O Poema Dos Surdos escrita por Nena Lorac


Capítulo 5
Estrofe II


Notas iniciais do capítulo

"Sabes sorrir
Sabes chorar
Sabes...É claro,
Te expressar!"



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Admito que senti um nervoso quando eu li aquela frase. Não que eu realmente quisesse alguma coisa com ele, mas eu não esperava ler aquilo. Como a maioria das pessoas, aquela frase significa algumas coisas em específico, e eu pensei naquilo. Mas minha mente me relembrou que ele estava comigo a trabalho, e então, o significado daquela frase se tornou uma incógnita.

Ele ficou esperando a minha resposta por algum tempo antes de eu confirmar com a cabeça. Estava curioso para onde ele iria me levar. Talvez seja devido a conversa anterior, a conversa que eu não queria lembrar. Como ele estava satisfeito com a minha confirmação, ele voltou a rabiscar no papel para eu ficar pronto em poucos minutos. Iriamos a algum lugar desconhecido durante a noite. Com certeza ele era estranho.

No final das contas, eu apenas obedeci. Terminei de jantar, ajudei a lavar a louça e fui pegar umas roupas mais quentes, pois as noites nessa cidade costumam ser bem frias. Vejo ele colocando seus sapados e uma toca no estilo peruano. O senso dele de moda era meio estranho. Nada combinava ou fazia sentido quando ele colocava no corpo. Comecei a rir pela obra fauvista que era o seu look final. Quando me aproximei dele para avisar que já estava pronto, ele me entrega outro papel.

“Quero que conheça algumas pessoas.”

xXx

Não pegamos ônibus ou táxis, pois esse pequeno loiro se sentia mal quando entrava em algum veículo com rodas, mas de acordo com ele o lugar que iriamos não era muito distante. Eu achei tão estranho andar por aquele bairro durante a noite... mesmo que antes de eu ser preso eu nem vivia dentro de casa nesse horário. Pela primeira vez me pego apreciando aquelas ruelas, os barulhos que eu encontrava por lá, as pessoas andando e as luzes coloridas ganhando espaço.

Algumas crianças passaram correndo entre nós dois, acho que brincavam de corrida ou algo assim, mas por terem esbarrado em Matthew, ele deixou cair o bloco de notas que carregava para falar comigo. Me abaixo para pegar e vejo que na página que ficou exposta estava escrito uma data e um horário. Não me atendei muito para o horário, mas a data era a data daquele dia. Fiquei cada vez mais curioso para tentar saber onde iriamos, pois sabia que tinha relevância com aquela data.

Depois de alguns minutos caminhando pelas mais variadas ruas e becos, eis que chegamos em um dos cemitérios da cidade. Encarei o nome do cemitério por algum tempo tentando processar o que viemos fazer naquele lugar durante a noite, mas minha curiosidade foi saciada quando Matthew me entregou uma folha de papel que estava escrito o motivo da nossa vinda.

“As pessoas que eu quero que você conheça estão aqui.”

Eu realmente não queria estar lá. Não me senti bem quando terminei de ler aquela frase e olhei para o rosto dele. Ele esbanjava um sorriso, e isso me deixou muito agoniado. Como ele poderia estar sorrindo se as pessoas que eu vou conhecer estão em um cemitério? Peguei o papel e escrevi minha pergunta para ele. Queria saber quem eram as pessoas que eu iria conhecer, e ele puxou o celular e me mostrou uma foto.

Aquelas duas pessoas não me eram estranhas. Fiquei um tempo querendo lembrar de onde já tinha visto aqueles rostos, e logo me recordei da madrugada em que eu o tinha feito chorar.

“Oh... aquela noite... que eu escrevi aquelas besteiras.”

Quando me recordei de quem se tratavam, Matthew segurou minha mão e começou a me arrastar pelo cemitério a dentro. As luzes do cemitério estavam acesas, e tinham poucas pessoas por lá, chorando e fazendo preces a seus entes queridos. Os túmulos eram bem trabalhados, com algumas esculturas de santos e flores. Mas mesmo assim eu não me sentia confortável estando naquele cemitério. O cheiro da terra molhada e a ciência que pessoas descansavam ali me deixava inquieto. Me perguntei várias vezes quando iriamos embora, até que paramos, e Matthew ficou apontando para minúsculos memorias.

De acordo com o padrão do cemitério, eu estava esperando túmulos bem trabalhados e enormes flores, mas o que eu via eram duas placas de metal com o nome das pessoas e um lírio branco murcho em cada uma delas. Prestei atenção no sobrenome de cada um deles, e o sobrenome era o mesmo de Matthew. Então tive a coragem de perguntar, no bloco de papel, se eles eram seus pais, e para minha surpresa, ele riu do que eu escrevi.

“Eles são meus professores.”

