Limerence escrita por Ayame Kioshi


Capítulo 1
fyrsta.


Notas iniciais do capítulo

rxk me fode



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i.

levantou e foi ao rádio. aumentou o volume da música pelo que pareceram incríveis sete segundos, até que seu pai viesse neutralizar o barulho excessivo do ambiente novamente. já era a quarta vez naquele dia que era impedido. estava esperando uma quinta.
estava sendo coagido com frequência.

os pais estavam em cima, vigiando-o de cinco em cinco minutos, inibindo-o de manter a porta do quarto aberta, ou de usar muito o celular. tinham motivos.
mais do que queria que tivessem.
ele não achava justo. ele não achava nada daquilo justo.

(e ele sabia que não era um rebelde

e ele sabia que sequer tinha a brecha para virar um rebelde

e ele sabia que aceitar-se como um rebelde lhe traria, também, mais anos de terapia)

um suspiro desobstruído escapou-lhe dos lábios. seu olhar pareceu vago por um curto momento; os dedos, gélidos e finos, percorreram as páginas corroídas do livro no qual recebera de presente. mostraram que parecer distraído assim não passava de mais um dos seus truques sujos para não serem descobertos os seus verdadeiros devaneios.

ele não era um grande entusiasta por literatura clássica, aliás. apenas sonhava grande, alto o suficiente para imaginar que, em algum momento, o toque dele passou por ali. sabia que tinha passado.

o toque de seu infrator.

o seu crime, amado crime, que assumia toda a culpa por existir.

e que pagava agora, ali, por tê-lo mantido tanto. com todo o prazer do mundo.

ii.

notar que não era o santo, e sim o pecador, era ácido. todavia, não ruim. quiçá diferente de tudo que já tinha experimentado em toda a sua vida —a sua pacata, controlada existência não permitia uma segunda alma caminhando lado a lado com a própria. tudo feito ali era contra as regras. contra o que era certo para si. contra o que era certo para os outros.

mas deixou-se levar pela brisa leve do verão que entrava sorrateira pela fresta da janela. pelo barulho dos outros alunos, dos seus colegas, estar ausente no momento. pela carícia gentil que era feita sob os fios alaranjados, e todas as declarações de amor que precisavam ser sussurradas, e que seriam sussurradas de qualquer jeito, mesmo se não precisassem ser sussurradas.

ah, deus. ele estava tão apaixonado.

e sabia disso quando olhava para o próprio professor e pensava em todas milhares de muralhas da china que precisariam derrubar para ficarem juntos, e não no quão complicado aquilo realmente poderia ser.

mas no quão errado aquilo poderia dar? no quão encrencados ambos estariam se tudo fosse interpretado errado, e tudo fosse tratado como a terrível promiscuidade que realmente estava envolvida?

não — sobre isto, jamais pensara. nunca tinha passado pela sua cabeça. esperava que jamais passasse. e que jamais tivesse de abdicar de todo o romance que montara com o tempo, a sua perfeita história proibida, na qual almejou por um bom, bom tempo.

foi com isso que cansou-se de pensar. deixou-se repousar a cabeça no ombro do homem de longos cabelos negros apenas para se apegar mais aos detalhes simples (como o ritmo de seu coração, e o jeito como a sua voz ficava diferente quando ouvida de tão perto, e o seu maldito perfume). esqueceu-se, por um momento, de tudo que lhe preocupava. do mundo inteiro.

iii.

neve em suas botas. uma face claramente abalada por conta do sono.

e quem o visse, deduziria que tinha só virado a noite estudando alguma coisa mais uma vez, já que era isso que costumava fazer, era isso que esperavam que ele fizesse. todo mundo só tinha expectativas boas e positivas em relação ao rapaz, como poderiam criticá-lo?, considerando de quem é filho.

do quão à risca precisa seguir o que lhe é estabelecido.

de qualquer forma, havia sim estudado. mas havia igualmente dedicado parte da sua noite a ler, pela enésima vez, o livro que lhe fora dado. lia todas as palavras daquelas benditas páginas como se fosse a primeira vez que conseguia ao menos ver alguma coisa. sempre encantava-se com toda aquela combinação formando um parágrafo, um capítulo, uma história.

não por ela em si. não se tratava dela. mas era mais fácil dizer que era simplesmente isso, uma paixão estranha por uma ficção escrita, e não a que estava de fato vivendo. ela era um pouco mais complicada de explicar sem estragar a sua vida. ou a dele. mais do que já estava estragada.

era frequentemente seguido pelo irmão mais velho, que porventura decidiu que talvez repetir o ensino médio dez anos depois de terminá-lo poderia ser uma boa ideia, mas acabar com a paixão excêntrica do caçula e achar que ele não percebia nunca, como a criança alienada e tapada que ele é, era uma ideia bem melhor.

sua vida ia de ruim para pior para péssima. mas ainda tinha a vantagem de poder olhar para o homem no qual era apaixonado todas as manhãs, ou pensar nele, já que ninguém poderia tirar os seus pensamentos de si, nem com uma máquina super avançada. essa era, atualmente, a única atenção real que lhe era permitido ter em relação ao corvo: apenas dentro da sua cabeça. apenas desejos.
de fato, a solidão só se mostrava presente de verdade quando via, em volta de toda a escola, que todos tinham os seus respectivos namorados por perto.

e que seguravam as mãos um do outro, e combinavam de sair juntos, e se beijavam, tudo sem ninguém achar estranho; enquanto ele tinha que lidar com o fato de estar saindo com um cara, e esse cara ser o seu professor, e o seu pai ser um padre ridículo.

um padre ridículo que odeia dois caras juntos, e provavelmente odeia professores do mesmo jeito desde que descobriu sobre tudo.

iv.

as cortinas estavam fechadas, conquanto o dia estava ensolarado, e os passarinhos cumpriam a sua tarefa de cantar e acordar quem não tinha virado a noite, que era justamente o contrário do que ambos tinham feito.

não deveria estar ali, mas quando deveria?, e já estava quase na hora de ir para a aula. tinha problemas em casa. detestava trazê-los para o quarto com o seu namorado, e geralmente não comentava sobre nada deles se não lhe era perguntado, só que sempre era perguntado.

e sempre respondia a versão completa dos fatos. não tinha o que esconder.

não dele, ao menos.

a confusão era intrínseca e estava encravada em seu âmago. ouvir dele que talvez fosse a hora de pararem perfurava-lhe. sabia que doeria menos se o professor tivesse dito que não tinha alcançado a média em sua matéria, ou que algum atentado estava a ocorrer em lugares próximos daquelas específicas ruas inglesas, enfim; aquilo em particular jogava fora toda a luta que teve com o seu progenitor nos últimos meses.

recusou-se a engolir aquilo, assim como tinha o básico conhecimento da personalidade do dono dos cabelos trigueiros para saber que este, também, só tinha feito a oferta da boca para fora. sorrira com a conclusão que tomou.

não queria, nem podia, imaginar a si mesmo sem o outro homem ao seu lado.

eram como duas energias. a primeira positiva, a segunda negativa. e nunca uma sem a outra.


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Notas finais do capítulo

eu juro que eu vou continuar isso.
em 2017
feliz natal



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