Romance Proibido escrita por Clara de Assis


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para minha amiga secreta, que tem seu nome na fic!
Te amodoro! Que tremendo desafio! Nunca, nunquinha pensei que escreveria um yaoi! Tô em pânico, mas tá aí seu presente, espero que goste ♥



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Eu não deveria estar mentindo idade, mas... Putz, internet praticamente pedia por isso. Olhei o cursor indicando a pergunta.

“18”. Digitei, finalmente. Eu enrolei com aquela pergunta por dois meses.

Não era uma mentira tão grande, tecnicamente eu faria 18 naquele ano, então... Deixei rolar.

A pergunta seguinte era mais pessoal, fazia tempo desde que ele não perguntava algo pessoal.

"E como estão seus relacionamentos? Já encontrou alguém interessante desde a última vez que nos falamos?"

Olhei para a tela do computador e sorri. Sim, havia uma pessoa, era uma garota, Amber. Era uma das populares e eu, o novato, consegui o que outro garoto, veterano, não.

Apesar de não ser tão fortão quanto os outros caras do colégio, eu era carismático, fiz amizade rápido, transitei entre os núcleos. Sempre a mesma merda: os atletas; os nerds; os geeks; a galera do clube de música e a outra galera, os do teatro; os doidões; os radicais pela natureza; as bruxas; os cinéfilos... Turminhas.

Estava cansado de saber as regras sociais e de arranjo entre classes. Se fosse contar no dedo todas as vezes em que precisei sorrir de lado, enquanto baixava o olhar apenas para ganhar a amizade de um novo companheiro de laboratório... Perderia a conta.

Parece que a minha vida toda o que fiz, unicamente, foi isso: mudar de residência.

Nem me importava mais com as caixas parcialmente desarrumadas. Apenas deixava rolar. Meu pai sempre vinha com a mesma história: O País.

Alguns outros colegas, na mesma situação que eu, sempre davam um chilique, mas, eu não achava justo. Meu pai era um cara legal. Ocupado. Determinado. Fez o melhor por mim desde que minha mãe resolveu se mandar - dane-se que o filho dela tinha apenas oito anos... - Tudo bem, eu não gostava de fazer drama de qualquer forma.

"Está aí?"

Eu sorri para a tela, esse cara era muito louco. Conversávamos por horas, sobre os mais variados assuntos, desde... Fusão nuclear até... polêmicas como Marvel versus DC ou, Star Wars versus Star Trek. Eu defendia a união Jedi, ele, falava as maravilhas da tecnologia Trek. Durante os momentos em que eu podia ouvir sua voz e a do grupo online, percebia que era um desses caras com a voz possante, um dos que impressionavam as garotas com um simples “bom dia”, e parecia ser um líder nato, embora não falasse muito, apenas pequenos cumprimentos.

"Estou aqui, Frost."

Respondi apenas isso. Gostava de provocá-lo, era notório como ele gostava de respostas inteiras.

E então, Wildheart? Conheceu alguém? — ele perguntou.

Talvez... — retorqui — e você?

Talvez, também...

Olhei para o relógio do computador e percebi que as horas avançavam, já estava tarde e nós ainda não tínhamos enfrentado o Carniçal da Morte. Para ser franco, sempre que eu começava a jogar na equipe do Frost, nos perdíamos em uma montanha de assuntos paralelos, no chat particular do jogo, e ficávamos vagando pelo gráfico, matando pequenos monstros que apareciam em nosso caminho, muitos deles com um nível tão inferior ao nosso que desintegravam com um peteleco. Ali éramos como deuses.

Mas, na vida real, eu deveria estar descansando para as primeiras aulas do semestre. Agora sim, tudo estaria equiparado com relação aos meus colegas, eu não seria mais o novato que chegou pouco antes o fim do período. Agora, todos me conheciam e um novo semestre se iniciava.

Cara, a gente vai entrar na caverna da Sílfide? — eu perguntei.

Sei lá... Estou sem saco agora, na verdade só fiquei on pra passar o tempo — ele retorquiu. — Duelo?

Sempre, dude.

O toc-toc da solicitação de um jogador para duelar soou através dos meus fones de ouvido e eu cliquei em aceitar assim que a janela surgiu. E me preparei, pois sabia que no instante em que ele estivesse liberado para o ataque, o faria. Frost começou o ataque com uma magia, surpreendendo-me, pois ele era um Blademaster, humano; eu, um Seeker, um guardião da terra. Foi uma batalha bastante interessante... Ele lançou um feitiço de atordoamento e me atingiu com sua espada, mas, minha armadura tinha sido forjada com um dos metais preciosos, logo, o dano foi mínimo. E ficamos nos atacando por um tempo, quase até cansarmos. Até que o primeiro de nós desistisse, e não seria eu.

Quando amanheceu, ou melhor, quando o dia estava prestes a iniciar, de fato, meu pai deu uma batida breve e firme na porta encostada, não para se anunciar, ele não era disso, apenas para me fazer levantar de uma vez. Não foi fácil, eu não parava de bocejar e meu corpo parecia pesar uma tonelada, os lençóis eram tão atraentes enquanto ainda estava escuro lá fora... Eu devia ter ido dormir ao invés de ficar de bobeira online.

— Bom dia — cumprimentei me jogando no sofá.

Meu pai me olhou com um semblante engraçado, a boca torta para o lado e a sobrancelha esquerda arqueada. Já estava fardado. Botas perfeitamente engraxadas, calça larga e camuflada, da camisa branca por baixo, eu via somente a gola imaculada. Segurava uma xícara de café preto e o celular em outra mão. Raramente ele trocava mensagens tão cedo. Estava namorando alguém da Base, ou, uma mulher do outro lado do mundo, papai não era do tipo que ficava todo flores e bombons, então só podia ser uma garota da Base.

— Qual o nome dela? — perguntei como pude, enquanto bocejava.

— Que ela? — ele tentou despistar.

— A mulher que está mandando mensagem?

— Não é uma mulher, é a tenente Salt.

Eu ri de sua resposta.

— Está vindo para me dar uma carona de volta para a Base. Um novo grupo vai se formar por esses dias, vamos mantê-los acordados por uma semana e meia.

— Tradução: Brice, fique sozinho em casa e se vire com os enlados até eu voltar.

— Não. Tradução: Brice, seu preguiçoso de uma figa, não estarei aqui para acordá-lo no horário, não fique até de madrugada com esses jogos; não dê festas; mantenha a sua bunda longe de confusão até a semana que vem. Ah, e... vire-se com os potes de comida congelada.

— Hmm... evolução total, comida congelada. Nada de enlatados ou em caixas.

— Eu disse que ia conseguir uma cozinheira, não disse? Não por você, preguiçoso abusado, mas, por mim. Não aguento, na Base é o bandejão assassino; em missão, uma ração desidratada e aqui, enlatados?! Não, eu não mereço isso.

Eu ri outra vez.

O telefone dele notificou mensagem, certamente era a tenente, a garota. Papai guardou o celular no bolso e pegou a mochila sobre a cadeira.

Passou por mim e se abaixou dando-me um beijo no topo da cabeça. Ele não era tão durão quanto tentava aparentar, sempre sobrava um pouco de carinho para mim. Sobretudo depois que minha mãe foi embora. Papai fez o melhor que pôde, educou-me, tentou se manter equilibrado entre a severidade e a complacência. Eu não era nem de longe um babaca, também não me enquadrava com os desajustados ou os problemáticos. Minha nossa, eu era um puta cara normal. Meu pai fez um bom trabalho.

— Cuide-se. Não faça merda — Ele apontou o indicador para mim como se eu tivesse dez anos outra vez.

— Vai em paz — respondi, empurrando sua mão para longe do meu rosto.

Meu pai andou até a porta, olhou por sobre o ombro, a sobrancelha franzida e sua careta de malvado já no lugar, mas para mim... eu via quase um sorriso largo naquela expressão, era o seu jeito...

Olhei pela janela para acenar-lhe adeus. A tenente Salt desceu da Hummer H5. Caramba. Estava com uma farda muito parecida com a do meu pai, a diferença, nela ficava bastante sexy, o cabelo estava oculto pelo quepe, mas percebi seus lábios volumosos e sua pele reluzente. Ela o cumprimentou com uma continência, em seguida, apertaram as mãos. Meu pai não abriu a porta para ela, apenas deu a volta para o banco carona e... Putz! O que era aquilo na cara dele? A porra de um sorriso! Ou isso, ou meu pai estava tendo um derrame! Não era uma garota. Era “A” garota.

— Olá, futura mamãe...

***

Eu nem havia pisado no degrau da escadaria principal e as gêmeas Palloma e Izabel surgiram uma de cada lado, cumprimentando-me, daí me acompanharam para dentro do colégio.

— Como foi de quatro de julho? — perguntou Izabel.

— Bem — respondi —, fui com meu pai assistir aos fogos e a banda e tudo mais que  já estou cansado de ver.

— Imagino — disse Izabel.

Parei de repente, no meio da escadaria.

— Espera, o que vocês estão aprontando?

