Eu já havia finalizado as minhas tarefas naquele dia, pelo menos de acordo com a programação que havia no meu braço. Voltei, então, ao meu compartimento e me concentro em ajeitar minha luva de renda, que havia rasgado um pouco. Me pergunto o porquê de estar tentando costurar em renda, mas estou fazendo isso apenas para me ocupar, já que ainda é cedo demais para dormir e não sinto sono algum.

A porta do meu compartimento abre e eu levo um susto. Até que Haymitch aparece e me sinto aliviada ao vê-lo. Olho para o seu braço e noto que a sua programação também não está mais lá.

- Tomou banho – comento enquanto ele entra. - Muito bem.

- Infelizmente eles nos obrigam a isso – ele diz quando sobe na cama e vem até mim, deitando a cabeça no meu colo. - É uma pena.

Haymitch me lança seu famoso sorriso sarcástico e eu reviro os olhos, tentando retornar a minha atenção à luva.

- Solta isso, Effie – Haymitch resmunga, tentando pegar a luva. Consigo afastá-la a tempo de impedi-lo de tomá-la de mim. Ele parece desistir e respira fundo. - O que está te perturbando?

- Nada – respondo de imediato e ele parece não acreditar. - Só estou... preocupada com a Katniss. Só isso.

- Ela está se recuperando – ele diz. - A roupa dela é a prova de balas, é claro. Foi obra de Cinna. Não devia se preocupar, de verdade. Ela está bem.

Deixo um "hm" escapar e então Haymitch se vira, ainda deitado. Seus braços contornam a minha cintura e aproveito para esticar as pernas quando ele se move. Ele apoia a cabeça em uma das coxas e posso vê-lo fechar os olhos.

- Assim vai acabar dormindo – digo quando passo os dedos levemente pela sua nuca.

- Essa é a intenção, queridinha.

- E você acha mesmo que vai dormir assim? E eu vou ficar sentada?

- Então deita.

- Eu deitaria se você me desse espaço!

Vejo Haymitch bufar quando se move novamente para me dar espaço. Deito próxima a parede, de barriga para cima. Alguns instantes depois ele faz o mesmo.

Desfrutamos do silêncio por um breve espaço de tempo.

- Sabia que você não é tão perua assim quando estamos a sós? - ele diz e dou de ombros. Ele encontra o meu olhar e sorri.

- Você também não é tão grosso – digo, vendo-o arquear as sobrancelhas.

Me viro de lado e me apoio pelo cotovelo, deixando minha mão de apoio para a cabeça.

- Dizem que a gente muda um pouco quando gosta de alguém.

Haymitch move o canto da boca, deixando formar um pequeno sorriso. Ele toca o meu rosto e o leva para si, até que eu sinta os seus lábios nos meus. Tento me manter de alguma forma que me pareça confortável no momento. Encaixo, então, minha perna entre as dele e aprofundo o beijo, sentindo-o puxar a bandana da minha cabeça. Ele agora puxa de leve os meus cabelos, fazendo-me suspirar em seus lábios.

Ele interrompe o beijo, mas continua me segurando.

- Muda, é? - indaga com o rosto quase colado ao meu. Ele curva um pouco os lábios como quem está com dúvida. - Então acho que não gosto... É... Acho que não - ele faz uma pausa maior e sinto meu coração errar uma batida. Me afasto um pouco mais para tentar vê-lo melhor e agora seu sorriso parece um pouco maior. - Gostar é pouco.

Reviro os olhos e antes de mais nada ele se move para cima de mim, em meio a risos, o que acaba me contagiando um pouco.

- Ridículo!

Haymitch me beija mais uma vez até cair ao meu lado e encontrar uma posição para dormir. Retiro sua touca e passo lentamente as mãos pelos seus cabelos, enquanto o sono não vem. Acomodo a minha cabeça num travesseiro enquanto observo Haymitch cair no sono.

Dizem que as pessoas mudam um pouco quando gostam de verdade de alguém. Dizem que esse alguém se torna mais sensível, até mais carinhoso. Torna-se quem realmente é. Mas também se torna apto a mudanças, sejam lá quais forem, ou para onde forem.

Enquanto observo Haymitch dormir, imagino como seria me adaptar a uma vida com ele, seja lá onde for. Não seria impossível, porém complicado para um dos dois, e sei que este um seria eu. Ele nunca abriria mão da sua casa para ir a Capital, que tanto odeia.

Talvez tenhamos esta conversa mais para frente, quando realmente for necessário. Enquanto ele dorme eu sei que agora nada disso importa. Nada mais importa a não ser a certeza de que ele está bem.