A grande reviravolta escrita por Tayane Carvalho


Capítulo 3
Parte Três




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Não pedi informações sobre o quão grave ela estava nem como ela estava naquela situação. Apenas levantei-me e apesar da dor de cabeça fortíssima, peguei na minha mala e desci. Não olhei para a cara da moça de vestido branco, que devia estar mais ressecada do que eu, porque depois de todos os gritos, continuava a dormir.
Eu cheirava a álcool, e tinha o hálito quente e amargo. Tinha as roupas embaraçadas, e vómito nos ténis. Estava calado, não conseguia falar nem lembrar de nada.
— Desculpa por não te poder levar para o aeroporto, tenho de ir resolver umas coisas mais tarde. Já chamei um táxi. Eu trato da rapariga lá em cima. E peço que me desculpes, foi culpa minha. Espero que a Luna esteja bem. Lembro-me apenas de ter pensado, ''sim, eu também espero'',  mas estava ressacado e admirado demais para abrir a boca, por isso estendi apenas a minha mão à frente dele e ele entrelaçou-a com a dele. Subi pro táxi e fui para o aeroporto.
Mandei uma mensagem para o meu chefe a avisar o sucedido e dizer que tinha de regressar à Portugal o mais rápido possível. Ele encarregou-se de colocar-me no voo mais próximo.
Lembro-me de ter dormido o voo todo, de forma a fazer passar um pouco mais a minha ressaca.
Despertei quando a hospedeira de bordo tentava me acordar, e quando abri os olhos vi cerca de seis pessoas a minha volta, a olhar para mim.
Por conseguir falar dei conta de que a ressaca tinha terminado, já conseguia pensar direito e cair na real. ''Meu Deus, a minha menina está a morrer''.
No caminho para o hospital, vieram-me lembranças do dia em que eu descobri que seria pai.
Diana estava no espectáculo de ballet, em que ela balançava o seu lindo corpo, e eu conseguia ver o orgulho dos pais nos olhos. Quando de repente ela caiu e desmaiou. Vi pessoas a correrem em direcção dela, vi a mãe dela a entrar em pânico, e o pai a levanta-la ao colo. Eu não tive reacção, permaneci sentado nas bancadas. Já havia uma ambulância fora do local do espectáculo, então o pai dela e alguns professores agarraram nela e foram até à ambulância, e levaram-na para o hospital.
Eu fui para casa a pedido do pai dela e lembro-me de ter dormido, sem perceber muito bem o que tinha acontecido, mas tentava manter-me positivo. Acordei à algumas horas depois, dando de caras com a minha avó e os pais dela na sala de estar. Pensei que fosse grave, pensei que ela tivesse morrido. Mas quando me sentei no sofá, e olhei directamente para os olhos da minha avó, eu li as seguintes palavras dos lábios dela: '' A Diana está grávida'', eu queria morrer. E foi aí que tudo começou.

A mãe dela mandou-me uma mensagem a dizer em que quarto a Luna estava, e disse que estavam todos no hospital. A minha mãe mandou-me uma mensagem também, dizia que ela e o meu pai iam tentar apanhar o próximo voo para Lisboa também.
Corri até à sala de espera, e vi os pais da Diana sentados no sofá, e ela, sentada no chão com as mãos a tapar a cara, e as lágrimas a nascerem-lhe nos olhos e a morrerem na carpete do hospital. Chorava compulsivamente, gritava, e eu não sabia o que fazer.
— O quê que aconteceu?- perguntei ao meu sogro- onde é que está a Luna?
— A Luna teve uma paragem cardiorespiratória durante a noite, e não temos noticias desde que ela entrou para as urgências- ele disse aquilo lentamente, talvez na intenção de eu perceber à fundo a gravidade da situação.
Eu paralisei, não sabia se chorava ou gritava- o quê? Ela estava bem, ela nunca adoeceu.
E foi aí que a Diana levantou-se, o rosto dela estava vermelho, muito vermelho. Ela veio até mim e transmitia ódio no seu olhar. Ódio e raiva:
— Ela estava bem? Como é que sabes que ela estava bem quando tu nem tinhas tempo pra ela? Quando tu só dedicavas o teu tempo para o trabalho? Ela estava bem?- ela gritava na minha cara e apontava-me com o dedo, sem parar de chorar- será que tu te importaste quando há dois meses ela teve uma anemia?- deu um sorriso irônico- claro que tu não. Sabias que na última vez que viajaste ela ficou internada? Achas normal uma criança de 4 anos ter tantos problemas? Ela estava doente, João. Mas tu não vias isso, não percebias porque não querias. Tu nunca quiseste a Luna, e fazes questão de demonstrar isso. Se não fossem os meus pais eu teria feito um aborto, porque tu nunca quiseste tê-la.

