O sonho não tinha sido real, Luci sabia disso, mas ela não conseguia parar de pensar em Cameron, no modo como ele esteve tão perto dela, perto de quase beijá-la. Se fechasse os olhos, ela ainda conseguia sentir o corpo dele próximo dela, as bocas tão próximas.

Porém, ela tinha que parar de sonhar tanto e fazer alguma coisa para tirar aquele sonho da cabeça. Depois que acordou, a garota vestiu seu uniforme e foi para a cozinha, talvez a senhorita Müller arranjasse algo para Luci ocupar a mente.

E foi a governanta que Luci encontrou assim que entrou na cozinha, ela estava dando ordens à todos os empregados, provavelmente para servirem o desjejum. Quando viu a criada, ela a chamou logo.

– Eu já ia pedir que alguém a chamasse – a governanta disse – preciso que trabalhe agora e está liberada durante a tarde, mas trabalhará a noite – ela informava enquanto ainda andava de um lado para o outro tentando organizar tudo – sei que não avisei antes, entretanto foi um pedido do senhor Briel, ele afirmou já ter conversado com você sobre isso.

– Sim, senhorita.

– Ótimo, agora preciso que seja minha acompanhante durante o desjejum.

A senhorita Müller começou a fazer o caminho até a sala de jantar, onde estavam servindo o café da manhã e Luci foi atrás dela. Várias criadas colocavam bolos, pães e sucos em cima da mesa, uma grande variedade de comida estava disposta para aqueles que viriam para o café. Luci não sabia exatamente quem vinha, porém esperava que Cameron aparecesse.

– Rápido, meninas, para a cozinha – Müller disse.

Só então Luci percebeu que Christer e Erik estavam chegando, com eles vinha Hugo, o noivo de Greta.

– Bom dia, senhores Lindgren, senhor Berg – a governanta o cumprimentou.

Christer e Erik apenas acenaram, enquanto Hugo falou diretamente com ela:

– Bom dia, Helena.

Novamente alguém chamava Müller de Helena e a garota, que passara anos no palácio, descobrira seu nome apenas há pouco tempo. Aparentemente os convidados gostavam de agradar a governanta, talvez conseguissem algo com isso, Cameron realmente parecia conseguir.

Os senhores sentaram e pareciam estar dando continuidade à uma conversa já iniciada.

– Greta é uma ótima garota, como o senhor sabe – Christer dizia – ela tem alguns defeitos é claro, todavia o senhor perceberá que ela será uma esposa maravilhosa.

– Entretanto, ela parece não estar gostando muito da ideia de casar – Hugo parecia apreensivo – e me pareceu surpresa no baile.

– Ela só ficou envergonhada por falar com você – Erik tentou explicar.

Hugo pareceu pensar se o que lhe falavam era verdade. Mal sabia ele que a garota que estava a poucos metros dele teria como sanar aquela dúvida. Luci gostaria de saná-la, entretanto tinha medo de não ser exatamente a coisa certa a se fazer, se Greta não havia dito, por que ela diria?

Outras três pessoas chegaram na sala, duas garotas e um rapaz, eles conversavam entre si sobre algum assunto que Luci não conseguia e nem tentou ouvir, cumprimentaram aqueles que já estavam na mesa e sentaram.

– Senhorita Alter, bom dia – Erik disse para a garota que havia sentado mais longe dele.

Ele parecia realmente interessado nela, porém a garota apenas deu um sorriso muito forçado para ele como resposta. Erik pareceu ter percebido o quão desconfortável ela estava com ele, então apenas voltou a prestar atenção na conversa do pai com o provável futuro cunhado, agora eles pareciam debater sobre politica ou algo semelhante.

A garota, Alter, olhou para Luci e deu um sorriso enorme ao perceber a criada ali. Ela teve de olhar para os lados e para Müller para ter certeza que só havia ela encarando a mesa – e, especificamente, a garota – naquele momento, ou seja, o sorriso era pra ela. Luci retribui o sorriso com outro sorriso e depois abaixou a cabeça, ficou um pouco envergonhada com a situação.

– Daniel Grigori e Gabrielle – Christer falou alto quando viu duas figuras novas passando pela porta da sala.