— Nada! — responderam ao mesmo tempo.

— Hmm... — resmunguei, e voltamos a andar.

— Estamos animadas com o novo semestre, acho que teremos notícias boas.

Atravessamos as portas duplas e o corredor era um reboliço de alunos loucos indo de um lado a outro, correndo, pegando ou deixando coisas em seus armários, gente se abraçando, um ou outro casal se beijando...

Estava aberta a segunda temporada escolar.

— Preciso pegar meu horário na secretaria, esqueci de baixar online, ontem — eu disse.

— Nós pegamos os nossos — respondeu Izabel —, tenho aula de Economia doméstica agora, uma droga, detesto. Vejo vocês mais tarde.

— Tchau — me despedi.

Izabel era um tanto avoada, bem diferente da irmã, centrada e estudiosa.

— Eu fico com você — disse Palloma —, acho que estaremos na mesma turma no primeiro horário.

Anuí, e conforme avançávamos pelo corredor principal, íamos cumprimentando os colegas, alguns com um aperto de mão, outros, um aceno com a cabeça, ou um sorriso.

— Por que não pegou seu horário? Estava liberado desde quarta-feira.

— Eu sei lá... Eu procrastino, sou um deus nisso. Deveria tentar — falei de brincadeira.

Entramos na secretaria, apinhada de outros procrastinadores.

Palloma gesticulou apontando a sala cheia.

— É por isso que não sigo essa sua religião — ela disse fazendo-me sorrir.

Palloma e Izabel eram idênticas na aparência, olhos apertados e duas pequenas esferas de azeviche em seu orbe límpido, pele morena, cabelos compridos, lisos, de cor de avelã, e lábios generosos, todas as características latinas de sua ascendência. Eu tinha as gêmeas como minhas amigas desde os quinze anos, quando nossos pais passaram a compor o mesmo regimento, a mesma equipe em missões. A diferença entre nós? A mãe das meninas era uma excelente cozinheira. Eu só não tinha cara de pau bastante para fazer todas as refeições na casa delas.

Depois de um certo tempo, por fim, chegou minha vez de pegar o horário. A secretária escolar imprimiu assim que verificou meu número de matrícula e o passou para mim.

Literachatura no primeiro tempo — eu disse —, história e um tempo de química. Pra quê um tempo de química? Coisa de doido... Bem... É o que me espera hoje.

— Também tenho literatura agora; depois, Inglês e a última aula é química. Humm... quase o mesmo programa que o meu. E amanhã? — ela perguntou.

— Álgebra, Biologia e Arte — respondi.

— Eu também. E na quarta-feira, literatura outra vez, Inglês e Educação Física.

— Eu também — retorqui e peguei dela seu horário para conferir as aulas que faríamos juntos, era bom, pois já sentaríamos próximos para formar um grupo de estudos.

Distraídos, caminhamos para fora da secretaria, até que trombei em algo, ou melhor, alguém se chocou comigo. Se chocou comigo e manteve seu corpo colado ao meu, enlaçando meu pescoço com braços delgados, apertando meu peito com seios firmes e volumosos.

— Brice, eu vejo você depois — despediu-se Palloma.

Oooii — Amber me beijou seguidas vezes e eu murmurei entre seus lábios um “até logo” para Palloma.

Elas não se davam bem.

— Hey... Saudades, uh? — brinquei.

— Muitas — ela disse e sugou meu lábio inferior.

O beijo foi inevitável, cheio, pleno, com a boca inteira, havia língua também. Não era uma demonstração de afeto, era quase uma declaração de posse da parte da Amber.

Eu não gostei do significado do beijo, mas, gostei do beijo.

Fiquei a todo instante dizendo a mim mesmo que eu estava no meio do corredor do colégio, com a líder de torcida me escorando contra os armários, não era lugar para ter uma ereção! O pessoal assoviava conforme iam passando.

Amber mordiscou o lóbulo da minha orelha e engoli em seco. Tarde demais. Bolas azuis à vista.

— Uau... Oi? — eu fui parando e afastando Amber um pouco de mim. A tendência era piorar.

— Bem-vindo ao primeiro dia de aula do segundo semestre, Brice Lockhart.

— Sinto-me muito bem-vindo, Srta. Amber Wilkinson.

— Ah... pelo menos o meu nome você lembra — ela implicou —, só esqueceu foi do número do meu telefone.

— Humm... É isso... me desculpe, não foi de sacanagem. Meu pai estava vindo para casa depois de uma missão, eu precisava ficar com ele, entende? Por isso não te procurei.

— Sim... imaginei... Só perdoo você por dois motivos, um: você é a cara do Zach Efron; e dois: porque seu pai é um herói de guerra. Faço ideia que deve ser complicado ter um pai indo e vindo em zonas de guerra... toda a tensão.... Você... deve estar precisando de uma massagem — ela disse com a cara mais safada que já tinha visto uma garota fazer, mordeu o lábio inferior no meio do sorriso e levantou o olhar, encarando-me.

Dei a ela um sorriso enviesado, Amber estava querendo mais do que apenas uns amassos no corredor.

— Uma massagem seria ótimo, gata — respondi, moderando a voz para que ela tivesse certeza de que havia entendido o recado.

Amber sorriu abertamente e atacou meus lábios uma vez mais, e outra, e outra, os beijos recomeçavam sempre no instante em que deveriam findar, apenas pausas curtas para respirações apressadas. De repente, tudo o que eu podia ouvir eram sons que vinham dos beijos e das nossas respirações. Arrisquei abrir os olhos e o corredor estava vazio.

— Hey, boneca, estamos nos atrasando para a primeira aula. Assim começamos mal, uh?

— Sim, tem razão. Nos vemos mais tarde... no almoço?

— Não vai me preterir como vingança e se juntar ao time, ou se sentar com as garotas?

— Não, Brice, eu prefiro me sentar em você.

— Humm... Isso vai longe, baby.

Beijei Amber mais uma vez, tomando sua boca por inteiro e encostando meu corpo ao dela. Quando nos separamos, ela cambaleou para trás, sorrindo, então se afastou seguindo o corredor que iria para o campo de futebol. Educação Física, sem dúvida era a sua primeira aula.

Fui pelo lado oposto e passei no banheiro masculino antes de seguir para a aula de literatura.

Nossa, como eu odiava a matéria. A professora, Srta. Rochester, era uma velha chata e rancorosa, o tipo de mulher que, certamente, nunca trepava. Claro, quem se aventuraria ali? Ela parecia tóxica, além disso, tinha aquele cheiro horrível, característico de quem fuma sem parar, transpirava o odor da nicotina e arsênico. Não sei como aquela mulher não morria. Devia ser uma praga difícil de exterminar.

Joguei um pouco de água no rosto e na nuca, tentando acalmar minha excitação, Amber era o tipo de garota que mexia com a libido de qualquer um, homens ou não. Sua pele era sedosa, seus lábios hidratados, e seus olhos de um verde brilhante, a maquiagem que ela fazia era profissional, conseguia ressaltar seus pontos mais fortes e ocultar os pequenos e insignificantes defeitos, e ainda assim, parecer que não estava maquiada mais do que com um brilho labial e um pouquinho daquela coisa nos cílios.

Subi para o terceiro andar, a sala de literatura era ao lado da turma de Inglês. Um silêncio sepulcral na turma da Sra. Hunt. Prova? Teste surpresa no primeiro dia? Que loucura...

Bati brevemente na porta e entrei na sala. A Srta. Rochester era chata em um grau tão absurdo que ela espantava seus alunos, por isso, sempre aceitava que entrássemos, mesmo atrasados.

Daí veio o baque das novidades:

1) Cadê a porra da professora?

2) Por que estavam todos sentados no chão, em um grande semicírculo, no meio da sala?

3) Quem era aquele cara de jaqueta de couro e pinta de modelo?

Eu deveria me apresentar ou apenas caçar um lugar para me sentar ali, feito índio? Abri a boca para falar e tornei a fechar quando o homem tocou os lábios com o indicador e pediu silêncio. Olhou-me com os olhos azuis sob suas pálpebras de espessos cílios. E assim me manteve ali, estático, quieto, parado a meio caminho, com a turma à minha frente em um semicírculo. Eles não podiam me ver, pareciam enfeitiçados.

Que a turma de inglês estivesse em silêncio, haja vista sofriam com um teste surpresa de boas-vindas, ok. A turma de literatura estava em silêncio e só Deus saberia o porquê, era a aula mais absurdamente zoada de toda a San Diego High School.

Libby Collins limpou a garganta com um pigarreio próprio de quem anunciaria algo importantíssimo, o que seria um feito impressionante, já que em vias de fato, era uma garota irritante, ninguém lhe dava ouvidos.

