Apartamento 804 escrita por Drama Queen


Capítulo 15
Apartamento 804


Notas iniciais do capítulo

Finale. Será que temos guerreiras que acompanham desde 2015? Essa história foi muito aos trancos e barrancos toda recheada pelas minhas próprias questões. Finalmente chegamos ao final. Que momento. Nos comentários finais explico mais sobre. Boa leitura!



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Coloco as mãos nos bolsos da jaqueta e respiro fundo, encarando o portão de ferro à minha frente. Já faz mais de cinco anos que não venho aqui, mais de cinco anos que perdi meu emprego, que tranquei a faculdade, que voltei para a casa de minha mãe e me enfiei no fundo da cama até iniciar meu tratamento com minha psicóloga. É verdade que eu troquei de profissional algumas vezes até dar certo, mas quando encontrei a analista com quem faço psicoterapia… Bom, seria errado dizer que as coisas melhoraram de primeira. As coisas ficaram muito piores antes de ficarem melhores, mas estão melhorando. No final das contas, estou aqui.

Empurro o portão e entro no condomínio. O prédio segue exatamente como era antes, incluindo o sistema de segurança falho. A porta da frente está sempre aberta, pois as pessoas que ali moram sempre esquecem que a tranca não funciona sem um empurrãozinho. Passo direto e caminho até o elevador velho, então aperto o botão do oitavo andar. Meu coração começa a bater forte. Seria isso uma boa ideia? Talvez eu devesse só ter ido até a caixinha do correio… As portas do elevador se abrem com um sininho que indica que eu cheguei no andar indicado. Eu ainda posso ir embora se eu quiser, certo? Não é tarde demais. Mas contrariando meus pensamentos, meus pés se movem para fora do elevador. As portas se fecham atrás de mim. Estou sozinha no corredor semi iluminado pela luz da lâmpada amarela antiga. 

Encaro as portas à minha volta, cada uma com uma pequena placa de metal indicando o número do apartamento. 801, 802, 803… 804. A última porta do canto direito tem em sua frente um tapete preto com os dizeres “Go away” em branco - o tipo de tapete que você encontra facilmente no AliExpress ou site parecido. Dou uma risada para mim mesma. Ela não mudou nada. Vou em frente e dou três batidinhas na porta. 

Silêncio. 

Hesito por um instante, então bato de novo. 

Talvez ela não esteja em casa. Eu deveria ter mandado mensagem antes, foi estúpido aparecer do nada. Talvez o universo esteja me mandando desistir daquela ideia tola mesmo. Talvez…

Um grito abafado de dentro do apartamento interrompe meus pensamentos. Reconheço a voz na mesma hora, ela está em casa. O grito incompreensível vai tomando forma à medida que o som se aproxima da porta. 

— Mas que merda! Eu já vou! Não posso ter um minuto de paz nessa droga?! - Engulo a seco enquanto escuto a chave girar, então a porta se abre. Vick me encara com as sobrancelhas franzidas e a boca aberta. Permanece em silêncio por alguns segundos, deixando-me nervosa. 

— Oi. - Digo, com um sorriso tímido. Minhas mãos ficam bem fechadas dentro dos meus bolsos e meus ombros se encolhem um pouco. 

— Christine. O que faz aqui?

— Eu… James disse que você tinha o mesmo endereço e hm, bem… - Eu tinha um roteiro em mente, mas ele parece ter ficado para trás, no elevador. Retiro uma de minhas mãos do bolso, revelando a chave que estou segurando. - Achei que você gostaria disso de volta. É a chave que você me deu. Do apartamento. 

Vick me encara de cima a baixo, então cruza os braços e se encosta do batente da porta. 

— Depois de anos? Você poderia ter jogado no lixo se quisesse. - Ela responde. Sinto meu rosto ficar quente com o constrangimento. - Você veio me ver.

Desvio o olhar e respiro fundo. 

— Bom, sim. Eu achei que… 

— Entra. 

Vick me dá as costas e entra no apartamento, gesticulando que eu faça o mesmo. Entro, cautelosa, fechando a porta atrás de mim. Olho em volta e percebo que algumas coisas estão diferentes. O sofá trocou de lugar e agora existe uma escrivaninha encostada na parede onde antes ficava a televisão. Em cima da escrivaninha há uma pilha de livros que parecem apostilas. O sofá tem uma manta vermelha por cima dele e algumas almofadas pretas decorando-o. Vick vai até a cozinha e abre a geladeira. 

— Quer algo? Uma água, suco, vinho... 

— Nada, obrigada. - Respondo e sento-me do sofá. 

Meus dedos se entrelaçam entre si, minhas mãos apoiada em meus joelhos, meio sem saberem para onde vão. Observo enquanto Vick volta da cozinha com um copo cheio de um líquido vermelho-púrpura e então se senta no braço do sofá, virada para mim. Ela expira o ar e faz uma pausa, parecendo pensar do que quer dizer. Pigarreio.

— Vinho a essa hora? - Pergunto. Vick franze as sobrancelhas e me encara. 

— Às 15h da tarde? Não, claro que não. Tenho aquela apostila ali todinha para estudar ainda, preciso me manter sóbria. Aos finais de semana já é outra história. 

— O que são as apostilas?

— Estou fazendo uma pós graduação.

— Jura?

— Sim. Consigo um bom aumento assim no serviço. 

— Parece ótimo! De verdade, parabéns.

— E você? Nunca mais deu notícias depois que saiu daqui. E você não posta muita coisa nas redes sociais.

— Você tentou me procurar nas redes sociais? 

Vick abre a boca e a fecha novamente, levemente corada, então desvia o olhar para o chão.

