Apartamento 804 escrita por Drama Queen


Capítulo 1
Bem-vinda ao 804




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Lembro-me bem de andar zonza por aqueles corredores escuros, a luz neon vermelha delimitando a silhueta dos jovens que passavam por mim. Eu jurava ser apenas efeito da bebida, mas hoje estou certa de que meu mundo estava literalmente girando.

—Olha por onde pisa, garota! - Ela gritou por cima da música. A moça de olhos negros estava encostada na parede com o celular na mão quando eu quase caí por cima dela. Recuei alguns passos, sem conseguir ficar muito tempo reta em pé, e pedi desculpas. A expressão irritada se suavizou e ela me encarou preocupada. - Tudo bem? Quer uma ajuda?

Não lembro de ter respondido, apenas de ser colocada em uma poltrona aveludada. A moça se apresentou, Victória. Eu amo esse nome… Mas ela odeia. Deveria chamá-la de Vick. Estranhei o apelido, mas concordei. Em algum momento embaçado ela sumiu, mas deixou alguém para tomar conta de mim. Quando voltou, tinha um copo nas mãos. Não, não, deu de bebida pra mim… Vick me informou que não era bebida, mas sim água. Deixei que ela colocasse o copo na minha boca e derramasse o líquido goela à baixo.

—Olha a que ponto eu cheguei. - Vick comentou com o amigo. - Cuidando de gente que não sabe beber. Última coisa que eu precisava era um PT’zão.

PT’zão? PT… Perda Total. Ei, eu não dei PT’zão! Não vomitei… Ainda. Abri a boca para protestar, mas minha língua estava dormente demais. A garota encarou-me com o olhar duro.

—Muita sorte sua eu estar solidária hoje, ok? Se não, já teria levado uma porrada de coturno por ter tropeçado em mim. - Vick encarou o amigo. - Ela não respondeu ainda? Argh, tira o celular da bunda e atende…

Não estava falando de mim, obviamente. Ela e o amigo me perguntaram algumas vezes com quem eu vim, mas eu não consegui responder. No final das contas, acabei sendo carregada até um táxi junto com os dois. Depois disso não lembro de mais nada.

Acordo num colchão fino no chão de uma sala desconhecida. Minha cabeça lateja demais, de forma que o som de talheres tocando um prato já é tortura. Levanto-me ainda tonta e levo um susto ao notar que estou sem blusa, vestindo apenas minha saia e as roupas íntimas. Ok, pelo menos as roupas íntimas estão aqui. Vou até a cozinha, enrolada no lençol e segurando uma tesoura. Não sei se teria capacidade de atacar alguém, mas seria alguma coisa caso tivesse sido sequestrada. Vozes estão vindo dali, vozes estranhamente familiares.

—A gente não deveria ter ligado para alguém? -Pergunta uma voz masculina.

—Aé, James? Quem? A gente nem sabe o nome da menina. - Foi a resposta de uma voz feminina. Vick.

—Sei lá… Não acho que a gente fez certo trazendo ela aqui. Talvez deixar em um hospital…

—Não. Ou a gente trazia ela pra cá, ou largava na festa. Para, agora já foi. - Já estou mais tranquila, não parecem sequestradores. Largo a tesoura e entro na cozinha. - A bela adormecida acordou! Sua blusa já está secando, a gente pode te levar até o ponto de ônibus pra ir pra casa.

—Por que minha blusa está molhada? - Pergunto confusa.

—Você vomitou ontem, a gente teve que lavar. - Esse deve ser James, o mesmo amigo que ajudou Vick a cuidar de mim.

Encostada na bancada da cozinha, suspiro derrotada. Foi a primeira vez que passei mal por bebida, e aparentemente o resultado foi desastroso. James parece extremamente alheio à tudo isso, apenas mais uma embriagada em perigo. Vick me encara preocupada, diferentemente do saco cheio de minutos atrás.

— O que aconteceu ontem? Por que encheu a cara e tal? -Ela pergunta. - Ou.. não encheu…

—Fui eu mesma quem encheu a cara, não foi droga, não… Problemas pessoais, relaxa. Obrigada por ter me ajudado. Com licença.

Saio da cozinha com os olhos no chão. Na sala, encontro meu celular na mesa de centro, que fora colocada para o canto. Cabeça girando, sem saber para onde ir, ligo para Emma. A voz chorosa me atende no segundo toque, cheia de raiva e rancor. Tento acalmá-la, mas ela não quer me ouvir.

— Ok, Emma, pelo menos deixa eu pegar minhas roupas! - Falo por cima das reclamações dela.

— Tá bom! Mas é bom ser rápido!

—Em… - Afasto o celular da orelha e viro-me para James. - Em quanto tempo você acha que a blusa vai estar seca?

— Mais 10 minutinhos. 15 se você quiser que eu passe.

