Beatrice e Matheus escrita por ACL


Capítulo 1
São João




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Matheus e seus irmãos foram praticamente obrigados a ir à tal festa do tio deles. Entretanto, não teria tido negócio se a mãe, para a surpresa dos filhos, não tivesse prometido uma boa quantidade de bombinhas de São João.

Porém, a excitação de Matheus durou apenas uma hora, até ele se incomodar com a ausência de outras crianças de sua idade. Tentou puxar seu irmão Guilherme, mas normalmente meninos de quinze anos não querem brincar de jogar pólvora embrulhada num papelão para os lados, só para ouvir um pouco de barulho (mesmo tendo feito isso na semana anterior com seus amigos). Sua irmã mais nova, Isabelle, por outro lado, implorava para brincar com ele. Matheus se recusava porque sabia que sua real vontade era afanar os explosivos.

Tal cena teve como resultado um chato Guilherme no meio dos adultos, uma Isabelle enfezada, chorando pelas bombinhas estouradas e um Matheus entediado jogando seus fogos na fogueira, ouvindo o barulho da explosão.

Até sua mãe aparecer com uma menina pequena, mas de expressão firme e levemente arrogante, coisa que Matheus não percebeu de cara. Usava um vestido rodado e colorido – num traje típico de festas juninas – com duas longas tranças descendo as costas e pequenas pintas desenhadas na bochecha. Sua mãe apresentou-a como Beatrice, mas ela corrigiu:

— É só Bia, tia.

A mãe de Matheus deixou as duas crianças a sós e, depois de recusar a oferta dele, Bia logo ofereceu suas próprias bombinhas para compartilharem. Matheus não se importava, já que suas bombinhas eram bem piores. Ele até cedeu algumas para a irmã, mas ela já encontrara outra forma de se entreter.

— Não acredito que você tem o vulcão!

O vulcão era um dos fogos, de formato cônico e um pavio na parte superior. Beatrice decidiu acender um dos doze vulcões que tinha, porque ela também achava interessante. Observaram as faíscas amareladas ascenderem cerca de dois metros pelo céu escuro e frio (ou nem tanto) do junho recifense.

— Sabe por que esse fogo é amarelo? – perguntou depois que o fogo foi apagado.

A resposta silenciosa de Matheus veio num aceno de cabeça – para os lados, representando um não.

Bia fez um suspense antes de responder, observou a expressão no rosto do – já podemos considerar, afinal, eles têm dez anos de idade e nessa fase, a formação tudo é tão simples – amigo. Sorriu de canto por causa da curiosidade.

— Sódio – respondeu, finalmente. – Tem sódio aí dentro.

— O que é sódio? – indagou o menino, que nunca ouvira falar em tal substância na vida.

— É uma “molécula”. Sabe quando as professoras dizem à gente na escola que a água é feita de duas “moléculas” de hidrogênio e uma de oxigênio, o H2O? Então o sódio é tipo isso. Aí quando pega fogo, ele solta luz amarela. Tem sódio também no sal de cozinha e se você colocar no fogão aceso, ele solta luz amarela. É muito legal, meu pai já fez isso lá em casa.

Matheus ficou mudo com a tagarelice de Bia. Ele se permitiu impressionar pela beleza em cada uma de suas palavras e pelo tamanho do conhecimento que a pequena tinha. Questionou a menina sobre os fatos aprendidos – teria sido com o auxílio da escola? Ela respondeu um não sonoro – não gostava do lugar onde estudava. Quem a ensinou foi o seu pai, engenheiro químico e professor universitário de química.

— O que é química? – o mocinho curioso fez mais uma de suas perguntas.

— É uma ciência – explicou a menina. – É que na natureza acontecem algumas coisas, os fenômenos. Se forem fenômenos químicos, eles não podem “desacontecer”, e a química explica eles. Tipo, quando você frita um ovo, não dá para “desfritar” ele. Entendeu?

Matheus não gostava de mentiras, mas dizer que sim não era tão grave. Ele só não queria parecer um idiota perto de alguém tão inteligente. Ele queria impressionar Bia exatamente como ela o impressionava.

Com algumas horas de conversa fluida e interessante, Bia falando e Matheus sendo o bom ouvinte de sempre, a noite chegou ao fim. E fim da noite quer dizer vinte e duas horas quase exatas, porque era mais que hora de crianças estarem na cama. O pai de Matheus apareceu para eles e o chamou para ir para casa.

Beatrice, calorosa como a fogueira que ali queimava, deu-lhe um abraço amigo de despedida. Matheus pegou um papel e uma caneta do pai para anotar o “MSN” da garota, prática comum na época – e já adianto que não perderam o contato.

— Eu gosto de você – afirmou ele num ato de coragem, deixando vermelhas as bochechas de Bia.

Ela não teve tempo de responder seu “eu também” porque ele logo virou e foi embora. E ele não entendia o motivo de estar estranho por dentro, como se um milhão de bombinhas tivessem sido explodidas em seu estômago.


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Notas finais do capítulo

Espero que vocês gostem :)



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