O Tempo e o Sonho escrita por Horologium


Capítulo 1
Capítulo Único




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“Herói do Tempo”

Não importava por quanto tempo estivesse vagando no mundo com sua Ocarina e sua égua; Link nunca pedira esse título.

Tal denominação lhe fora conferida meritocraticamente enquanto buscava um rumo na vida, correndo atrás de respostas. Contanto que pudesse salvar vidas e trazer a paz de volta ao reino, porém, não hesitaria em abraçar o título e, por isso, acabou levando-o consigo.

Às vezes, entretanto, fantasiava sobre como seria uma vida sem o fardo de ter a responsabilidade de viajar no tempo para proteger o mundo.

Este era um desses momentos.

— Ei, menino grilo! O que está esperando? Vamos!

Romani puxava o tecido verde de sua túnica, desviando a atenção do garoto de seu alvo — o céu sombrio do terceiro dia. A lua, perigosamente perto, anunciava um macabro fim para aquela noite… Fim que a garota fitando-o com um brilho jovial no olhar certamente desconhecia, ao contrário da irmã. Queria Link poder viver daquele jeito descontraído e avoado.

Infelizmente, dedicaria apenas aquela vez a passar os três dias com as irmãs no rancho. Ainda precisava livrar Termina da maldição da máscara de Majora. O olhar fuzilante da lua acima de si servia de motivação suficiente.

Apesar de sentir um arrepio percorrer sua espinha ao sentir debaixo de si os tremores da aproximação do astro, seguiu a garota ruiva para dentro do celeiro. Algumas pessoas chegaram no rancho mais cedo, buscando refúgio para o fim do mundo, mas Romani parecia realmente não saber o que se passava.

— Ainda não consigo acreditar que minha irmã me deixou tomar Chateau Romani! Romani está tão feliz! — ignorância era mesmo uma bênção em horas como aquela.

Dentro do celeiro, a garota acomodou-se em uma peça de feno em um canto com o pote do famoso leite do rancho.

— Romani vai ganhar uma máscara! Uma máscara! Vou finalmente parecer uma adulta!

Abrindo a tampa com certa deselegância, a irmã mais nova do Rancho Romani encarou o líquido alvo dentro do recipiente com fascínio, sorrindo antes de levar a borda do vidro à boca e tomar um gole experimental.

— Hmm… Como esperado, é delicioso! Não entendo porque minha irmã não me deixou beber isto antes… Mas agora Romani é adulta! — sua face se acendeu de júbilo enquanto tomava mais um gole da bebida — Você tem que morar com a gente! Quem sabe minha irmã não te faz uma máscara também?

O garoto, encantado com a felicidade da garota, esboçou um sorriso tímido, engolindo em seco quando o solo retumbou mais uma vez com o avanço da lua. Gritos de desespero foram ouvidos vindos do lado de fora; cidadãos apavorados rezavam alto por suas vidas. Ali dentro, contudo, o calor parecia abafar o caos de fora.

— Quer um pouco? — Romani estendeu o frasco ao garoto, quem apenas balançou a cabeça negativamente — Ah…Não me diga que não gosta do nosso leite! — a expressão da ruiva tornou-se de ofensa, e Link não pôde mais recusar.

Enquanto via parte de seu rosto refletida na superfície do líquido branco, imaginava uma vida morando no rancho com Romani e Cremia. Acordar todos os dias para ajudar na ordenha das vacas, proteger as garotas de aliens e concorrentes maldosos, praticar arco-e-flecha ao som de pássaros cantando e as irmãs cantando uma melodia familiar, cavalgar sua fiel companheira pelos campos verdes e vívidos do rancho…

Suspirou pesadamente. Era um sonho longíquo, impossível. Afinal, ele só tinha direito a três dias de memórias contínuas com qualquer pessoa em Termina. O ciclo se repetia: conhecer pessoas, ajudá-las com seus problemas, receber a recompensa e voltar à estaca zero a preço dos momentos compartilhados. Ainda assim, curiosamente, Link conseguia sorrir ao passar por pessoas que nem em sonhos pensariam conhecê-lo.

Afinal, era este seu destino como Herói do Tempo.

— Ei, menino grilo.

Novamente acordado de seus devaneios, o loiro encontra os olhos da cor do oceano, reluzindo como as águas do próprio em um dia quente, como no qual testemunhou os momentos finais de um certo Zora.

— O que aconteceu? Você tá encarando o leite há um tempão. Romani está preocupada. — inclinou a cabeça, reforçando a indagação.

Diante do zelo da garota, Link sorriu ternamente, colocando o frasco de vidro no chão do celeiro e levantando-se.

— Aonde você vai? — perguntou Romani, parecendo magoada. O pequeno herói batia as palmas na túnica para limpar a poeira, acessórios tilintando dentro de seus compartimentos de couro.

Ao invés de responder, o menino apenas dirigiu-se à porta, abrindo-a para um céu quase totalmente coberto pela lua. Chegara a hora; não podia mais demorar-se. Antes de sair, lançou um olhar por cima do ombro à ruiva mais nova do rancho.

Embora não pudesse pronunciar sua premissa, as safiras de suas íris definitivamente transmitiram a mensagem, visto que a garota calou-se com uma expressão compreensiva.

Finalmente do lado de fora, Link deu alguns passos na direção oposta ao celeiro, observando inexpressivo o astro prestes a colidir com o planeta. O tempo seguia o curso normal, e o desespero esculpido no rosto dos refugiados era doloroso de se assistir.

Com um movimento ensaiado, o destemido herói puxa sua Ocarina em mãos e fecha os olhos, delicadamente envolvendo o bico com os lábios. Em meio ao caos de batidas aceleradas de coração e preces, uma canção ecoa pelos campos do rancho, congelando o tempo.

Então o relógio para.

Os ponteiros estancam em um instante de tensão…antes de começarem a se mover no sentido contrário.

Link suspira, abrindo os olhos para a animada Clock Town na madrugada do primeiro dia. É um novo ciclo, mas a premissa impressa em seus olhos tão carregados se mantém intacta:

“Nos vemos por aí.”


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