—Não, obrigada, não tenho tempo… Estamos a quantos minutos do centro?

— 20 à pé.

—Obrigada. - Encosto a orelha no celular novamente. - Em uma hora vou estar aí.

Após desligar o telefone, Vick e James me convidaram para comer alguma coisa. Aceito sem pensar duas vezes, minha blusa ainda está secando e meu entusiasmo para encontrar a Emma assassina é nula. Sento-me e me sirvo com achocolatado e uma torrada com requeijão. Sinto falta do bom café com leite, mas não há nem mesmo uma garrafa térmica na cozinha impecável. Após pedirem várias e várias vezes, decido explicar o acontecido.

— Eu divido apartamento com uma amiga, Emma, a mais de um ano. De uns meses pra cá a gente não estava se dando muito bem… Agora ela terminou com o namorado. Emma foi sempre muito ciumenta, mesmo. Quando ele disse que se apaixonou por outra garota… Ela surtou. Concluíu que a garota era eu, já que éramos amigos e sempre que ele estava no apartamento, eu estava por perto. A gente brigou feio no meio da festa, ela decidiu que não quer mais morar comigo. O apartamento é dela, um presente da madrasta, então eu vou precisar catar um canto pra ficar…

— Que maluca. - Declara James. - Nem pra dar um tempo pra menina se ajeitar.

—Você pode ficar aqui até arrumar o tal canto. - Oferece Vick. Erguo as sobrancelhas, surpresa e estranhando o ato. Ela nem me conhece e abre a porta de casa assim? E sem nem falar com James?

—Eu posso dormir na casa de outra pessoa, pode ficar tranquila… Enchi demais o saco por uma noite. Não quero atrapalhar a privacidade de casal nenhum. - Afirmo, já me levantando. Houve um momento tenso de silêncio antes de explodirem em risadas.

—Você acha que somos um casal? Sério? - Pergunta Vick enquanto as lágrimas de risos brotam nos cantos dos olhos.

—Não são? - Sinto meu rosto queimando. Eles balançam a cabeça negativamente, sem ar de tanto rir.

—Meu amor, -Responde-me James - eu sou viado e ela é s…

—Sem rótulos, por favor. - Interrompe Vick, começando a recuperar o ar. - Enfim… Ele nem mora aqui, apesar de vir direto. A gente já limpou seu vômito, acho que já temos intimidade para que você fique enquanto não arruma outro lugar. Ah! Sua blusa secou.

Acabo concordando, já que não tenho mesmo onde ir por enquanto. Visto minha blusa e vou andando até o centro da cidade. Já são quase três horas da tarde de sábado, os turistas e trabalhadores de folga andam de um lado para o outro, aproveitando o dia ensolarado. Para mim, o dia de sol só serve para ferir meus olhos. Entro no ônibus quase vazio, a não ser por uma senhora com seus dois netos. O barulho do motor castiga cruelmente minha cabeça. Sinto-me exposta usando a saia curta durante o dia, mas afasto o pensamento.

Ao chegar no apartamento, sou recebida com um caloroso “Pegue suas coisas e vai se fuder!”. Que amor. Os cabelos artificialmente loiros de Emma estão uma bagunça, a maquiagem borrada espalhada pelo rosto e parece que eu não fui a única a manter as roupas da noite anterior. Sinto vontade de lavar seu rosto, preparar um chá gelado e dizer-lhe que vai ficar bem, mas sei que ela não me quer por perto. Controlo-me e vou até o quarto, me apressando em guardar todas as minhas roupas numa mala que havia comprado quando viajamos pelo país pela primeira vez. Aviso que não posso levar tudo, pois ainda estou sem um lugar para ficar, então vou levar o básico. Roupas, itens de higiene pessoal, meu computador, etc.. Ver que Emma não me olha nos olhos provoca uma pontada no fundo do peito.

Faço todo o caminho de volta até o apartamento de Vick, encontrando agora uma sala organizada, com o colchão apoiado na parede. Deixo minha mala no canto do sofá e pergunto se poderia tomar um banho. Tendo autorização, não penso duas vezes antes de me jogar no box do banheiro. Esfrego minha pele até me sentir livre do suor, de qualquer vestígio de vômito e principalmente do antigo apartamento. Resulto cheirando a perfume de bebê, um sabonete engraçado para alguém que tem a aparência tão ameaçadora como a de Vick.

Ela está na sala com o notebook no colo quando saio do banheiro. Os cabelos lisos e escuros presos de qualquer jeito, mantendo os fios longe dos olhos negros de aspecto indígena/oriental. Explica que está pesquisando apartamentos e pergunta qual o maior preço que eu poderia pagar. Solto um suspiro decepcionado após checar as finanças. O maior luxo que estava à minha disposição no momento é uma kit-net na periferia da cidade.