— Minha vez — ela anunciou e então encheu os pulmões de ar, recitando:

“Quando o jovem Newland Archer entrou no camarote do clube, a cortina acabava de abrir -se sobre a cena do jardim. Não havia motivo para ele não ter chegado mais cedo, pois jantara às sete, só com a mãe e a irmã, e depois se demorara com um charuto na biblioteca gótica de luzidias estantes de nogueira negra e cadeiras com encosto entalhado que era o único cômodo da casa onde Mrs. Archer permitia que se fumasse. Mas, em primeiro lugar, Nova York era uma metrópole com plena consciência de que nas metrópoles “não ficava bem” chegar cedo à ópera; e o que ficava ou não ficava bem era tão importante na Nova York de Newland Archer quanto os inescrutáveis terrores totêmicos que regeram os destinos de seus antepassados, milhares de anos antes...”.

— Pare nesse ponto, Srta. Collins.

Disse o tal cara que parecia ter a turma dançando sob suas palmas, como um bando de marionetes, e isso incluía Palloma, que o olhava como se ele fosse o próprio anjo do Senhor.

Ele se inclinou um pouco para frente e apontou para Mark Evans.

Mark ergueu o livro um pouco mais e também clareou a garganta, eu fiquei na dúvida se todos ali tentavam impressionar o cara ou o quê...?

— “A segunda razão de seu atraso era de ordem pessoal. Ele havia se demorado com o charuto porque, no fundo, era um diletante, e pensar no prazer que estava por vir geralmente lhe proporcionava uma satisfação mais sutil que a fruição desse prazer. Isso ocorria sobretudo quando se tratava de um prazer delicado, como era a maioria de seus prazeres; e, nessa ocasião, o momento que ele aguardava com ansiedade era tão raro e intenso que — bem, se tivesse programado sua chegada de comum acordo com o diretor de cena, não teria entrado na Academia num momento mais significativo do que quando a prima-dona estava cantando: “Ele me ama — não me ama — me ama! —” e arrancando as pétalas da margarida, que caíam com notas claras como gotas de orvalho...”.

— Ok, Sr. Evans, muito obrigado.

Eu ergui as sobrancelhas e fiquei esperando para entender que porra estava acontecendo ali.

— Archer se demorou para a ópera por dois motivos principais. Pode recapitular, Srta. Jones?

— Sim! — Grace Jones quase ovulou porque o cara solicitou que respondesse seu questionamento — Primeiro porque ele se preocupava com a etiqueta, e não era de bom tom chegar cedo à Opera, e também porque queria prolongar seu prazer, ele era amante das artes e quanto mais demorasse, melhor seria...

— Ele queria retardar o ápice do seu prazer, e não poderia ter conseguido de forma mais intensa do que chegar no instante em que ela cantava o amor — ele disse com sua voz grave e rouca e olhou diretamente para mim.

Eu estava com os braços a meio caminho de se erguerem em um gesto “Que merda está acontecendo aqui? ”

— Pelo que vi durante as apresentações — ele falou olhando direto em meus olhos —, você é o único que não estava presente e o único não presente se chama Brice Lockhart, correto?

Eu anuí e sabia estar franzindo o cenho.

— Sr. Lockhart — ele prosseguiu com uma expressão tranquila —, diga-me, qual o motivo para o seu atraso?

Eu abri a boca e fechei, então sorri, confuso.

— Como? — eu perguntei finalmente.

— Sente-se, Sr. Lockhart, escolha um lugar e se sente, depois nós conversaremos sobre algumas regras de conduta, não agora, seria desrespeitoso para com seus colegas, interrompermos a aula de literatura para introduzirmos uma aula de etiqueta contemporânea.

Ainda sem assimilar se aquilo era um fora ou não, dei de ombros e caminhei para o centro da sala. Palloma e Greg abriram um espaço entre eles e me sentei ali.

— Quem é esse cara? — perguntei sussurrando no ouvido de Palloma — E onde está a Bafo de Cinzeiro?

Palloma se inclinou para sussurrar de volta em meu ouvido.

— Este é o Sr. Alexander Knnox. Ele vai ficar no lugar da professora Rochester.

— Ok, porquê?

— Ela está hospitalizada. Finalmente o cigarro cobrou seu preço.

Eu suspendi as sobrancelhas e anuí.

Agora o galã tinha um nome, Alexander Knnox. E ele lecionava literatura inglesa.

— Perfeito, Srta. Brown — ele disse depois que Elise fez suas considerações sobre a matéria. — Vamos adiante. Eu quero, eu realmente quero, que vocês entrem na cabeça de Archer, quero que se sintam como ele, que tentem prever suas atitudes antes mesmo que elas ocorram no decorrer da leitura.

Palloma levantou a mão timidamente.

— Pois não, Srta. Keller? — ele disse. O novo professor se aproximou e abaixou-se para que Palloma não ficasse com o rosto estendido para o alto.

— A Época da Inocência ganhou um Pulitzer, será que nós... er... bem...

— Eu creio que a turma é perfeitamente capaz de resenhar Edith Wharton, ler e se colocar no lugar de seu personagem é fácil para tantas mentes brilhantes e imaginativas.

Palloma ainda tinha a boca entreaberta quando eu deixei uma risada baixa escapar.

O novo professor desviou os olhos de Palloma para mim, naquele instante eu fiquei calado, instantaneamente. Ele tinha alguma coisa... Era intrigante.

Primeiro, seu olhar de um intenso azul encontrou o meu, senti-me preso a ele. Foi perturbador. Depois, ele sorriu lentamente, os cantos de seus lábios foram curvando pouco a pouco e ele desviou-se para Greg, senti-me estranho no momento em que parou de me encarar, ainda mais do que no instante em que começou.

— Sr. Weston, concorda com a Srta. Keller? Acha que será uma tarefa complexa? Ou concorda com o Sr. Lockhart, que acredita que a tarefa é ridiculamente fácil, a ponto de se tornar risível?

Naquele minuto eu abri a boca para negar, já movia minha cabeça quando Greg respondeu ao professor, deixando-me sem saída, a não ser, calar-me.

— Eu... Eu... Estou com a Palloma, Sr. Knnox, será bastante complexo... — Greg respondeu em um fio de voz.

O professor pareceu considerar o que ele disse e tornou a sorrir no meio de uma bufada. Daí me encarou por um segundo. Meu coração foi na boca quando seus olhos encontraram os meus. Ele tinha um cheiro amadeirado, aroma de perfume caro, e sua pele também mostrava haver cuidado, não se tratava de um professor da rede pública, ele, sem dúvida, lecionava nas escolas particulares. Precisava de tempo para cuidar de si e não seria se matando dando aulas nos colégios públicos.

O professor se levantou e foi outra vez para o lado oposto da sala, mexeu aqui e ali na estante da Srta. Rochester e então pegou um livro, virou-o de capa a contracapa, era o livro cujo nosso semestre estaria pautado, tratava-se dos efeitos da primeira guerra mundial no cenário literário. Alguma coisa tediosa.

Ele retornou ao semicírculo e todos o olhavam como insetos atraídos para a luz. Sentou-se no chão, como todos nós e cruzou as pernas. Estava à vontade. Jeans azul, camisa de algodão branca e a jaqueta escura, usava botas de cadarço, tão limpas e negras que parecia nunca tê-las antes tocado no chão.

— Sr. Santiago, o que acha? Vai conseguir fazer um trabalho à altura do prêmio Pulitzer ou... concorda com a Srta. Keller? Será um trabalho exaustivo?

— Será exaustivo e complexo, Sr. Knnox — Domênico Santiago respondeu de pronto e então sua garganta se moveu, ele engoliu em seco.

— Humm... Curioso — disse o professor, mais para ele do que para nós. — Bem, se alguém acreditar, assim como o Sr. Lockhart, que se trata de um trabalho risível, por favor queira levantar o braço, assim eu poderei classificar a turma de acordo com o grau de dificuldade proposto, e então eu poderei lecionar da mesma forma como eu leciono para os alunos da Universidade da Califórnia.

Se o espanto não fosse audível, suas caras de idiota teriam dado na vista, o professor pareceu satisfeito quando eles ficaram calados, olhos arregalados, alguns boquiabertos, e teve até quem moveu a cabeça negando freneticamente.

Eu revirei os olhos e encontrei o semblante despreocupado do Sr. Knnox. Ele assentiu para a turma e se virou para mim.

— Acho que temos mais um assunto a tratar no final da aula, Sr. Lockhart, e que proveitoso é que após o período de literatura, venha o intervalo, não?

Abaixei os olhos e encarei os meus sapatos. Sabia reconhecer a derrota quando estava diante dela.

O Sr. Alexander Knnox era mesmo um professor universitário. Ele contou algumas experiências e envolveu a turma no decorrer da aula de tal maneira que ninguém julgou ser possível quando o sinal indicou o fim. Apesar de melindrado com o professor, eu não era um tolo do tipo que não perceberia que ele tinha o dom. O desgraçado tinha o dom. Ele palestrava e envolvia. Todos estavam extasiados ao sair da sala.

Pensei que ele tinha esquecido de mim, peguei minha mochila e já me preparava para sair quando ele se pronunciou.

— Com pressa, Sr. Lockhart? Estranho, você não demonstrou o mesmo comprometimento com o horário da minha aula como parece ter com seu... lanche?

Tornei a me sentar e revirei os olhos. Bronca, àquele momento da vida? Sério?

