Positivo escrita por Kalaschnikow


Capítulo 1
Capítulo 1 Diagnóstico


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/664600/chapter/1

Me chamo Odair da Costa Filho e vim aqui deixar meu depoimento sobre a minha condição de soro positivo, e contar como a minha esposa Ana Rosa da silva Costa me ajudou, me manteve e ainda me mantém vivo.

Tudo começou em 1997 quando eu e minha esposa descobrimos que ela era estéril. Ana se sentia culpada, e acabou se deprimindo, eu, um cuzão na época, não sabia o que dizer para fazer com que ela se sentisse melhor e acabava não dizendo nada, isso acabou por nos afastar ainda mais. Se o diálogo era poco, o contato físico era quase inexistente, Ana achava desnecessário, eu não queria incomodá-la e muito menos conversar, deixava pra lá, mas a verdade é que eu sentia falta, do toque, do beijo, do sexo e um dia esse desejo falou mais alto…

Era uma quinta-feira, 15 de abril, um galpão que armazenava produtos altamente inflamáveis pegou fogo ao lado do escritório onde eu trabalhava, a área toda foi evacuada e fomos dispensamos mais cedo, eu queria ir pra casa, Deus, como eu queria, mas a ideia de encontrar Ana chorosa e amuada pelos cantos, evitando me olhar quando tudo o que eu queria era admirá-la, evitando me tocar quando tudo o que eu queria era tocá-la, evitando meus beijos quando tudo o que eu queria era beijá-la, me deixava igual ou mais deprimido do que ela, nesse momento a imbecilidade do homem falou mais alto, ou melhor gritou e eu desviei o caminho e fui despejar todas as minhas frustrações em um puteiro qualquer…

Cerca de um mês depois começaram as noites febris, a tosse seca, o suor noturno, a moleza nos músculos. “Nada demais, é apenas um resfriado forte!”, dizia eu enquanto Ana cuidava de mim como cuidaria da criança que nós nunca teríamos, vê-la se se dedicar a mim dessa forma, me deixava com um nó na garganta e a consciência ainda mais pesada. Mais um mês se passou até que eu procurasse um médico, lembro-me de ter debochado dele quando me recomendou que eu fizesse o teste de HIV, “Imagina só, não sou baitola não doutor e muito menos viciado, se o senhor insiste eu até faço e te provo que não tenho nada disso.”, mas lá no fundo minha mente gritava “15 DE ABRIL!”.

Nos dias que antecederam a chegada do resultado do exame minha mente trabalhava a possibilidade de eu ter contraído aquele vírus, como eu contaria pra minha esposa? como lidaria com o medo da morte? ou ainda, se morrer não seria a melhor opção. Minha mente criava paranóias e meu corpo dava sinais de que todas elas eram reais, nesse momento percebi que eu estava fodido!

Me sentia um pouco melhor no dia de buscar o resultado e acabei dispensando a companhia de Ana dizendo que o resultado daria negativo e voltaria em pouco tempo, mentira, eu só não queria que ela estivesse comigo quando o médico dissesse que eu era soro positivo como eu já estava convencido que ele diria. E ele disse! Passei a tarde inteira no hospital fazendo os exames extras que o médico pediu, hemograma completo, urina, fezes, glicose, colesterol e triglicérides, raios-X de tórax, hepatite B e C, tuberculose e etc…

Não queria voltar pra casa!

Me lembro de ter entrado no carro e de sentir a boca mais seca do que eu já havia sentida em toda a minha vida, mesmo tendo sentido esta mesma sensação desde que adoecera, nada se comparava com aquele momento. Naquela hora eu não pensava em mim, mas sim em Ana, aquela que eu amava, e que certamente sofreria tanto quanto eu com essa notícia, saber que a culpa era minha por ter sido um fraco, por não ter conseguido me resolver com ela, ajudá-la com seus próprios demônios, acalmar, e dizer que a culpa não era dela, que a culpa era minha por ter falhado como marido, a culpa era minha, só minha! Decerto ela me deixaria e eu não teria o direito de impedi-la.

Cheguei em casa já era noite e encontrei Ana aflita e já com lágrimas nos olhos, acho que lá no fundo ela também sabia, não consegui dizer nada, dessa vez era eu que não conseguia a olhar nos olhos, a vergonha era tanta, estava me sentindo um completo imbecil, e todo aquele contato físico que eu tanto almejava quando cometi a maior besteira da vida, eu nunca mais teria , eu nunca mais poderia fazer sexo tranquilo com a minha esposa, isso se ela inda quisesse, e eu tinha certeza que ela não iria querer.

Não me lembro como, só sei que quando dei por mim, estava ajoelhado no chão, a vista embaçada tantas eram as lágrimas que caiam pelo meus rosto. Não via Ana mas podia senti-la me abraçar as costas magras, suas lágrimas molhavam a parte de trás da minha camisa, não podia acreditar que ela estava ali, me consolando mesmo após constatar que eu era soro positivo e que certamente eu a havia traído, a ouvi sussurrar que ela estava ali e que tudo ficaria bem, isso me fez admirá-la ainda mais, por estar fazendo comigo agora, tudo o que eu deveria ter feito com ela desde o começo.

Passamos a noite inteira assim, com lágrimas silenciosas descendo pelos nossos rostos, sem nos olhar nos olhos, apenas sentindo o calor um do outro, e o abraço que nos envolvia tão forte como em nenhum outro momento no nosso casamento.

Até hoje não sei exatamente como me senti aquela noite, estava feliz por ela não ter me abandonado, e ao mesmo tempo me sentia mal, por achar que não merecia tanta compaixão assim. Ana estava sendo uma santa ao aceitar um homem que a desonrou e ainda trouxe pra dentro de casa um vírus maldito, que poderia nos matar, e que nos tiraria a paz, mesmo assim ela estava ali.

Naquela época eu não percebi, mas o positivo, aquele pequeno sinal de mais, além de um vírus que se manisfestava no meu corpo, significava também trazer Ana de volta pra mim, significava mais amor, mais carinho, mais cumplicidade, mais compreensão. Sabia que não seria fácil, mas eu lutaria até o fim, não por mim, mas por ela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentem!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Positivo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.