A criada teve de levantar a cabeça para enxergar quando o casal de loiros entrou na sala, o loiro que ela havia visto na noite anterior e a loira, ela nunca tinha visto. Eles pareciam um casal perfeito. Luci talvez não devesse, contudo ficou um pouco triste ao ver os dois, talvez pelo fato de ela não ter alguém assim como aquela senhorita.

– Olá, senhor Lindgren – a loira o cumprimentou.

A senhorita Alter também sorriu para Gabrielle e o casal sentou próximo à Hugo.

– Comentávamos sobre os dois há poucos instantes – Hugo disse.

– Sobre nós? – Gabrielle parecia realmente surpresa.

Luci bloqueou qualquer comentário que veio em seguida, não queria ouvir qualquer coisa que eles dissessem sobre os dois. Então, desviou o olhar daquele lado da mesa e deixou que seus olhos percorressem a sala.

– Luci – Müller a chamou antes que ela pudesse se perder em pensamentos – vá à cozinha e ajude Elsa a trazer um pouco mais de leite.

– Sim, senhorita.

A criada foi até a cozinha e encontrou Elsa próxima à porta, as duas pegaram uma garrafa de leite cada uma e voltaram para a sala. Ela entrou novamente na sala e pôs a garrafa sobre uma das pontas da mesa, enquanto a outra criada colocava na outra ponta. Quando Luci levantou os olhos, ela encontrou um par de olhos verde esmeralda.

É ele, ela pensou e suas mãos começaram a suar instantaneamente. Os olhos da criada pararam alguns segundos além do necessário nos de Cam, os lábios dele formaram um pequeno sorriso e ele piscou para ela, a garota sorriu envergonhada. Enquanto voltava para o lado de Müller, Luci olhou discretamente ao redor da mesa para ter certeza que ninguém estivera olhando para eles, felizmente, ninguém pareceu perceber a interação entre os dois, todos estavam focados demais em suas conversas e comidas.

Luci demorou tempo demais para se recompor, mas logo voltou a vagar os olhos pelo salão, parando às vezes para olhar diretamente para Cam.

Ela viu quando uma figura miúda surgiu na porta que dava na cozinha e os olhos de Luci e Helena logo se voltaram para lá. Uma criada – que pelo que Luci lembrava, chamava-se Molly – aproximou-se das duas e disse baixinho:

– A senhorita Lindgren pediu para informar que não participará do desjejum, está indisposta.

Molly parou de falar quando um riso um pouco alto demais foi ouvindo vindo da mesa, as três, assim como todos os outros, viraram-se na direção da risada e viram Cameron rindo de algo enquanto olhava para elas. Ele parecia estar rindo delas, Luci pensou, mas aquilo não fazia sentido, então imaginou que ele só estava achando graça de algo que alguém havia dito.

– A senhorita pediu para que servissem sua comida no quarto – Molly disse rapidamente e, não esperou a governanta liberá-la, saiu dando passos pesados sobre o chão.

A governanta forçou um sorriso para fingir que estava tudo bem e se aproximou de Christer.

– Senhor, sua filha pediu para informar que não virá – ela dizia tão baixo que a criada teve de se esforçar para escutar as exatas palavras – está indisposta e pede para que a sirvam no quarto.

Christer não pareceu satisfeito com a notícia, contudo o desapontamento desapareceu de seu rosto tão rápido quanto havia chegado. A mulher afastou-se dele e voltou a acompanhar tudo do lugar onde havia estado.

– Hugo – Christer o chamou – sinto informar que Greta não poderá estar presente agora.

– Algum problema? – o senhor Berg parecia ter uma preocupação genuína com a garota.

– Está indisposta, problemas femininos, é claro.

– Se esse é o caso, podemos programar esse encontro para outro momento.

– Certamente que sim – Erik se encarregou de responder.

– Temo que nós três tenhamos que partir agora, senhor Grigori – Hugo falava – foi um prazer reencontrar a senhorita – ele falou olhando para Gabrielle.

Daniel apenas acenou com a cabeça e se concentrou no que comia, enquanto Gabrielle sorria para ele. Ela era linda, Luci tinha de admitir, não lembrava de ter visto muitas garotas bonitas como a senhorita Gabrielle, Daniel tinha sorte por estar acompanhado de uma moça como ela.

