Hoje é sábado, está a chover, e eu, Lucy, uma adolescente agora com 16 anos, estou de castigo por ter tirado má nota no teste de matemática.

Odeio sábados, odeio chuva, odeio estudar, odeio ficar de castigo, e odeio toda a gente no mundo, exceto um mínimozinho grupo de pessoas, como os meus pais, que faleceram, a minha tia, que cuida de mim, e a minha única e melhor amiga. De resto, todos merecem morrer porque os odeio a todos. Odeio os stores, sempre a achar que estou a dormir, e a implicar comigo, só porque não levanto o braço para responder. Odeio o Pedro, o meu vizinho, com quem tenho de partilhar a boleia, a rua, a turma, e até a mesa na sala de aula! Tive de ficar com ele porque chegámos atrasados, graças a ele! Felizmente podemos estar em mesas separadas no almoço, senão dava em doida! E odeio a Courtney, que apesar de viver longe de mim, me arruína a vida todos os santos dias.

Agora chega de falar do que eu odeio, porque tenho de me concentrar a estudar matemática. Mas, de repente lembrei-me de algo: EU ODEIO ESTUDAR!

Obviamente não ia ficar no quarto o dia todo. Estou só à espera do sinal da minha melhor amiga, porque quando ela chegar, vai atirar um pauzinho contra a minha janela. Fazemos sempre assim, porque se fosse com uma pedra podia rachar o vidro. Ela deu o sinal, eu abri a janela, andei pelo telhado, e desci num pilar do terraço na entrada, como se fosse um bombeiro a descer para o carro de emergências.

– Olha a menina rebelde!- disse a Amber.

– Não te queixes, és minha cúmplice.

Começámos as duas a esconder a cara na roupa e a fingir que eramos duas vilãs armadas.

– Passa pra cá o dinheiro fracota!

– Dá-me tu o dinheiro! Roubei-o primeiro.- disse eu. Ambas desatámos a rir.

Acho que a Amber foi a única pessoa a ver-me a sorrir, acho que desde sempre. É a única pessoa em quem eu confio, e só com ela é que me sinto à vontade. Por exemplo, ela e a minha tia são as únicas a quem eu consigo olhar nos olhos. A todos os outros desvio sempre o olhar, a não ser aos stores, que me lançam olhares repreensivos e eu aí olho diretamente nos olhos para os confrontar.

Ainda não fizemos planos, mas se calhar vamos ao cinema. A Amber diz que é lá que se encontram os rapazes mais giros e que devíamos viver lá. Mas não gostei muito da ideia de dormir no balcão de um restaurante de fast-food.

Antes de irmos para lá, fomos a casa dela, e ela penteou-me e pôs-me perfumes e cremes. Mandou-me vestir um vestido dela (escolhi um bordeaux) e uns saltos altos. Só não me pôs maquilhagem porque eu não deixei mesmo e ameacei ir já para casa. Nunca gostei desse tipo de falsificações, porque tornam uma pessoa quase irreconhecível. Basicamente, era como usar uma máscara, mas em vez de ser só no Carnaval, era em dias normais.

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– Amb, não me sinto muito à vontade com estes saltos, não tens uns mais baixos?- eu sou bastante alta, e fico com a sensação de que estão todos a olhar para mim, por ficar tão lá em cima. Quase toco nas nuvens! Nah... Tou a gozar.

– Vais com esses sim! Eu vou com uns maiores, por isso vamos à mesma altura!

– Continuo a sentir-me estranha, mas ok.

Eu admito que estava muito gira. Acho que ainda não descrevi ninguém, e como não tenho nada para fazer, visto que a Amber se foi maquilhar. Olha, eu nunca fui elogiada por ninguém a não ser a Amber (já devem ter reparado que a Amb é tudo pra mim né?). Mas eu sempre me achei muito linda, não pra ser convencida, mas se eu quisesse, era capaz de ser uma das mais lindas na turma. Aí está o problema, EU NÃO QUERO. Não que queira ser feia, só não me apetece dar-me ao trabalho de arranjar bem todos os dias, para depois chegar a escola e ser gozada na mesma, e chegar a cama e acordar outra vez mal, de novo. Por isso, quase não penteio meu cabelo cor de caramelo, que apesar de ser esticadinho, dá demasiado trabalho para pentear. Não uso fitinhas ou ganchos no cabelo, porque são para menininhas infantis (haha como a Courtney), por isso ando sempre com o cabelo a tapar os meus grandes olhos verdes. Tenho os dentes sempre bem branquinhos, porque ás vezes a minha tia faz uma pasta caseira para clarear os dentes e de vez em quando eu roubo-lhe um bocadinho ás escondidas. Eu não gosto que digam que sou magra, sou apenas fininha, e de vez em quando roo as unhas, que estão sempre muito curtinhas.