—Eu vou ter que falar com algum amigo e ver se posso dividir apartamento. Prometo que não vou demorar muito.

—Tudo bem, pode ficar até se ajeitar. Já passei por algo parecido. - Ela sorri, mas o sorriso é interrompido pela campainha. - Ai meu deus… Desculpa, furacão vindo.

—James?

—Não…

Vick levanta e gira a chave. No momento em que a porta se abre, tenho a impressão que que realmente há um furacão vindo. Uma garota alta de cabelos compridos preto-azulados entra pisando fundo. A moça está extremamente pálida e seus olhos, apesar de bonitos, não têm muito foco. Ninguém tem muito tempo para pensar antes dos gritos começarem.

— Eu disse que tomaria os remédios se você fosse naquela festa! Só vim porque você pareceu muito, mas muito arrependida. Como tem coragem de sair bem no dia que a gente briga?! Eu pensei que… - A garota congela ao me ver. Agredeço mentalmente por ter trocado as roupas de festa, mas não acho que o pijama e os cabelos molhados sejam menos ameaçadores para ela. A moça se vira lentamente para Vick. - Quer me apresentar sua amiga?

—Ahm… Jennifer... Essa é a… - Seu olhar é de pura interrogação. Só então me dou conta de que não havia me apresentado.

—Christine. - Falo baixinho.

—Christine. Essa é a Christine. Ela passou mal ontem, eu e James a trouxemos pra cá… E agora descobrimos que ela foi despejada pela amiga.

Jennifer cruza os braços e me encara com um olhar duro.

—Ok, e o cãozinho abandonado mora aqui agora?

—Na verdade… - Intervenho novamente, a voz mal saindo da boca. - É só até conseguir algum outro lugar.

—Eu me surpreendo com você, Vick. - Diz Jennifer, me ignorando agora. - Não basta ir até as festas e se encontrar com um monte de vagabunda. Você precisa trazer uma pra casa! Nem se esforça para esconder!

—Jenn, respeito, porra! Christine, desculpe…

— Tudo bem - Respondo baixinho. Não tenho a menor intenção de interferir na vida de outro casal. Largo o computador, pego o celular e me tranco no banheiro, cujas paredes ainda estão molhadas com o vapor do meu banho.

Deus, se eu soubesse que ela namorava uma garota eu nem teria considerado… Já tenho Emma me culpando pelo fim de seu relacionamento, não quero atrapalhar ninguém. Após muito tempo pesquisando preços de apartamentos e kit-nets, chego a conclusão de que é impossível eu morar sozinha. Não agora. Abro a lista de contatos e penso em quem eu poderia recorrer. Mando uma série de mensagens para alguns amigos. Explico a situação enquanto as duas brigam na sala. Escuto Jennifer chorando e Vick mantém a voz um pouco mais suave, mas então Jenn volta com as acusações e Vick perde a paciência de novo. Deixo minha cabeça apoiada na parede, rezando para que diminuam um pouco o volume da gritaria, pois minha cabeça já está estourando.

O celular vibra em minhas mãos, uma nova mensagem. Abro apressada, mas suspiro decepcionada em seguida.

Poxa, Christie, já aluguei o quarto aqui de casa. 3 dias atrás.

Ah, merda…

Fala com o Theo, ele não botou quarto para alugar, mas faz um tempo que a irmã dele viajou.

Ok, um fiapo de esperança. Envio um agradecimento e vou atrás de Theo. Estudei com ele desde os 13 anos, mas nunca fomos assim tão amigos, então não me sinto à vontade com o pedido. Pense, Christie, um colega de infância ou uma semi-desconhecida com uma namorada ciumenta? Não sei.

Theo, você tem algum plano para o quarto da sua irmã? Eu precisava de um lugar para ficar durante uns tempos, problemas com a Emma.

Enviar.

E elas ainda estão brigando. Escuto meu nome algumas vezes e fico torcendo para que elas se ajeitem logo. Realmente não quero um término nas minhas costas. O celular apita.

Já virou depósito, mas passa aqui que a gente dá um jeito.

Suspiro aliviada, então penso se já devo levar minhas coisas ou não. Melhor conhecer o apartamento primeiro.

Ok, em 30min estou aí.

Quando elas vão discutir na cozinha, aproveito para trocar de roupa e sair na pontinha dos pés, sem nenhuma intenção em ser notada. Vou a pé até o apartamento de Theo, em um prédio antigo que precisa logo de uma manutenção. Ele já está na entrada, me esperando. A blusa azul escura amassada e a barba por fazer faz-me concluir que definitivamente não estava esperando visitas. Theo me oferece um sorriso simpático e cansado, então nos colocamos a subir as escadas enquanto ele me explica as regras do condomínio.


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Notas finais do capítulo

Aceito as famosas críticas construtivas, meu objetivo aqui é melhoras galeris.



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