— Sinto muito, Sr. Knnox, eu não sabia que a professora Rochester estava fora...

— Poupe-nos de um discurso, Sr. Lockhart. Seria até mais vexativo que estivesse disposto a deixar uma senhora mais velha esperando sua boa vontade em comparecer à aula. Além disso, tem meu nome aí no horário, logo abaixo do nome da matéria.

— Eu não vi, me desculpe. Eu não me atrasei de propósito, é que eu precisei pegar meu horário na secretaria e...

— E...?

— E?

— Sr. Lockhart, se não estivesse tão empenhado em engravidar aquela Líder de Torcida bem no meio do corredor, teria se atentado ao seu horário, teria visto que não seria a Srta. Rochester e sua exagerada benevolência quem o esperaria atrás da porta da sala de literatura.

Eu abri a boca, mas, absurdamente, não havia qualquer palavra que pudesse sair que causaria o efeito desejado: livrar-me daquela situação opressora.

— Tem razão, Sr. Lockhart, o senhor não sabia mesmo que não encontraria a senhorita Rochester, ou jamais teria se atrasado. Eu não tolero falta de respeito com minha aula. O que denota quando um aluno, qualquer um de vocês, se atrasa, não entrega seus trabalhos, não faz o que deveria... é... é como se eu pudesse ouvir: Não dou a mínima para a merda de faculdade e especializações que fez, Alexander. Se deixou de viver, sair, curtir, foder, para que tivéssemos um bom nível escolar, para que soubéssemos alguma porra de literatura, é um caralho de um problema. Todo. Seu.

Eu engoli em seco. O homem estava falando comigo como se estivéssemos conversando sobre nossas respectivas viagens de férias. E o maldito até tinha um sorrisinho sardônico no canto da boca.

O acompanhei em seu sorriso por pura empáfia. Sei que meu pai sempre dizia que o professor tem sempre razão. Mantenha sua bunda longe de problemas. Etc... etc... Mas, não pude.

— Sabe, Sr. Knnox, eu lamento de verdade que isso tenha acontecido, eu gostaria muito que não tivesse lhe causado tamanho problema, adoraria que não tivesse sido eu a colocar sua reputação como professor fodão na merda — nesse instante ele parou de sorrir e entrecerrou os olhos na minha direção —, sério mesmo. Não pensei que sua reputação fosse frágil a ponto de não resistir a um aluno que se atrasou uns... dez minutos? Quinze, talvez? E de forma alguma eu estou "cagando" em cima do seu diploma, da sua especialização ou da sua trepada reprimida, eu só... precisei lidar com a minha garota. Lamento. Não prometo que isso não voltará a acontecer, porque... bem, eu só tenho 17 anos, estou na puberdade, os hormônios enlouquecidos e um puta de um tesão martelando pelo meu corpo todo — percebi que eu estava falando entredentes e respirei fundo, acalmando-me —, de verdade, eu lamento. Farei o possível para não lhe causar qualquer desconforto na frente de outro aluno, se puder me perdoar, eu ficarei satisfeito. Assim está bom?

Ele ficou calado. Calado tempo demais. Analisou-me, estava certo disso. Manteve seus olhos sobre os meus. Ele era do tipo que encarava, que apreciava uma briga. Mas, adivinha? Eu também.

Knnox anuiu lentamente.

Pensei que estava liberado e já me preparava para levantar quando ele tocou minha perna. Impediu-me de sair, assim como impediu meu raciocínio. Foi uma sensação diferente, perturbadora, uma sensação que eu tinha certeza de que não deveria estar lá, então eu congelei. Fiquei parado, em silêncio, olhando seus dedos delgados sobre minha perna, um pouco acima do joelho, mas não alto o bastante para ser considerado na coxa.

Olhei-o por fim.

Ele retirou a mão e fechou seus dedos, transformando seu punho em uma bola. Ele encarou sua mão fechada. Molhou os lábios na língua rosada. Relaxou os dedos e os abriu. A palma ficou esticada, tensionada. Ele respirou mais forte, o ar saiu de uma vez pelas narinas. Ele pigarreou e mexeu em seus cabelos castanhos, desalinhando-os. Sorriu, encabulado.

— Você é... bastante...

— Sincero? — inquiri.

— Abusado.

Travamos uma batalha de vontades, ambos olhando nos olhos do outro. Como um duelo. Um duelo de vontades. Uma batalha de egos.

— Posso ir? — perguntei por fim. Minhas narinas já estava infladas, e para eu cair em socos e pontapés com aquele babaca no primeiro dia não custava. Nada bom. Entrar no colégio um pouco antes das férias e logo no primeiro dia, ser expulso.

Ele assentiu lentamente. Eu me levantei. Ele se levantou. Encaramo-nos uma vez mais. O professor Knnox era só um pouco mais alto que eu. Afastei-me ainda andando de costas e ele se virou por completo, dando-me as costas, quase uma afronta ao estilo “você não vale nem a discussão, quanto mais, uma olhada severa”. Cheguei até a porta. Revirava os olhos quando sua voz potente se fez audível:

— Quarta-feira, Sr. Lockhart. Chegue no horário. E traga consigo uma resenha sobre o primeiro capítulo do livro de estudo do semestre. Mostre o quanto lamenta por seus hormônios em ebulição.

“Vá se ferrar!”, Minha Nossa.... Isso veio alto e claro em minha mente, mas eu engoli e saí da sala, o filho da mãe queria bancar o superior, falando ainda de costas para mim.

Palloma estava no corredor com os olhos feito pratos e a boca escancarada.

— Diz que não estava discutindo com o professor substituto?!

— Não estava discutindo, o filho da puta me passou um sermão babaca sobre como eu não tenho respeito pela idade da Rochester. É um egocêntrico, escroto.

— Vem, Brice, vamos comer alguma coisa, seu mal é fome... E... devolva minha planilha de horário.

Segui com Palloma até as escadas e era como se os olhos dele ainda estivessem sobre mim. Virei-me, puro instinto. E lá estava ele, parado no batente da porta na sala de literatura. Observando-me. Um arrepio gélido subiu por minha espinha, incontrolável, assustador.

***

Amber tocou a campainha exatamente às 21h07min. Ela disse que iria aparecer. Eu acreditei.

Passei o tempo livre em casa cuidando da minha aparência, fiz a barba, aparei os demais pelos do meu corpo, escovei os dentes e até passei o fio duas vezes. Fazia um tempo desde a última vez que eu estive com uma garota em minha cama. Desde... merda, desde a mudança para San Diego. Minha última garota foi Nelly Shapper, linda, doces e meigos olhos castanhos e uma disposição invejável, além de joelhos fortes, Deus... Ela ficava sobre seus joelhos quanto tempo fosse preciso para nosso prazer.

Amber estava bonita. Diferente sem suas roupas fetichistas. Ora, uma líder de torcida era um monumento ao fetiche masculino. Vestido curto, sandálias de salto, ainda assim, não estava nem perto de equiparar-se à minha altura. Eu abri a porta e ela passou por mim como se estivesse desfilando.

— Sua casa é... hmmm... eu não a imaginei assim.

— Seja bem-vinda, Amber — saudei enquanto trancava a porta. — Como foi que a imaginou?

— Sei lá... Troféus dourados por toda a parte, talvez algumas cabeças de animais...

— Somos só meu pai e eu — expliquei. Não que fosse preciso, mas, para não ser deselegante — Nos mudamos muito. Não compensa desempacotar todos os troféus e medalhas de ouro.

Amber se virou para mim e sorriu, seus olhos brilharam quando a palavra “ouro” veio à luz.

— Quer beber alguma coisa? — perguntei.

— O que tem? Espero que não seja só cerveja...

Eu a olhei inclinando a cabeça para um lado. Amber se virou para continuar inspecionando o ambiente.

— Também tenho cerveja. Mas, eu pensei em algo mais feminino para você, licor, vinho... champanhe.

Agora eu tinha sua atenção. Amber sorriu amplamente e assentiu. Eu sabia. Eu daria meu braço direito se o champanhe não a faria sorrir. Amber era muito preocupada com esses detalhes idiotas sobre o que beberam, o que conversaram, o que comeram, como era o lençol. Enquanto eu só pensava na praticidade de.... Enfim. Por fim.

Abri a garrafa com facilidade, enchi uma taça e dei a ela. Brindamos. Ofereci os morangos que eu tinha comprado no mercado. Ela continuou sorrindo e aceitou. Extasiada.

Eu não sei que porcaria de graça tinha em morango e champanhe. Não tinha nada a ver! Alguma maluca esnobe inventou que era chique e a moda pegou. O gosto... Não combinava! Mil vezes uma cerveja, ou, como aconteceu no Colorado, alguns meses antes, vinho e chocolate, e foi ideia da Nelly, e foi ótimo. Ela me convidou para a sua casa, o porém foi seus pais estarem lá, daí eu subi pela árvore e me pendurei na calha até atravessar sua janela. Ela me esperava com uma garrafa de vinho, velas, frutas e chocolate. Combinava. O gosto era ótimo. Eu estava chapando e daí o doce cortava o barato sem tirar a onda.... Foi... Muito bom.

