A única coisa em que Scott conseguia pensar era em como ele se tinha metido naquela situação. Como é que ele tinha sido assaltado e, para além de acabar com o nariz a sangrar, tinha ficado sem telemóvel, dinheiro, com exceção de alguns trocos, relógio e chaves de casa e do carro. Porra, até o casaco lhe tinham roubado e estava a chover torrencialmente!

Rapidamente, sem sair do lugar onde estava, pensou quais eram as possibilidades que tinha para ir para casa. Podia ir a pé, mas isso seria uma caminhada de pelo menos quarenta minutos à chuva; podia ligar aos pais, mas isso implicaria admitir que tinha saído de casa quando os pais tinham deixado claro que ele não podia e, naquele momento, não lhe apetecia ter os pais a gritarem-lhe quando ele só queria ir para casa; podia ligar a um dos seus amigos, mas isso implicaria ter que os ouvir a rirem-se dele até chegar a cada e, de qualquer maneira, ele não sabia o número de nenhum deles. Se ele queria chegar a casa vivo, sem apanhar uma pneumonia ou alguma doença parecida, ele teria que ligar a Kath, a sua ex-namorada, a única pessoa de quem ele sabia o número.

Com a decisão tomada, ele apressou-se pelas ruas da pequena cidade até a uma das paragens de autocarro mais próximas, onde ele sabia que existia uma cabine telefónica perto.

O telefone não precisou de tocar quatro vezes para Kath atender.

— Sim?

— Kath? É o Scott. Preciso de ajuda.

— Scott? Está tudo bem?

Algo nele se aqueceu ao ouvir a preocupação na sua voz. Ele não a merecia, definitivamente.

— Não. Eu estou na cidade e… Bem, isto vai parecer muito mau, mas eu fui assaltado e… Bem, está a chover para caraças e eu não tenho maneira de voltar. Consegues, tu sabes... Consegues vir buscar-me?

Ele ouviu um suspiro do outro lado.

— Eu vou tentar ver o que posso fazer, não te preocupes. Onde estás?

— Na paragem de autocarro, aquela à beira da farmácia, sabes?

— Ok. Fica aí. Vou tentar chegar o mais rápido possível.

Scott agradeceu e desligou. Sentou-se no banco da paragem, tentando fugir à chuva o mais possível. Embora o coberto não fizesse muito para o proteger da chuva, ajudava a protegê-lo do vento enquanto esperava.

Enquanto esperava entreteve-se a observar o pouco movimento da noite, embora se tenha aborrecido rapidamente. Se não estivesse tanto frio, ele teria adormecido.

Ele não soube quanto tempo passou até um carro, um BMW preto, parar em sua frente.

O condutor apitou para ele entrar e o seu coração parou. Não! Qualquer pessoa menos ele.

A janela do lado do pendura, a mais próxima dele, abriu-se, e a voz alta de Liam Jacobs, o irmão de Kath, chamou-o:

— Entras ou não?

Scott pensou rapidamente: seria melhor fugir ou passar os próximos minutos num carro com Liam? A chuva e o frio facilitaram a sua decisão.

Levantou-se do banco e abriu a porta do carro, entrando de seguida. O calor envolveu-o, fazendo com que ele se arrepiasse. Pôs o cinto ao mesmo tempo que sentia o carro voltar a andar.

— Aqui.

Liam pousou um casaco no seu colo. Scott não sabia aonde é que ele o tinha ido buscar, mas também não estava interessado. Vestiu-o, mesmo já tendo posto o cinto, e perguntou:

— Tens lenços?

— Na porta. Também tens bolachas no porta-luvas, se quiseres.

Scott aceitou as duas coisas. Durante os cinco minutos que se seguiram, nenhum deles disse nada, embora Liam tivesse ligado o rádio a um volume baixinho e Scott tivesse começado a comer.

— Então, o que é que aconteceu mesmo?

Scott olhou para Liam quando este falou, mas não respondeu imediatamente. Preferiu observá-lo a conduzir. Scott sabia que ele pouco mais de dez anos mais velho que ele e Kath. Embora não fosse tão alto ou tão forte como ele era, Liam tinha um bom corpo. Os cabelos loiros, mais claros que os de Scott, estavam penteados para cima e os olhos azuis, iguais aos da irmã, desviaram-se para ele quando não recebeu resposta. Por fim, respondeu:

— Fui assaltado e fiquei sem dinheiro e sem carro.

— E com a cara lixada.

— Sim, isso também. — Scott sorriu levemente.

Ficaram os próximos minutos em silêncio, até Liam acabar por falar, quando pararam num sinal vermelho.

— Porque é que tu e a minha irmã acabaram, Scott? — perguntou, olhando para ele.

Por uns momentos, ficou confuso. De onde tinha vindo a pergunta. Depois, Scott pensou em mentir, mas qual seria o ponto?

— Eu meio que comecei a gostar de outra pessoa. — Acabou por responder.