— Bem, sim. Mas você só posta umas fotos aleatórias e acho que deletou o twitter. Ou me bloqueou, que seja. - Ela responde, coçando a cabeça. 

— Eu deletei mesmo. 

— Enfim, eu só queria saber se você estava bem.

Sorrio e suspiro, encarando Vick com ternura.

— Eu estou bem agora. Eu estive na merda, mas agora estou… Fazendo progresso. Agora voltei a trabalhar e logo volto a estudar também. Estou fazendo umas economias pra minha futura casa, dessa vez com segurança, sabe? 

— Tipo sem ir parar no apartamento de pessoas aleatórias? - Vick pergunta, com um sorriso de canto, me arrancando uma risada.

— Exatamente. Quero fazer as coisas do jeito certo agora. Quero arrumar alguma estabilidade pra minha vida.

Vick ergueu as sobrancelhas.

— Isso é uma surpresa. Então… - Ela diz, arrumando a postura. - Você tá se ajeitando? 

— Sim. É por isso que eu vim. Você tava certa. Eu era uma fodida e estava fazendo todos à minha volta lidarem com as minhas merdas. Isso não é justo nem comigo, nem com quem eu tenho contato. - Faço uma pausa e mordo meu lábio inferior, medindo minhas palavras. - Não foi justo com você.

Vick encara o chão por alguns segundos, então bebe um gole do suco em suas mãos. Após alguns segundos, solta uma risada seca. 

— Acho que dá pra dizer que eu te fiz passar trabalho também. 

— Me desculpe. Por tudo o que você teve que lidar. 

— Acho que estamos quites. 

— Obrigada por ter jogado tudo na minha cara quando terminamos. Você estava certa. Só assim eu consegui ir atrás de ajuda. 

— E o que acontece agora? 

— Eu não sei. A gente nunca sabe. Mas é isso, eu vou voltar pra minha cidade, pros meu trabalho, pra minha namorada, pro meu curso… E vou tentando criar alguma coisa pra mim que nem todo mundo. 

Encolho os ombros e abraço meu próprio corpo, como se me protegesse da incerteza que me aguarda à frente. Meu peito está leve, ainda que eu sinta um frio na barriga. A sensação de estar trilhando um caminho incerto tendo como única guia minha intuição. Vick termina de beber o suco e deixa o copo em cima da escrivaninha, então permanece em pé, encostada no móvel.

— Namorada?

— Ah. - Ergo o olhar para encará-la, então respiro fundo. - Sim. 

— Você quis dizer isso por voltar aqui ou…

— Ah, não. Não, não. - Dou uma risada constrangida e enfio minhas mãos nos bolsos do casaco. - Eu conheci alguém. Luna. Ela é psicóloga, poetisa, pintora… 

— Parece o estereótipo lésbico moderno. - Vick responde, com uma sobrancelha erguida, então dou risada novamente, dessa vez de forma genuína.

— Ela é.

— É com ela.que você pretende ir morar com suas economias?

— Talvez um dia. Provavelmente. Nós estamos indo devagar, com calma. Tem sido um bom processo. 

— E é um namoro assumido?

— Sim. Pra todo mundo.

— Vai me falar mais sobre esse romance?

Encaro Vick, esperando uma expressão de deboche, mas encontro curiosidade genuína. Como uma velha amiga perguntando as novidades.

— Acho que talvez em outra hora. É uma história linda, mas ainda é outra história. Não cabe contar aqui. 

Vick balança a cabeça assentindo, então olha para o chão antes de me encarar novamente. 

— Fomos uma história conturbada, né?

— Sim. Mas teve sua beleza. - Sorrio, me levanto e caminho até Vick, então deixo a chave do apartamento em suas mãos. - Obrigada. 

Ela encara a chave em suas mãos por um segundo antes de fechar os dedos em volta do material metálico. Seus olhos escuros se voltam para mim em um olhar compreensivo, seus lábios se pressionam e formam um sorriso contido. 

Sair do apartamento 804 me deixou com um gostinho de tristeza na boca, mas também de leveza. Leveza de deixar lá todos as lágrimas e os risos que ali existiram e manter comigo apenas a memória. Não que eu não vá mais rir e chorar como ali fiz, mas que seja um riso solto e um choro fácil. Que seja um sofrimento tranquilo. Que seja uma felicidade calma. Que fique naquela chave as imaturidades da menina impulsiva em busca de grandes aventuras. Quando piso na rua novamente, sinto-me tranquila em ir embora.


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Notas finais do capítulo

Comecei essa fanfic em 2015 em parceria com minha ex, na época atual. Eu estava no meu segundo ano do ensino médio, morava com minha mãe e namorava secretamente essa garota que me apoiava nessa história. Eu tinha uma série de fantasias sobre a vida adulta, a maioria delas muito autodestrutiva. De lá pra cá muita coisa aconteceu. Eu e a garota terminamos em 2016 (motivo pelo qual eu parei de escrever a história), eu tive inúmeros problemas com depressão e ansiedade, iniciei meu processo na terapia, etc.. No primeiro semestre de 2018 conheci minha namorada atual, no segundo semestre do mesmo ano eu passei no vestibular para psicologia, na universidade federal e comecei a namorar essa moça que conheci. Atualmente moro com meu pai, namoro há 1 ano e meio essa moça, estudo, trabalho, continuo em terapia e decidi voltar aqui para entregar à Christie um bom final. Talvez não o final mais épico, mas um mais saudável. Obrigada por me acompanhar nessa jornada. Foi tudo feito com muito amor.

Edit: se você chegou até aqui, deixa um comentário! Me diz o que achou, como você se sentiu, o que te trouxe aqui. Adoro acompanhar como a história tocou vocês. Juro que respondo! Beijinhos!



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