Amber, ao contrário de Nelly, era uma garota da Califórnia, tinha um jeito atirado e safado, mas, com o refino de uma Nova-iorquina. E como era bonita, sensual, maliciosa.

Depois de três taças, eu estava “felizinho”, ela, com as pálpebras pesadas. Eu quase a mandei de volta para casa, e foi quando ela se ajoelhou ali, no meio da minha cozinha e me olhou com uma promessa implícita. Desafivelou minha calça e me tocou.

Eu revirei os olhos, droga, era gostoso o que ela fazia, o calor de seus lábios em minha pele, os pequenos sons que ela deixava escapar... Amber me soltou por um breve instante, apenas o bastante para falar comigo.

— Minha Nossa, Brice, seu amiguinho é...

— Indigesto? — provoquei.

— Abusado — ela disse entredentes e daí voltou a se concentrar em sua tarefa.

Mensagem subliminar só acontece com recados em imagens, ou funciona também com momentos vividos e palavras ditas?

Eu passei a ter flashes. Frequentes. Atordoantes. Ignominiosos.

Enquanto Amber me tomava com seus lábios, eu me deixava levar pelas sensações, porém, assombrado por um par de olhos azuis. O mesmo par de olhos que me mantinham sob seu escrutínio.

As mãos de Amber subiram por minhas pernas. Tornei a ver os olhos azuis. Flashes. Olhos azuis. Língua rosada. As mãos de nódulos esbranquiçados, atados em um punho apertado. Ela gemeu. Ele respirou mais forte.

Mas que porra é essa?, eu gritava para mim.

Afastei-me de Amber, aquilo não iria evoluir para porcaria nenhuma.

Ela caiu de quadro no piso frio da cozinha. Apoiada em suas mãos, me olhou em confusão. Eu arrumei minha roupa e me coloquei decente.

— Brice?

— Bonequinha, vem cá — eu disse erguendo Amber do chão.

— Eu... Eu... Eu fiz algo de... de... errado? Eu mordi, machuquei?

Diante das palavras de Amber eu apenas neguei e a apertei em meus braços. Precisava dizer algo que fosse bom para nós dois.

— Você é linda, Amber, uma garota sexy e interessante, mas... Acho que exageramos com a bebida e eu acho que você merece um momento único e... impressionante. Não uma noite louca recordada em um borrão.

Ela levantou os olhos e, talvez tenha percebido em minha expressão, ao invés de apreensão, preocupação, e daí sorriu com docilidade.

— Você é perfeito ou o quê? Brice Lockhart, você é um garoto como poucos. Outro em seu lugar estaria mais preocupado em me comer. Você... está preocupado... comigo... — ela disse em um sussurro — Oh, meu Deus, eu vou me apaixonar por você de verdade, Brice. Não sabe como os outros caras, os do time, eles são...

Eu não queria saber dos outros caras. Eu não estava nem um pouco preocupado com o bem-estar de Amber. Eu era um cretino. Eu só estava atormentado por ter, pela primeira vez, tido um problema com o qual não soube lidar. E Amber não calava a porra da boca. Daí eu fiz a única coisa que pude para fazê-la ficar quieta, a beijei. E ao menor sinal que iria tornar a falar, a beijaria novamente. E foi assim que ela se entregou com sofreguidão e quase desmanchou em meus braços sem que eu tocasse em qualquer outra parte de seu corpo.

Deitei Amber, exausta e bêbada, na minha cama e fiquei ao lado dela. Tirei-lhe os sapatos altos e o vestido apertado.

Uau. Ela estava com uma lingerie de matar, foi mesmo a fim de fazer muita sacanagem... A calcinha com abertura frontal que o diga!

Respirei fundo e cuidei da sujeira na sala, enquanto Amber estava desmaiada no meu quarto. Depois de limpar a louça, taças e tigelas de morango, subi apressado para dentro do chuveiro, arrancando minhas roupas, mesmo com o chuveiro ligado, mesmo com o chuveiro já encharcando meu jeans, minha camisa... eu esfreguei-me de um jeito... Queria tirar aquela sensação da minha pele. Provocada pela Amber, mas, de alguma forma absurda, ampliada pelo olhar intenso... dele. Alexander Knnox.

Minha pele estava vermelha e inchada, empolada, arranhada em alguns pontos e a sensação não passava. Era dolorosa. Plenamente dolorosa. Eu queria... Eu precisava... Eu deveria... Não. Eu não deveria... Aquilo... Aquilo era... era nojento! Ele tocou próximo ao meu joelho, eu não deveria sentir...

Minhas mãos ensaboadas foram para onde não deveriam. Eu queria fechar aquelas memórias insanas em um lugar oculto da minha cabeça, mas... Tirei as mãos do corpo e as espalmei na parede de azulejo frio.

Aquilo era ridículo!

Eu não deveria estar atormentado. Ou melhor, ele não deveria estar atormentando meu juízo.

— Empata foda do caralho...

Saí do chuveiro nu e molhado, pouco me importando com a poça que eu criava pelo carpete no corredor. Segui para meu quarto. Amber havia se descoberto. Estava com a cabeça virada para o lado, uma das pernas parcialmente dobrada.

Foi a coisa mais absurda e torpe que eu já fiz na vida.

Eu não podia tocá-la, era... Seria... ainda mais doentio. Então eu toquei a mim, olhando-a. De longe. Louco por exorcizar a sensação de estar sendo observado, de ter Alexander Knnox sob minha pele por culpa de um maldito olhar.

***

— Olá, garanhão — Izabel me recebeu na sala de álgebra com um sorrisinho debochado. Palloma mascava chiclete e ocultava seu sorriso com a cabeça baixa.

— Hã? — eu estava confuso.

— Ah, Brice, agora todo mundo já sabe que você é um predador maníaco, safadão — Izabel debochou e riu alto. Eu ainda estava confuso. O professor ameaçou jogar a caneta com a qual escrevia suas fórmulas se não parássemos com a baderna.

— Mas, de que inferno está falando? — inquiri.

— Ela está falando da sua performance com a sua namorada — esclareceu Palloma —, bem, eu acho que é namorada agora, não é? Depois de tanto fluido envolvido...

— Mas de que diabos vocês estão falando?

— Brice você tem probleminha?

Eu neguei e me concentrei no que iria dizer Izabel.

— Amber contou para o colégio inteiro que vocês transaram como coelhos ontem!

— O quê? — inquiri. Sabia estar fazendo careta, mas... dane-se.

— Isso mesmo — confirmou sua irmã e cópia física, Palloma. — Ela chegou flutuando, disse que acordou toda... ammm.... — ela procurava as palavras.

— Melada de porra — Izabel não tinha o mesmo problema em encontrar as palavras adequadas.

— Ela está louca! — eu disse.

Palloma se virou para mim com o cenho franzido.

— Como assim? Não teve encontro nenhum?

— Bem... — eu comecei — teve, mas...

— Você usou camisinha, Brice? — inquiriu Izabel meio que sussurrando para que o professor de álgebra não ouvisse.

— Hmmm... Não. Mas é que....

— Putz! — Izabel fechou os olhos com força e bateu na própria testa. — Cara, reza para ela estar no controle de natalidade, ou você está correndo um risco enorme de ser papai.

— Hã? Quê? Não!

Uma figura esguia parou ao nosso lado.

— Sr. Lockhart, irmãs Keller, terei de pedir que saiam da minha aula logo na primeira semana? — a voz calma do professor nos fez calar e negar com leves movimentos de cabeça.

Ele se afastou e eu puxei uma folha de caderno.

“Rolou uma coisa, sim, mas... Não foi do jeito que ela está falando, como se fôssemos ninfomaníacos!”

Passei o papel para Palloma que leu e passou para sua irmã, sentada ao seu lado.

O papel voltou.

“Seja como for, prepare-se para um intervalo inesquecível, Brice. O colégio inteiro está comentando sobre a farra sexual de vocês”. Era a letra de Palloma. Eu revirei os olhos e enfiei a cabeça na dobra dos braços. Tudo o que eu não precisava.

*

Amber se esgueirou pelo canto da pilastra, estava trajando seu uniforme de líder de torcida e estava ofegante, se eu tivesse que arriscar, diria que saiu escondida de um treino.

— Brice! — ela me chamou com um sussurro que mais parecia um grito.

Eu virei a cabeça para o lado, sabia que ela estava ali. Amber sorriu e depois mordeu os lábios nos dentes. Eu respirei fundo e me levantei. Deixei sobre a mesa, o livro aberto na página, e fui até ela.

— Oi — cumprimentei sem muita emoção.

Amber se jogou em meus braços e apertou a boca na minha quase que dolorosamente.

— Oi! Senti sua falta — ela disse.

Do jeito como Amber estava me olhando e sorrindo, eu tinha quase certeza de que ela não se lembrava de porcaria nenhuma do que aconteceu entre nós.

Claro. Idiota que eu era.

A garota acordou e percebeu seu abdome melado com meu sêmen, sem suas roupas, na minha cama... Não precisava ser um gênio para deduzir o que havia acontecido. Muito embora nada tivesse acontecido.