— Quem? — Liam perguntou, sem hesitar.

— Não é do teu interesse.

Mesmo estando virado para a frente, Scott conseguiu ver o sorriso malicioso que se formou no rosto de Liam.

— Queres jogar um jogo? — perguntou.

— Que jogo?

— É meio como verdade ou consequência. Fazemos vinte perguntas um ao outro, alternadamente, e temos que responder honestamente. Mas só podemos responder sim ou não.

Scott ponderou a situação. Por um lado, não queria jogar, com medo de revelar algo que não devia. Por outro, eram só vinte perguntas, com respostas só de sim ou não, e ele sempre podia mentir.

— Vamos a isso. Começa tu.

— Ok. Tu podias sair de casa hoje?

Scott riu-se com a pergunta. Liam estava a tentar arranjar informações para o pôr em sarilhos? Mas, se ele queria começar assim, não havia problemas nenhuns para Scott.

— Não. Estás interessado em saber quem é a pessoa que fez com que eu e a tua irmã acabássemos?

Liam hesitou:

— Sim. Estou curioso. Alguma vez beijaste um rapaz?

Scott olhou para Liam, perguntando-se aonde é que o outro queria chegar.

— Não, e tu?

— Já. Acabaste com a minha irmã por causa de uma rapariga?

A resposta estava na ponta da sua língua. Claro que ele responderia que sim. Era agora a hora de ele começar a mentir.

— Não. — Sentiu-se corar. Porque raio é que não tinha mentido?

Liam, por sua vez, riu-se levemente, com o sorriso maldoso a enfeitar-lhe outra vez a cara.

— É tua vez de fazeres uma pergunta — lembrou-o.

Scott esforçou-se para pensar numa pergunta, que só precisasse de sim ou não como resposta.

— Alguma vez fizeste sexo com um rapaz? — Acabou por perguntar, ajeitando-se no seu banco.

Liam voltou a rir-se.

— Yup. Estás interessado em saber como é que é fazer sexo com um rapaz?

Mais uma vez, Scott pensou em mentir, antes de decidir que não valia a pena. Afinal, o que é que o outro podia fazer com esta informação? Scott sabia que ele podia facilmente divulgá-la, mas, honestamente, não acreditava que o fosse fazer.

— Sim — respondeu, por fim. Parou antes de fazer a sua próxima pergunta: — Existe algum motivo específico para estares a fazer estas perguntas?

Liam sorriu e respondeu:

— Por acaso, sim. — Foi a vez de Liam parar antes de fazer a sua pergunta, a primeira vez que isto aconteceu desde que o jogo começou. — Sou eu a pessoa que fez com que tu e a Kath acabassem?

Liam desviou os olhos das estrada deserta durante uns segundos para olhar para ele e Scott sentiu-se a corar antes mesmo de responder, o que o fez desviar o olhar.

— Então?

— Bem… Sim, foi por tua causa. Mas eu não quero que penses que eu estava com a tua irmã só por estar! — Voltou a olhar para Liam. — Eu sentia, quer dizer, continuo a sentir algo por ela. Só que já não é igual ao início, sabes?

Liam voltou a desviar os olhos da estrada para olhar para ele antes de responder, voltando a olhar em frente.

— Não te preocupes. Nem me passou pela cabeça tu estares a usar a minha irmã.

— Mas o que é que te fez pensar que eras tu, mesmo?

— Não sei. Talvez o facto de eu também estar interessado em ti tenha servido de alguma coisa, ou talvez seja o facto de tu me cumprimentares sempre que ias lá a casa, mesmo que eu quase não respondesse, embora não cumprimentasses nenhum dos outros.

Scott riu-se, sentindo-se feliz com as palavras. Realmente, ele tinha sido um bocado óbvio. Liam continuou o jogo a seguir, perguntando coisas mais básicas como se ele era ou não um bom aluno, com Scott sempre a retribuir. O limite de 20 perguntas tinha sido completamente esquecido.

— Chegamos — Liam disse de repente, parando o carro.

Scott olhou para fora da janela, reparando que sim, aquela era a sua rua e a casa onde o carro tinha parado era a sua. Voltou a olhar para Liam e sorriu-lhe.

— Obrigado pela boleia.

— Sem problema. Já agora, tens algo para fazer amanhã à tarde?

— Eu meio que estou de castigo, mas não, não tenho nada para fazer amanhã. — Sorriu.

— Se puderes, passa por minha casa.

— Ok — Scott acenou com a cabeça.

Levou a mão à porta para poder sair, quando o Liam agarrou o seu braço esquerdo. Os seus lábios encontraram-se durante meros segundos, onde Scott apenas conseguiu registar a suavidade e humidade dos lábios de Liam.

— Vejo-te amanhã — Liam disse por fim.

Scott acenou antes de sair do carro e correr até casa, apressando-se a pegar a chave de reserva para entrar e esquecendo-se completamente de devolver o casaco que tinha vestido a Liam.