 Por fim ela acalmou-se e a irmã dela afastou-a dali, levou-a para fora do hospital para apanhar ar- tu és um lixo, João. És um miserável- ela ainda assim disse, indo com a irmã.
Sentei-me e olhei à minha volta. E vi que em parte, ela tinha razão. Eu sempre quis esquecer dos problemas estando no trabalho, e apesar de amar Luna mais que tudo, eu não suportava ficar em casa e ver-me a cair no próprio buraco que eu escavei. Eu não sabia que a Luna estava doente porque eu nunca perguntei, nunca quis na verdade saber. E a Diana tinha razão, eu não quis aquela filha no inicio, mas eu a amava e não a podia perder.
Tentei lembrar-me do que tinha acontecido na noite anterior, e de como a moça de vestido branco estava na minha cama. ''Eu traí a Diana'', pensei.
Foi então que o médico chegou para a sala de espera, e tal como nos filmes todo o mundo levantou-se:
— Vai chamar a Diana e a Marta- disse a mãe dela para o outro irmão- como é que ela está, douctor?
Ele suspirou- conseguimos reanima-la, ela está a respirar por máquinas neste momento e entrou em coma. É uma situação muito delicada- ele olhou para trás e viu a Diana correr em nossa direcção- eu vou precisar do pai e da mãe da Luna na minha sala agora, por favor.
Eu ia atrás do médico e Diana ao pé de mim nem sequer olhava pra mim, só chorava e tremia. Sentei-me numa cadeira branca a frente do médico e ele deu algumas indicações.
Saímos da sala do médico, encostei-me na parede, e olhei para a Diana que estava com os braços cruzados e olhava para o chão, a chorar.
— Como é que ela se chama?- perguntou a Diana, sem olhar pra mim- é bonita?
Fiquei sem perceber- estás a falar de quem, Diana?
— Estou a falar da pessoa com quem dormiste ontem a noite. Quando chegaste cheiravas a álcool, tens batom na tua camisa, os teus ténis estão sujos.- ela olhou-me nos olhos desta vez, a cor esmeralda que estava num contraste com o vermelho dos olhos, de tanto chorar- aliás, nem precisas de dizer nada. Não é do meu interesse, não me importa. O nosso casamento sempre foi uma porcaria, João. Mas uma traição? Achas que eu não quero ser feliz?  Tu és um filho da mãe, e quando saírmos daqui quero-te fora da minha casa.
Não me lembro bem, mas tudo aconteceu em camâra lenta. Os médicos corriam para o quarto da Luna, tentavam tirar a Diana do caminho mas ela quis entrar a força pro quarto. Eu entrei, ela entrou. E eu vi aquela gêmea da Diana. Cabelo liso e castanho, olhos esmeralda também. Linda. Vi aquela rapariga a convulsionar e as máquinas a apitarem. Era outra paragem cardiorespiratória.

Eu vi a minha filha parar de respirar e parar de convulsionar. Eu vi a Diana cair ao chão, vi os medicos com máquinas no peito de Luna para reanima-lá, foi tudo em camâra lenta e eu não tive reacção.
Passou-me uma visão a frente, dia 27 de Agosto, há 4 anos atrás. Eu estava na sala de espera do hospital quando a médica chegou e disse- é uma menina- eu dirigi-me ao quarto onde estava Diana, e ainda muito arrependido por tudo que havia acontecido, olhei para a minha própria filha com cara de nojo. Os pais da Diana tiravam fotos, a bebé estava no colo da Diana e ela parecia muito feliz. E eu olhava para aquele ser com raiva. Eu não queria aquilo na minha vida. Ela chorava e tudo que eu queria era tapar os ouvidos. Pensava no quão duro seria amar aquela criança. Olhei para Diana e me apercebi que todo amor que ela já tivera sentido por mim, tinha voltado para aquela recém-nascida. Nada seria o mesmo, tudo seria horrível. Mas, pouco a pouco aprendi a ama-la e a transforma-la na coisa mais importante da minha vida.
E foi assim que voltei à realidade. Os médicos tiraram as máscaras e taparam a cabeça da minha filha com o resto do lençol da cama do hospital. E eu ouvi as palavras que me fizeram perceber que eu já não era pai: '' Sinto muito''- disse o médico.


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