— Você fugiu? — eu perguntei sentindo o calor e o suor do corpo de Amber.

— Sim! — ela respondeu com entusiasmo. — Eu precisava te ver, Brice! Eu... na verdade eu queria...

Amber me beijou quando percebeu que a coragem falhou. Alguém clareou a garganta, forte o bastante para que Amber me soltasse e saltasse para o lado. Eu fechei os olhos, respirei fundo e me virei. Era ele. Era o desgraçado. Alexander Knnox.

— Eu não queria atrapalhar, mas... parece que... vocês estão bloqueando o livro que eu preciso.

Eu respirei fundo e segurei Amber pela cintura, girando-a para o outro lado, Amber, sem perceber o que eu faria, soltou um gritinho surpresa e uma risadinha, segurando-se em meus ombros.

O professor pegou o tal livro. Amber e eu estávamos grudados no corpo do outro poucos centímetros distantes do professor. Ele não olhou para trás. Eu estalei um beijo molhado nos lábios de Amber e ela resfolegou. Eu não sei o que me deu, mas, me pareceu justo aquela compensação. Aquele ato rebelde em lhe dizer: Eu sou dono das minhas vontades!

O Sr. Knnox se afastou sem falar coisa alguma.

Amber se agarrou um pouco mais a mim e mordiscou meu queixo. Naquele momento eu olhei para o lado. Ele havia parado e se voltado para nós, encarava-nos. Era... perturbador.

— Espero que esteja progredindo com o trabalho da resenha para amanhã, Sr. Lockhart, e que bom que a sua garota — ele fez questão de usar o termo que eu usei com ele — provavelmente o está ajudando.

E com essa o maníaco saiu. Sempre com aquele olhar estranho, como se... como se pudesse me despir somente com o pensamento. Aquilo era... estranho.

Afastei Amber e toquei seu rosto com a ponta dos dedos.

— Bonequinha, vai pra sua aula, vai... Eu preciso terminar um trabalho, o imbecil do professor já fez piadinha.

Amber sorriu, me beijou e se foi.

Eu levei um tempo parado, respirando apressado. Olhos fechados, tentando entender que merda estava acontecendo comigo.

E eu ainda tentei por horas, mesmo quando cerrei os olhos, deitado na minha cama, ainda podia sentir o olhar do Sr. Knnox vasculhando a minha alma.

***

— Creio que a grande sacada aqui, meus amigos, seja o impasse de Archer, ele está noivo de May Welland, ele sabe que o caminho certo, o caminho que precisa seguir é o do altar, que deveria se importar apenas e tão somente com May, porém, agora, para complicar a vida dele, há Ellen Olenska, a condessa, prima de sua futura esposa. Conseguem sentir o que se passa com Newland Archer? O conflito é tangível, pungente!

O professor Knnox já não estava mais sentado, ele andava pela sala, gesticulava, tentava fazer-nos sentir o que se passava no coração de Archer.

— Ele deveria ficar com as duas — comentou Greg com uma risada.

Junto com eles, outros riram. Eu acompanhei a reação do professor. Primeiro, seus olhos se tornaram uma fenda e ele tinha uma expressão predatória no rosto, sua postura não estava muito diferente disso. Então cruzou os braços, como quem se impede de agir, restringindo seus movimentos. Encostou-se na lousa limpa e fechou os olhos. Respirou fundo. Fechou a cara. O semblante de caçador fora trocado por um outro, um sério e preocupado. Ele piscava, mesmo com as pálpebras fechadas, era um movimento rápido de cílios e suas sobrancelhas se moviam... Como se ele estivesse considerando algo.

Ele abriu os olhos e encarou Greg. Passou os olhos pelo restante da turma e disse alto o suficiente para ser ouvido do outro lado da porta cerrada:

— Eu a quero! Eu a desejo! Eu preciso do seu corpo! Mas eu tenho uma noiva, porra! E ela, a outra... — agora sua voz suavizava — Ela.... é quente, é sexy, me envolve, me deixa maluco! E tem uma puta de uma personalidade forte. Ela quer se divorciar. Ellen me quer! Mas quem eu sou? — então ele gritou: — Quem eu sou, Gregory Weston?

Greg ficou abrindo e fechando a boca como um peixe fora d’água.

E quem não estava impressionado até aquele momento. Ficou.

O professor veio andando rápido e se ajoelhou na frente de Greg, segurou-lhe o rosto nas mãos e parecia sofrer quando proclamou sussurrando:

— Eu sou um Archer, eu sou um Archer, eu tenho o peso do meu nome. Com May eu terei uma maldita vida enfadonha, porém, segura. Enquanto que Ellen me oferece a desgraça em uma sopeira de cristal e bandeja de prata.

O professor soltou o rosto de Greg e olhou para Libby, ela estava boquiaberta.

— May — ele disse —, você permitiria que eu saísse em pune por traí-la? Por fazê-la de tola perante toda a sociedade nova-iorquina?

Libby moveu a cabeça de um lado para o outro lentamente.

— Não. Claro que não.

O professor retornou para seu lugar no semicírculo e se abaixou, não se sentou, manteve-se acocorado.

— Eu disse, Sr. Weston, para que sentissem o personagem. Archer tinha uma vida importante para cuidar. Nome, posição... Será que alguém se lembra o porquê de ele ter se atrasado para a Ópera? Logo no primeiro capítulo?

Algumas mãos dispararam para o alto, mas Knnox se virou para mim.

— Sr. Lockhart. Consegue esclarecer a questão?

Eu pisquei algumas vezes. Aquele homem era completamente maluco. Tratou-me como se eu fosse uma ameaça, na biblioteca do colégio. Agora, pedia para que eu lhe desse a resposta correta. E por mais bizarro que pudesse parecer, eu podia sentir que estava torcendo para que eu lhe desse a resposta correta. Havia um pedido oculto em seus olhos: Não me decepcione, Sr. Lockhart.

— Archer se preocupava com o que seria de bom tom, com a etiqueta.

Ele bateu as palmas e apontou para mim.

— Ele enrolou com o cigarro, enrolou no caminho, atrasou-se de propósito apenas para cumprir um requisito de etiqueta, uma vergonha pela qual ele não poderia fazer sua família passar, não chegar atrasado na merda de uma Ópera.

As garotas riam baixinho quando ele falava palavras de baixo calão, os caras assentiam, era como se Knnox fosse o camarada de cada um ali.

— Agora, se chegar no horário era algo terrível, senhores. Qual seria a equivalência para se unir em pecado com a prima de sua noiva? Uma mulher que pensava seriamente em divorciar-se?

— Abominável.

Minha voz saiu baixa, porém, audível. A sala estava silenciosa. Eu não ousava desviar os olhos dos meus tênis, eu não precisava de mais da intensidade do olhar do professor Knnox sobre mim.

— Exato — ele respondeu também baixinho. — Bem, meus queridos e inestimáveis alunos, faltam cinco minutos para o fim da aula, podem ir andando, suas vidas agora são de vocês — ele disse em tom de brincadeira arrancando risadas de um e outro.

Eu me levantei junto com os demais. Já estava a meio caminho da porta quando ouvi a voz de Knnox.

— Menos o senhor, Sr. Lockhart. Sua vida ainda me pertence.

— Como é? — inquiri chocado.

Palloma seguiu para fora da sala e sinalizou que me esperaria.

— Nós ainda estaremos conectados, Sr. Lockhart, pelos próximos cinco minutos, ao menos.

Eu abri a boca para um protesto, mas ele atalhou-me.

— Diga que trouxe a resenha — ele pediu.

Deixou sua mesa e se virou para mim, caminhando na minha direção, deixando-me ciente de sua presença, de seu olhar e escrutínio sobre mim.

— Eu trouxe — respondi entredentes. Peguei a folha e estendi em sua direção.

— Eu agradeço — ele retorquiu com gentileza. Tirou a folha de minha mão e passou os olhos, sorrindo.

Eu o olhei, satisfeito, estava a um passo de sair quando ele amassou meu trabalho. Meus olhos quase saltaram do rosto.

— Mas que porra...

— Isso está uma bosta, Sr. Lockhart. Sugiro que retorne ao básico de seu idioma, para seu próprio bem, é claro, sabe... problema com os verbos transitivos indiretos, falta coesão, enfim... Está medíocre. Se estivesse estudando ao invés de estar tentando engravidar sua namorada pela biblioteca... O que foi, Sr. Lockhart? Depois de ter sido flagrado por mim no corredor, agora está buscando cantinhos pelo prédio?

— Professor, não me leve a mal, mas é provável que o senhor tenha problemas com a felicidade alheia.

— Problemas com a felicidade alheia? — ele inquiriu de um jeito estranho. Pasmo com minha ousadia, talvez.

— É o que parece. Comigo... com o coitado do Archer, que sem dúvida renunciou ao sexo sem compromisso, bom e louco com a condessa, para ficar com a insossa da May... Parece que o senhor até gosta de sofrer. Isso é patológico?