Novamente, a memória daquela madrugada veio, mas lembrei do título do vídeo que ele estava vendo. Dos pedaços que eu consegui ver no vídeo, aquelas duas pessoas estavam brincando com uma criança, loira, igual a Matthew. Mas por ainda não ter certeza, eu voltei a escrever e perguntei, e mais uma vez, ele riu do que eu perguntara. Ele tomou posse do bloco de notas e começou a escrever, e o texto era meio longo, mas eu esperei ansiosamente até que ele me desse para ler.

“A criança não era eu, era a Maddie, filha dos meus professores.

Maddie também era surda desde o nascimento,

então meus professores cuidaram dela até sua morte.

Ela morreu com 8 anos por causa de um transplante de coração.

Devo minha vida a ela, por isso eu sempre venho aqui.”

Sinceramente, eu estava mais confuso que o normal. Naqueles memoriais não tinha em nenhum lugar o nome dessa tal garotinha. E como assim ele devia a vida a ela e vinha no memorial dos pais da garota? Eu queria explicações, mas só consegui um pedido de paciência vindo dele. E mesmo irritado, eu tentei desenvolver essa paciência. Mas me acalmei mais depois que vi ele chorando e se ajoelhando no chão.

Olhei mais uma vez os memoriais e vi as datas de falecimento: eram o dia de hoje.

xXx

Chegamos em casa, e começamos a tirar aquelas jaquetas e sapatos de frio. Queria perguntar mais sobre aquela história, mas ele parecia cansado, então iria deixar o bombardeio de perguntas para amanhã. Quando fui para o sofá tentar descaçar um pouco, Matthew me aparece com um pedaço de papel e me entrega.

“Francis, obrigado por ir comigo hoje.”

Então eu só o vejo indo em direção ao meu quarto. Me senti desconfiado sobre o que ele faria lá dentro, e fui logo ver o que ele pretendia. Quando abro a porta, eu me deparo com ele deitado em cima da cama se preparando para dormir. Eu cocei minha cabeça e suspirei fundo, até permitir que ele dormisse lá naquela noite. Ele fez outro sinal com a mão, que era basicamente, fechar uma delas e passar a outra mão em cima. Tentei entender o que aquilo significava, mas falhei miseravelmente. Mas o outro sinal que ele fez foi um que até eu entendi. Ele batia na cama, me chamando para dormir ao lado dele. Neguei um bom tempo com a cabeça e com as mãos para que ele entendesse que eu nunca faria isso, mas alguma coisa nesse garoto está me deixando atormentado.

“Só vou dormir com você hoje. Depois disso, volte para o sofá.”

Só me recordo que durante a noite, eu custei a dormir. Eu sentia ele me abraçando e algumas lágrimas caindo no meu peito. Ele soluçou por alguns minutos até desmaiar. E não sei o que me deu, mas eu comecei a acariciar seus fios loiros e o abracei. O cheiro do seu cabelo ficou impregnado na minha roupa e em minha memória. O que eu estou fazendo?


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Notas finais do capítulo

* O sinal que o Matthew fez, foi a versão mais curta do sinal de "Boa Noite". No caso, foi o sinal de "Noite". Dependendo da situação, as vezes ele soa como o sinal de "Dormir", apesar desse sinal ser diferente.

Vídeo do sinal de "Boa Noite" completo: https://www.youtube.com/watch?v=C0HxM0_n-FE
O primeiro sinal é de "Bom/Bem" e o segundo sinal é de "Noite".

* Já que os surdos tem problema na audição (cê jura??) alguns deles tem a sensibilidade do toque bem mais desenvolvida. Eles podem não ouvir a música, mas sentem as vibrações. E em alguns casos, quando se tem muita vibração, eles se sente um tanto enjoados e tontos. E já que na minha cabeça o Matthew é todo sensível, eu deixei ele assim, um ser que anda à pé e que passa mal em automóveis.

* Nesse capítulo, o Francis mencionou que o Matthew parecia uma "obra fauvista". Em resumo, o Fauvismo (do francês fauvisme, oriundo de les fauves, "as feras", como foram chamados os pintores não seguidores do cânone impressionista, vigente à época) é uma corrente artística do início do século XX, que se desenvolveu sobretudo entre 1905 e 1907. Utiliza cores vibrantes e livre tratamento da forma na representação do mundo, iniciando a redução da linguagem da pintura a seus meios de expressão essenciais: cor, forma e pincelada.Procurem as obras do Henri Matisse que vocês vão entender como são os quadros.

—---- xXx -----

Estou impressionada comigo mesmo! Fiz dois capítulos em menos de 24 horas! Me aplaudindo aqui~

Brincadeira a parte, eu espero que tenham gostado desse capítulo. E perdão ele não ter sido tão informativo em relação aos surdos como eu fiz nos outros capítulos, mas eu precisava desenvolver a história também. Mas espero que isso não tenha diminuído o interesse de vocês pela fic. E espero que não tenham ficado tão confusos com todas essas informações novas sobre a história :'D

Até o próximo capítulo~



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