–Finalmente!- disse eu- Caíste dentro do espelho?

– Sim, fui parar à terra dos unicórnios.

– Vamos?

– Sim- respondeu ela.

Ela estava bonita também, trazia um vestido de renda azul arroxeado, o cabelo preto preso num rabo-de-cavalo. Ela também tem o cabelo esticado, mas o dela é castanho escuro e não é escalado como o meu, e o cabelo apanhado fica-lhe muito bem. Calçou um saltos da mesma cor e pôs um colar com um infinito pequeno na ponta. Pôs alguma maquilhagem, o que não fazia sentido, já que íamos passar a tarde numa sala escura, mas decidi não implicar, porque já estava farta de esperar.

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E então lá fomos nós. Comprámos os bilhetes, e ainda faltava um pouco para começar, por isso fui à casa de banho enquanto ela comprava as pipocas.

Reparei numa coisa que já não via há muito tempo. Eu estava ali, em frente ao espelho, e estava realmente diferente. Se calhar, talvez valesse a pena arranjar-se. Estava mesmo bonita assim, e não despenteada. Era estranho, por isso resolvi ir ter com a Amber.

– Não acredito...- sussurrei para a Amb. Vinha aí o grupinho de idiotas da minha turma: o Ryan, a Courtney, e três pessoas atrás deles como cachorrinhos. A sala estava cheia e havia 5 lugares à minha direita.- Ai Amb, troca comigo, vá lá.

– Nem penses, desculpa mas não.

Fiz cara de amuada, mas parei antes que eles me vissem.

Tinha de ser! O palerma do Ryan sentou-se à minha beira com um amigo, e a Courtney e as duas amiguinhas sentaram-se à direita deles (felizmente um pouco longe de mim). A sala estava escura, por isso não me reconheceram, e passei o tempo todo a rezar, mas infelizmente as luzes acenderam-se. Bolas! Esqueci-me do intervalo! A Courtney foi à casa de banho, e o Ryan viu-me.

– Lucy? Olá para ti também.- disse ele.- Olá... Am... Amber!

– O que é que queres?- fui direta ao assunto.

– Bolas, tem calma. Estava a dizer-vos olá.

– Ok, olá... e adeus!

Eu e a Amber levantámo-nos e fomos à casa de banho. Vi-o a olhar para nós enquanto descia as escadas, o que me irritou ainda mais.

– Argh que nervos! Ele anda a preparar alguma- disse eu à Amb.

– Tem calma, ele até foi simpático.

– E achas que isso vai correr bem? A última vez que ele foi simpático para mim acabei com um batido em cima de mim...

– Mas não foi ele, foi a Courtney.

– Eu sei, mas ele riu-se e começou a inventar alcunhas ridículas!

– Olha Lu, vamos voltar para a sala, e vamos ver o filme. Não ligues ao que eles dizem ou fazem.

– Ok, vamos lá. Já deve estar quase a começar.

Quando chegámos as luzes ainda estavam acesas, e a Courtney começou a olhar para nós e a rir-se.

– Olha quem são elas!- disse ela.

Eu e a Amb ignorámos, e começámos a falar uma com a outra, baixinho, para não nos ouvirem.

– Ai, que mal educadas! Já não se cumprimenta uma amiga?

– Lamento, ensinaram-me a nunca falar com pessoas estranhas...- ripostei. Sabia que ela me estava a gozar.

– Ai sim? E quem ensinou? A tua tia desaparecida, ou os teus pais mortos? Agora falas com fantasmas?

– Ela não disse aquilo!- eu levantei-me a gritar e saltei para cima dela. Dei-lhe um estalo e não chorar.- Tu dizes o que quiseres de mim, mas dos meus pais tu não falas!- eu estava a puxar o cabelo dela, ela a tentar tirar-me de cima dela, e os outros todos a separar-nos, menos Amber e Ryan.

Chegou o segurança, que me agarrou, mas mesmo assim ainda consegui dar um pequeno soco naquele narizinho nojento dela. Expulsaram-nos do shopping (a todos mesmo) e ela saiu a gritar com as amigas, provavelmente foi para o hospital, ou para o cabeleireiro. Eu estava vermelha, a chorar e furiosa. Comecei a correr sem olhar para trás, tirei os saltos e deixei-os no chão, para correr mais depressa. A Amber e o Ryan tentaram apanhar-me mas não conseguiram.

...