Eu já me julgava ganhador. Alexander Knnox, o professor fodão de literatura, estava com as sobrancelhas suspensas e a boca entreaberta.

Mas então, ele sorriu. Eu permaneci no mesmo lugar. Ele me rodeou, parou atrás de mim por um segundo e se inclinou para falar em meu ouvido:

— Eu não gosto de sofrer. Mas... adoro infringir um pouco de dor... — ele disse, eu estava me afastando quando ele tocou meu braço impedindo-me de seguir adiante — desde que o prazer seja o ponto focal.

Afastou-se e eu me senti ouvindo zumbido, estática, aquilo foi... surreal.

Quando me virei para uma resposta à altura, ele já não estava mais na sala. Eu passei tempo demais assimilando o que aquelas palavras significavam, mal consegui me equilibrar em minhas pernas.

Aquele homem não era normal.

***

O restante da semana passou em um piscar de olhos.

Eu precisava fugir daquela porcaria, precisava me distrair e tirar Alexander Knnox da cabeça, ele era um maníaco, quanto a isso, não havia dúvida.

Eu matei tudo o que se movia da Colina das Nuvens até a Cidade Central. Com uma hora de jogo eu já estava um nível acima e tinha uma pedra excelente para fundir com a armadura negra, era valiosa, desde que eu a vendesse para o ferreiro (daí eu perderia 20% do lucro), ou para um dos humanos.

Toc-toc, foi o som insistente da mensagem de duelo. Não havia nenhum outro combatente por perto, ainda assim, aceitei o desafio. Também servia como um localizador no jogo, os personagens que iriam duelar poderiam se encontrar em um local apropriado mais rapidamente.

Olá, olá, olá! Sumiu a semana toda, o que aconteceu? — perguntou Frost.

Problemas no colégio — respondi. — O que você manda?

Nada. Tudo. O de sempre — ele escreveu.

Hey... sua armadura é negra, nível 85, correto?

Não mais, dude, eu upei duas vezes essa semana. 87 agora! Hehehe.

Ok, eu fiquei para trás.

Tenho pedra rara da lua, leva na forja e aumenta o dano da sua peiteira em 16%. Vai?

Se eu quero? — ele perguntou.

Isso. Tá afim?

Manda. Espera, quanto?

Nada, dude. Tô te dando — respondi.

Quanta generosidade... Tão bonzinho... O que está acontecendo? — ele inquiriu e eu não soube o que responder de imediato. Enviei a pedra para a conta dele, no jogo — Muito obrigado.

Tranquilo.

Passamos um tempo com outros jogadores antes de formarmos um grupo, faltava um para que pudéssemos entrar no Reino Sombrio. Frost me chamou em chat privado outra vez.

Como foi a semana? — ele perguntou.

Como foi a sua? — desconversei.

Interessante... Conheci alguém.

Hmmm... Alguém é bom (risos eternos da sua carência) — retorqui sorrindo.

Haha-ha

Levantei e fui pegar um pedaço de pizza. Quando o Apolo chegasse, iniciaríamos um turno já marcado desde duas semanas atrás, e daí, me ausentar do computador poderia resultar em colocar a “missão” em risco.

Quando voltei, tornei a implicar com Frost, meu passatempo favorito dos fins de semana de jogos.

Mas fala. Esse alguém... Sexy pelo menos, ou cara de carranca? (ainda rindo da sua carência) — impliquei.

(poupe suas risadas) É sexy. Parece ser quente. Tem lindos olhos verdes. Cabelo meio castanho, corte clássico, com a franja caindo no olho... bem... interessante.

De cara parece sexy. E de corpo? — perguntei.

Magreza fingida. Músculos no lugar certo... Eu tento não ficar olhando.

(ainda rindo da sua carência, Frost) “Eu tento não ficar olhando”, tradução: Eu tento não ficar secando. Essa delícia tem nome? — perguntei.

Claro que tem nome! Mas, não é da sua conta. Além do mais, só vou poder olhar, de todo jeito. Romance proibido — ele respondeu com o emoticon de uma carinha triste no final da mensagem.

Ela tem namorado — escrevi afirmando o óbvio.

Não quero entrar em detalhes. Mas, sim. Há outra pessoa na jogada — ele respondeu com um emoticon chorando.

(lágrimas? Caso sério de carência aguda, Frost). Vai tocar uma pra não bancar o adolescente espinhento.

Não seja babaca — ele escreveu em resposta. Naquele momento o personagem do mago entrou no jogo e se juntou a nós ao lado dos portões do Reino Sombrio. Finalmente Apolo tinha logado no jogo.

“Olá rapazes. Beijinhos. Desculpe a demora”, a mensagem apareceu para o chat do grupo. Apolo era uma garota, na verdade, a única do grupo. Ela jogava com dois personagens masculinos, mago e bárbaro.

Eu estava para encerrar o chat privado com Frost, mas, não perderia a oportunidade de uma implicância final:

Vamos lá, você lidera o grupo... Sofredor.

Há prazer na dor, Wild — ele respondeu e eu travei. Foi a segunda vez naquela semana que eu ouvia a expressão.

Liguei o headset para que começássemos o jogo, de fato.

A voz dele invadiu o sistema e se infiltrou em meus ouvidos. Gelei. Senti um arrepio frio subir por minha espinha.

— O Reino Sombrio é nível 90, é tenso, cuidado com as formigas e os bestantes. São tóxicos. Apolo, fica na retaguarda para a benção e ressurreição. Enabled vai na frente com o Bárbaro e abre caminho. Solon, você é o arqueiro, fica perto do mago e protege a retaguarda. Wildheart e eu vamos pelo meio, logo atrás do Bárbaro — ele instruiu e a cada palavra eu tinha mais e mais certeza de que não era minha imaginação. O cara com quem eu conversava... Com quem eu me diverti nos jogos, duelos, nos últimos meses era...

Eu joguei o fone de ouvido para longe e me levantei da cadeira quase tombando para trás. Os passos que dei afastando-me do computador foram insuficientes. Bati as costas na parede. Minhas pernas tremeram. Eu senti seu perfume outra vez, presente, registrado em minha memória olfativa. Tentei me livrar da sensação ao fechar os olhos, espremendo-os. Foi pior. Os flashes dos seus olhos azuis sobre mim, intenso. Seu hálito quente em meu ouvido...

Eu não gosto de sofrer. Mas... adoro infringir um pouco de dor... desde que o prazer seja o ponto focal.

Ele arruinou minha noite com Amber.

Ele arruinou minha percepção de realidade.

É sexy. Parece ser quente. Tem lindos olhos verdes. Cabelo meio castanho, corte clássico, com a franja caindo no olho... bem... interessante. Magreza fingida. Músculos no lugar certo... Eu tento não ficar olhando. Romance proibido.

Não. Não. Não. Aquilo... Não era certo! Não.... Isso era... Não!

Meu reflexo desesperado no espelho do quarto era a imagem do descontrole. Isso não era possível. Ninguém poderia apenas chegar e... E se infiltrar em meus pensamentos, em minha vida, no meu corpo.

Eu precisava tomar de volta o controle de mim mesmo!

Apesar das mensagens no computador, e de ouvi-lo chamar meu nickname, eu não conseguia reagir. Tudo era estática outra vez. E eu era capaz até mesmo de ouvi-lo sussurrando em meu ouvido: Romance proibido.

Meu personagem foi abatido e o Mago me ressuscitou. De repente eu tomei o controle outra vez. Ele não iria me desestabilizar.

— Estou aqui — respondi com a voz falha —, internet deu problema. Vamos lá.

Foi a vez de Frost ficar parado. Seu personagem estava recebendo dano e eu fui até lá salvá-lo, estava longe do Mago, poderia pôr todo o jogo de meses em risco e teríamos que recomeçar, perdendo benefícios, além de que o jogo reiniciaria a missão com mais perigo. O Bárbaro voltou e também me ajudou a defender o líder enquanto seu personagem ficava parado no meio do caminho.

Depois de um tempo, quando já estávamos cansados de batalhar e a tela era uma explosão de luzes e raios, um atrás do outro. Ele retornou.

— Sim. A... internet está ruim aqui... também — respondeu. Estava tão ou mais desestabilizado que eu.

E foi apenas por eu notar essa fragilidade dele que eu deixei de pensar que ele era um vilão. Que talvez sempre soubesse quem eu era. Frost, ou melhor, Alexander Knnox, estava preocupado, tanto ou mais que eu. Ele escreveu coisas.... Coisas que não deveria ter aberto para mim, para qualquer outra pessoa em nossas posições.

Quando terminamos a primeira fase do jogo, no Reino Sombrio, todos se despediram.

Nossos personagens ainda permaneciam online. Havia tensão entre nós. Ele desligou o sistema de voz. Eu fiz o mesmo.

Sério? — ele perguntou de repente, quebrando o silêncio constrangedor.

Você sabia? — foi a pergunta que me veio em mente.

Não — respondeu-me prontamente. — Eu tenho que ir. Tenho uma aula para preparar.

Certo.

Você deveria estar estudando.

Meu trabalho estava bom. Meu professor que é um pau — retorqui.