Os três – Hugo, Christer e Erik – se despediram rapidamente das outras pessoas que estavam à mesa e saíram. Enquanto acompanhava a saída deles, os olhos de Luci pararam em Cameron, que mantinha uma conversa com a senhorita Alter, porém ela não parecia contente em estar falando com ele.

– Senhores, senhoritas – Müller chamou a atenção de todos na sala – estarei me retirando, caso precisem de algo, podem pedir à criada que irei mandar para acompanha-los durante o restante da refeição, tenham um bom dia.

A governanta partiu em direção a cozinha e a criada continuou parada, contudo logo Müller lembrou de chama-la e ela partiu junto com a governanta.

– Karin – Müller chamou quando viu a garota – certifique-se que todos os convidados estejam bem servidos.

– Sim, senhorita – Karin dirigiu-se para a sala de jantar, dando um pequeno sorriso para Luci enquanto passava pela amiga. Luci sabia que Karin adorava participar de qualquer reunião com aquelas pessoas, mesmo que fosse apenas para servir.

Contudo, Luci não estava entendendo o motivo dela não ter ficado na sala de jantar em vez de sua amiga.

– Preciso que vá até o quarto de Greta – a governanta disse para Luci – sei que ela gosta de você, então certifique-se de que ela permanecerá bem e sã até... – Müller pensou – quando eu encontrar uma maneira de distraí-la para não fugir antes do casamento – ela riu de sua piada.

– Tudo bem, senhorita – Luci respondeu.

– E informe a ela que o senhores Lindgren não estão no palácio e só retornaram amanhã ao amanhecer.

– Sim, senhorita.

– E leve bastante comida, tente entretê-la com comida ou alguma outra coisa.

A governanta afastou-se de Luci para dar mais ordens aos outros empregados, ela parecia bastante estressada. A garota tratou de obedecer às ordens que havia recebido e começou a juntar vários tipos de comida em uma grande bandeja para que Greta tivesse opções. Fez tudo rapidamente e saiu em direção ao quarto da amiga.

Greta parecia muito bem na noite anterior, Luci ficou preocupada, entretanto acreditava ser esse uma parte do plano A. Chegou rapidamente ao quarto e deu leves batidas na porta antes de entrar.

– Bom dia, senhorita – Luci disse quando já estava dentro.

– Bom dia, Luci – Greta respondeu sorridente.

– Fiquei preocupada com a sua ausência – Luci analisou a amiga – acho que não tenho motivos – ela também sorriu

– Eu só queria evitar Hugo – Greta admitiu e Luci colocou a bandeja em uma pequena mesa que havia no quarto.

– E esse é o começo do plano A? – ela estava curiosa.

A amiga riu.

– Evitar Hugo está em todo o meu alfabeto de planos – ela pareceu pensativa por um momento – o plano A começa somente esta tarde, quando eu falar com meu pai.

– A senhorita Müller pediu para avisar que ele não está.

Greta parecia bastante surpresa e um fio de felicidade pareceu sumir da garota.

– Ele, seu irmão e Hugo saíram há pouco tempo e só voltarão amanhã de manhã.

– Tudo bem – ela suspirou – eu acho.

A garota levantou da cama e sentou-se em uma das cadeiras da mesa em que Luci havia colocado a bandeja.

– Quanta comida! – Greta pareceu admirada – Você precisa comer comigo, Luci, eu insisto.

A criada já estava acostumada em comer com Greta, mesmo que não fosse exatamente uma coisa comum no palácio, a garota sempre fazia questão de convidar a amiga para dividir sua comida – que Luci tinha que admitir, parecia bem melhor do que a dos criados.

Quando estava com Greta, em momentos como aquele, Luci não se sentia como uma criada, ela se sentia como uma amiga, uma convidada em visita ao palácio, ela sabia que a garota a considerava assim, contudo, era difícil acreditar fielmente nisso. Assim como Cameron fazia nas vezes em que estava com ela, Greta fazia Luci acreditar que era alguém, alguém importante, alguém que fazia diferença.