Descerrei as pálpebras de súbito, me senti vagamente perdida pelos primeiros instantes, além de mal conseguir me mover.

Meus olhos estavam embaçados e cansados, por isso eu não conseguia enxergar com muita clareza, entretanto, ao ver minhas roupas rasgadas e espalhadas pelo chão conclui que aquilo realmente não havia sido apenas um pesadelo como eu gostaria. Notei que não estava no dia seguinte, apenas tinha desmaiado por algumas horas.

— Clarisse – Chamei por minha irmã que estava sentada, com o olhar perdido em algum lugar distante.

— Aquilo tudo que Rafael falou ontem, ele já havia feito isso contigo antes, não é? – Clarisse perguntou em baixo tom, sem me encarar.

— Não devia ter acontecido com você também. Eu sinto muito! – Falei já sentindo aquelas malditas lágrimas por meu rosto.

— A culpa não foi sua, não precisa se desculpar – Ela retrucou, finalmente me olhando, percebi que seus olhos também estavam cheios de lágrimas.

— Onde ele está? – Perguntei, tentando soltar meu braço que ainda se encontrava preso á beira da cama. 

— Não sei, acordei há pouco tempo e ele já não estava aqui. Pelo menos teve o “trabalho” de me soltar antes de sair – Clarisse respondeu, enquanto se levantava com certo trabalho, indo em direção a mim ao perceber minha falha de tentativa de me soltar. 

— Eu sinto muito mesmo, Clari – Falei sentindo meu coração se cortar ao vê-la andando com tanta dificuldade.

— Não se preocupe comigo, pelo menos agora tenho mais certeza ainda que nunca vou querer me relacionar com um homem! – Ela brincou, mas naquele momento nada parecia ter graça. 

— O que faremos? - Indaguei preocupada, enquanto a observava tentando me soltar, Rafael havia realmente se dedicado bastante a dar fortes nós ao me prender.

Por mim eu contaria tudo há todos sem pensar duas vezes, sabia muito bem que esconder não era a melhor opção mas, eu precisava saber a opinião de Clarisse também, afinal, aquilo não dependia só de mim dessa vez.

— Não podemos contar, América – Ela disse, contrariando todos meus pensamentos.

— Como assim, Clarisse? Precisamos contar! Já escondi isso uma vez e não é a melhor opção, esse desgraçado merece pagar por tudo que nos fez. Eu conheço bem a sensação de olhar no espelho e sentir nojo de si mesma é a pior coisa do mundo e, vai ser por isso que vamos passar agora. Não podemos carregar um peso tão grande assim sozinhas. – Falei um pouco alterada, eu não queria mesmo ter que esconder tudo aquilo novamente.

Eu estava sentindo tanto ódio de Rafael… Não, isso não pode ficar assim, só tem duas opções para que eu possa pelo menos ter uma chance de seguir minha vida: Vê-lo morto ou atrás das grades.

— América, não quero perder meu intercâmbio e se nós contarmos não poderei ir, terei que ficar na maldita casa onde morei com minha mãe morta por toda minha vida e para piorar, me submeter a depoimentos constrangedores a policia, além de ter que responder a vários curiosos como foi minha experiência com o abuso sexual… Minha vida já está horrível, mas pelo menos, se eu ainda for pra minha viajem amanhã, eu tenho a chance de recomeçar em algum lugar e poder ser feliz. Se eu ficar aqui, não sei quanto tempo poderei suportar. Por que nem de longe, nem de muito longe… eu sou tão forte como você – Clarisse começou a chorar como nunca após dizer tais palavras, eu nunca havia visto a mesma chorar tanto assim. Já tendo meus braços livres daquelas terríveis amarras do desespero, a abracei com força.

— Não vou contar a ninguém – Falei deixando algumas lágrimas escorrerem também.

— Eu sei como sou egoísta por te pedir isso, afinal, você continuará aqui. Terá que lidar com a dor e com os traumas e, eu me sinto horrível por isso, mas eu não vejo outra opção que não seja fugir para mim – Ela falou quase em um sussurro, sem se afastar de mim.

— Eu te entendo. Só que eu não sou tão forte como você pensa! E você está certa, eu vou continuar aqui e na verdade, não sei se posso conseguir lidar com tudo isso sozinha por tanto tempo, por que isso me destruiu tanto quanto você e, enquanto a única solução pra você é fugir desse lugar a ir para sua viajem, a minha única solução seria finalmente libertar isso de mim, contar a todos e finalmente poder ver Rafael atrás das grades… Mas eu não posso forçar você a abdicar da sua felicidade pela minha, contudo posso fazer isso por ti, por isso aceito omitir isso, mas quero deixar claro que assim que seu intercâmbio acabar e você voltar pra cá, a primeira coisa que faremos é ir á delegacia mais próxima, entendeu?

— É um acordo justo – Ela retrucou, olhando-me agradecida.

— Okay… Então por esse ano, este será nosso terrível segredo. – Falei, sentindo o pesar daquela frase e de tudo que significaria para mim.

E especialmente, pensei em Vitor e em como seria difícil mentir para ele.

Nosso relacionamento estava tão bem, entretanto eu não sei se continuaria assim após isso, e se eu precisasse de um tempo para processar tudo isso e ele não entendesse? Eu não quero perdê-lo, sem ele eu sei que desmorono de vez… Mas infelizmente ele merece alguém um pouquinho menos problemática que eu, alguém que não lhe conte mentiras, alguém que possa amá-lo livremente sem um conjunto de problemas na bagagem… É um fato que eu não sou a garota certa para o De la Riva, no entanto, ele é meu garoto certo, e disso eu tenho certeza! E não posso, nem vou abrir mão disso.

Terei que dar um jeito de sustentar essa mentira e não acabar me tornando aquela pessoa eu era antes, cheia de traumas, medos e que Vitor havia me ajudado a deixar de ser.

Mas independente do quanto eu estiver destruída por dentro eu manterei esse segredo.

E dessa vez não seria por mim, e sim por minha irmã.

“Às vezes, as pessoas esquecem as coisas, até que estejam prontas para lidar com elas. O tempo pode curar.” — Pretty Little Liars