Ele deve ser, se quer formar bons alunos...

Meu professor de literatura é um carrasco que está me atormentando.

Atormentando? Por fazer você estudar? Se esforçar mais? — ele perguntou.

Não. Ele me atormenta fora da sala de aula também — escrevi com honestidade. Dane-se, se eu estava sentindo aquela angustia, ele deveria sentir também.

Como assim? — ele inquiriu depois de um tempo.

Meus pensamentos. Isso... é... ruim, eu acho.

Brice, você pode vir até aqui?

“Aqui”...?

Na minha casa. Pode?

Sim, e eu precisava ir. Precisava resolver aquele tormento. As imagens dele, as minhas, juntos.

***

Alexander abriu a porta de sua casa em um dos condomínios mais exclusivos de San Diego. Olhou-me daquele jeito dele. Intenso. Chegou para um lado e deu passagem para que eu entrasse. A sala, cheia de objetos de arte. Livros para todo o lado. Mobília requintada. Ele tinha bom gosto.

— Está sozinho? — perguntei.

— Você mentiu — ele lançou sua acusação sem mais nem menos.

— Menti? — inquiri dando as costas à sala e o encarando.

— Sim. Você não tem 18 anos.

— É eu não completei ainda. Só em dezembro.

Alexander anuiu. Ficamos nos encarando por um tempo. Meu coração batia descompassado, sobressaltado. Nada do que eu deveria sentir.

— Eu tenho 35 anos — ele disse interrompendo o silêncio perturbador.

— Você fez alguma coisa comigo — acusei.

— Eu não fiz nada com você — ele respondeu com o cenho franzido.

— Fez. Fez sim. Com a minha cabeça.

— Se for assim... Estamos com o mesmo problema — ele retorquiu entredentes.

Eu lhe dei as costas e andei pela sala. Engoli em seco pensando o que mais eu poderia dizer. Eu queria afastá-lo. Eu precisava afastá-lo. Aquilo era errado.

Mexi em uma estatueta na estante. Ainda me decidia sobre o que dizer quando suas mãos seguraram a prateleira de cada lado do meu rosto. Eu não sabia o que fazer. Eu deveria sair dali. Mas não pude. Não conseguiria me mover nem se minha vida dependesse disso.

Respirei fundo. Ele também, porém, o ar abandonou seus pulmões pela narina. Seu peito tocou minhas costas. Meu coração quase arrebentou.

Eu estava tenso e apreensivo.

Alexander tocou minha orelha com seus lábios e seu hálito quente arrepiou-me inteiro. O aroma amadeirado de seu corpo me envolveu. Sem qualquer controle sobre mim, eu fechei os olhos. Senti seu corpo abarcar o meu e sua língua morna serpentear em meu pescoço. O que aconteceu em seguida foi assustador para mim. Meu corpo reagiu quase que instantaneamente. Eu estava duro.

Respirei ainda mais apressado. Aquilo estava errado!

Me virei para sair daquela armadilha e ele não se moveu um centímetro sequer.

Continuava me olhando de um jeito sério. Seu maxilar estava trancado. Ele desviou o olhar do meu quando eu abri a boca para pedir que se afastasse. Ao invés de sair. Ele afundou sua boca na minha. Eu o empurrei em seguida. Atônito.

— Um beijo, Brice. Apenas um beijo.

— Não!

— Você precisa sair dos meus pensamentos. Eu preciso sair dos seus. Deixa eu te beijar direito e então vá embora. Isso nunca terá acontecido. Vamos viver nossas vidas como... não sei... amigos?

— Foda-se, não!

Alexander avançou para mim e segurou meu cabelo. Eu tentei lutar, mesmo sem qualquer convicção. Afastar meu rosto do dele. Até pararmos de nos mover. Alexander manteve seus dedos em meus cabelos, puxando minha cabeça para trás. E dessa vez ele anunciou o beijo. Primeiro, sua língua tocou meu lábio superior. Depois, sua boca sugou meu lábio inferior. Ele ofegou. Eu arfei. Merda, eu estava mesmo duro e aquele beijo só piorou tudo. Alexander tomou minha boca e nossas línguas se tocaram, timidamente, a princípio, até que só havia sofreguidão.

*

Naquela noite, depois do beijo, nos afastamos. Mal nos falávamos durante as aulas. E o que deveria ser o ponto final foi se tornando insuportável. Eu sonhava constantemente com seu toque e eu ansiava por senti-lo uma outra vez. Era certo que o mesmo acontecia com Alexander, ele parecia sofrer. Apesar de ter domínio sobre a matéria, sobre suas aulas e seus alunos, eu era capaz de perceber a cada desvio de olhar, o quanto ele precisava de mim, o quanto me queria. E eu não podia mais ficar com Amber, e lhe disse adeus.

Duas semanas depois eu apareci de surpresa em sua casa. Ele estava com uma dose de whisky na mão e arregalou os olhos quando me encontrou ali.

— Está sozinho? — perguntei e ele anuiu movendo a cabeça.

— O que está fazen...

— Cala a boca — eu o atalhei —, não fala nada. Chega. Chega — eu disse e ele entrecerrou os olhos.

Passei por ele, apressado. Alexander fechou a porta da sala e deixou o copo, cautelosamente, sobre a mesa de vidro. Ele ouvia jazz e estava vestindo apenas uma calça de moletom escura. Ainda estava com os olhos entrecerrados quando eu passei minha camisa por cima da cabeça. Então ele abriu a boca, surpreso.

— Brice.... O que está...?

— Foda-se, Alexander. Foda-se!

Eu o beijei.

Eu.

Foi um beijo apressado, havia necessidade contida. Medo. Raiva. Eu não queria sentir aquilo. Eu o odiava por me fazer sentir daquele jeito. Por precisar do toque dele. Das mãos e da saliva.

Eu precisava dele e o odiava por isso. E me odiava na mesma proporção.

Se nós transamos? Não. Aquilo não foi uma transa. Era muito parecido com fazer amor, mas, de um jeito completamente novo para mim. E eu gostei. Eu gostei e precisava de mais. Eu sempre precisaria de mais de Alexander, do corpo dele sobre o meu, da sua boca em minha pele e de como eu o tomava inteiro. De como ele me fazia gozar como nunca antes. Houve um pouco de dor, sim, porém, havia muito mais prazer envolvido.

Ficamos juntos naquele fim de semana. Foi utópico. Confuso. Delicioso. Nos despedimos no domingo. Alexander me abraçou forte e nos beijamos, um incrível beijo de boa noite e então fui para casa.

Estava bem. Meu pai e a tenente Salt estavam conversando na varanda. Eu acenei e entrei. Ele estava feliz com ela. Eu estava feliz por ele.

Na segunda-feira, contente com o rumo que minha vida estava tomando, comecei a entender a mim mesmo, era sobre como eu não deveria me envergonhar de sentir, apenas... sentir. Me deixar levar.

Estanquei quando vi as carteiras no lugar. Meus colegas entravam na sala de literatura também sem entenderem a arrumação. E foi quando uma mulher entrou, meia idade, jeito cansado.

— Bom dia, pessoal, eu sou a professora Glenda Willians...

Eu não ouvi mais nada. Ninguém estava entendendo coisa alguma. Eu saí da sala, ignorando o chamado de Palloma e da professora. Fui até a secretaria andando apressado.

Bati no balcão chamando a atenção da secretária.

— O que aconteceu com o professor de literatura, o Sr. Knnox? — eu perguntei nervoso — Ele está doente?

— O professor Knnox se demitiu na sexta-feira.

— O quê?

— Se demitiu — ela repetiu.

Deixei a secretaria e corri para fora do colégio, pedalei o mais rápido que pude para a casa dele. E quando cheguei, estava ofegante e mal conseguia falar.

O porteiro sorriu para mim, ele sabia que eu tinha passagem livre, ainda assim, parou-me.

— O Sr. Knnox já foi — ele informou.

— Como assim? Foi para onde? — perguntei, quase gritando.

Ele deu de ombros.

— Pediu um táxi para o aeroporto e já estava atrasado.

— Um táxi? Quanto tempo? Eu... — Nunca chegaria a tempo.

— Ele saiu muito cedo, umas cinco horas, mais ou menos — o homem informou e eu olhei o relógio. Oito horas. Ele foi embora.

Pus as mãos na cabeça e ri. Gargalhei. Filho da puta! Se demitiu na sexta-feira. Ele sempre soube, desde o momento que entrei em sua casa, no sábado à noite, que estaria fora da minha vida na semana seguinte. Desgraçado!

— Deixou isso — O homem me entregou um envelope branco e eu o peguei com força, quase o arrancando de suas mãos.

Amassei o envelope de tão apertado que segurei e fui embora.

Eu li e reli aquelas palavras.

E eu odiei Alexander Knnox.

"Brice, lamento. Não posso ficar. Amei cada segundo. Mas até dezembro, em nossas posições, na cidade... esse é um romance proibido. Sinto muito.

A."


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Foi de coração. E que desafio! Feliz 2016, amiga. Beijos, beijos!