uma visão que me espantou, vários corpos, todos os policiais que haviam entrado no prédio, havia três deles no primeiro corredor, todos com um tiro na cabeça, seus miolos espalhados. Vários bombeiros e outros policiais entraram correndo no prédio, eu me ajoelhei no chão fingindo estar exausta. E eu realmente estava, mas feliz pela vitória, feliz por derrotar DEUS.

Quando acordei no hospital, expliquei tudo que aconteceu para os policiais, disse dos ‘poderes psíquicos’ de Lucia, eles é claro, não acreditaram, mas viram pelas câmeras do prédio os policiais alterados querendo me matar, e eu apenas me defendendo, eles me viram usar a maconheira de escudo, mas eu fiz o que fiz para sobreviver, o culpado era o policial que matou ela, pedi através de uma SMS, antes de entrar no prédio, pro Inácio, quando me visse, fingisse que me bateria e me colocaria em um saco preto, ele então me levaria de elevador até o local onde Lucia estava, os policiais viram tudo isso pelas câmeras também e realmente achavam que Inácio era o culpado, eu disse pra Inácio que ele tinha que fingir pra ninguém controlado desconfiar dele, Inácio não acreditou nessa hipnose, ele apenas fez o que fora lhe mandado, era automaticamente um boneco, o dinheiro para pagar seus jogos o controlavam, não precisava de Lucia nem ninguém com poderes. Meu pai estava bem, os moradores do prédio também, exceto pela maconheira cretina, aquilo iria me deixar com problemas realmente, mas eu não tive escolhas, foi quando Marco entrou no meu quarto.

— O que foi? Vai ficar aí parado me olhando? – Marco ficou me olhando sem emoção alguma com seus braços cruzados, no fundo, ele sabia o que havia acontecido.

— Não entrei junto com você, e olha como terminou. – Ele fechou a porta e ficou de costas para mim.

— Como terminou?

— Naiara, você entende? Entende no que se tornou? – A voz dele me dizia que ele me achava um monstro. E eu realmente era.

— Eu sobrevivi, mais uma vez, e vou até o fim, eu disse, você pode desistir agora, eu disse desde o começo pra cair fora, eu não quero que se machuque, você ou Heitor... então por favor, pare, apenas me deixe continuar, eu sei que no final não serei mais humana, mas é isso que farei.

— Você está bem com isso mesmo?

— Eu escolhi isso Marco, escolhi esse destino.

— Como você fez?

— Hã?

— Com relação aos policiais, a tudo, o que você fez?

— Não estou te entendendo... – Marco se virou para mim, eu realmente não compreendia onde ele queria chegar com isso.

— Algum policial veio aqui hoje?

— Claro que vieram, um de manhã, ele me interrogou.

— Mais algum?

— O que quer dizer, Marco?

— Você ligou a tv?

— Eles estão provavelmente falando disso, eu sei que eles não acreditaram na nossa história, quem acreditaria, mas eles viram os policiais sob efeito da hipnose!

— Essa não é a questão.

— E qual é? – Marco me entregou o jornal diário de Americana, ele havia trazido consigo em sua mochila. Na primeira página, a manchete “Ataque terrorista deixa 10 policiais mortos em prédio no centro de Americana”. – O que....? – Olhei para Marco, ele estava pálido.

— Não é só isso. Lá fora, ninguém se lembra de nada, todos falam que Inácio e Lucia estavam planejando esse ataque juntos, eles mataram os trabalhadores no barracão, mataram Guilherme no hospital, mataram a garota também no hospital, a enfermeira, e todos os outros mortos, eles alegam que Lucia tinha uma arma química e que a usou no prédio, as gravações sumiram, não há filmagens, os policiais não se lembram da gente, nos veem como pessoas que estavam no prédio e que foram vítimas do ataque, você foi capturada por Inácio mas se salvou, atirando nele em legítima defesa, o desfecho, os jornais falam que Inácio matou Lucia e em seguida se matou, eles não vão divulgar que foi você que atirou nele, e todos aqueles policiais que falamos na delegacia, nenhum deles se lembra de nós, Naiara, você entende? – Meus olhos não se mexiam, muito menos meu corpo, fiquei petrificada. O que estava acontecendo?

— Isso é possível? E você? Sabem que você matou o Guilherme não? Digo, sabiam! – Marco olhou para baixo, com raiva e triste ao mesmo tempo.

— Não... eles não sabem. Segundo o que dizem, Lucia e Inácio mataram todos, Inácio se disfarçou de policial para se infiltrar no prédio, Lucia era a isca. É o que está correndo nos telejornais, nas rádios, Naiara, nem citaram nossos nomes, parece que todos sofreram lavagem cerebral! – Naquele momento, peguei meu bloco de notas no bolso de trás da calça, a enfermeira ainda não havia chegado, eu analisei os poderes dos portadores, e foi como esperando.

— Então é isso? Eu sabia. – Marco fechou seus punhos, apertando-os.

— Se foi um portador, então por que ele fez isso? Por que nos ajudar?

— Certeza que ele nos ajudou? Porque, nessa situação, se tudo ocorresse bem, a policial iria ficar na sua cola, iria te proteger melhor do que antes, além da mídia, você teria holofotes o tempo todo, isso impossibilitaria dos portadores se aproximarem sem serem expostos, ela fez isso pra limpar a arena Naiara, essa pessoa que consegue mudar a lembrança dos outros.

— Mas, Marco, cadê o Heitor!? – Eu estava preocupada, Heitor estava no prédio também, mesmo ainda processando tudo que aconteceu, queria ouvir que ele estava bem.

— Eu vim aqui pra lhe falar, principalmente, sobre isso. – Engoli seco olhando para Marco.

— Heitor desapareceu, ele não foi encontrado no prédio, nem em lugar algum.

“Quando chegamos em casa, Vitor soltou minha mão, mas diferente do normal, quando ele me abraçava e beijava, ele tocou meu rosto e fitou meus olhos, apesar de estar um pouco frio, suas mãos eram quentes e macias, ele nunca ficou tão sério desse jeito.

 - O que foi? Vai me pedir em casamento? – Fiz uma piada mas Vitor ainda continuou sério.

— Naiara, quando ‘isso’ acabar, você irá conseguir enxergar algo além do que está em sua frente? – No começo, não entendi as palavras de Vitor, mas em seguida, quando o vi chorando, pude compreender. – Por favor Naiara, mesmo que não exista um Deus, tenha uma vida boa, ajude quem precisa, você é alguém forte, uma das pessoas mais fortes que eu conheço, então, crie seu próprio Deus. – Vitor me abraçou fortemente, como nunca fez, e começou a chorar como um bebê. Olhei para o céu que antes estava coberto em nuvens, mas agora, algumas estrelas brilhavam aos poucos na imensidão escura.

— Eu...prometo.”


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