O Poema Dos Surdos escrita por Nena Lorac


Capítulo 11
Estrofe III (Parte 3)


Notas iniciais do capítulo

"O teu falar arrepia a gente
És falante de um sistema linguístico
Muito diferente"

(Parte 3)



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Matthew tinha adormecido no meu peito, e então eu o coloquei na cama para que pudesse descaçar adequadamente. Quando o cobri com aquele lençol velho até a cintura, eu me ajoelhei e abaixei a cabeça, me apoiando na cabeceira da cama. Eu consegui falar tantas vezes as palavras “me desculpe” que sinto que não vou precisar usá-las por alguns anos. As marcas dos meus dedos ainda estavam visíveis em seu pescoço, e o ódio pelos meus atos mais claros ainda.

Ele se mexia um pouco na cama. Parecia que estava tendo um pesadelo e começou a suar. Corri atrás de uma bandeja com água e um lenço para pôr em sua testa. Cada minuto que se passava, eu ia ficando cada vez mais preocupado, e Matthew ia piorando. Ele começou a ficar febril e sua respiração ficou um tanto irregular.

“Será que tudo o que aconteceu hoje... foi demais para ele?”

Não sabia ao certo o que fazer. Nunca havia cuidado de ninguém que estivesse doente. E ainda estava com as coisas que acabaram de acontecer na mente só para bagunçar ainda mais os pensamentos. Olhei para Matthew, ele tinha acordado, apontei para ele e fiz o sinal de “Doente” com uma cara de dúvida só para ter certeza, e o mesmo me confirmou com a cabeça e com um pequeno sorriso.

Não sabia como levar ele para um hospital, pôs Matthew não conseguia andar em veículos, e ainda estava de madrugada... Tinha muita coisa acontecendo na minha cabeça que eu estava para explodir. Mas Matthew puxou a manga de minha camisa e logo em seguida fez o sinal de “Bolsa”, então eu logo corri para a sala e a levei até ele.

Ele se levantou bem devagar, abriu a bolsa e começou a procurar na lista telefônica de seu celular, e apontava para um nome de uma mulher chamada Michelle. Depois apontou para mim, fez o sinal de telefone e datilologou o nome dessa mulher.

Peguei o telefone, e apertei o botão para ligar para essa pessoa. Não entendia o que ela iria fazer, nem sabia se a essa hora da noite uma pessoa iria atender o celular. Demorou alguns segundos para eu ouvir uma voz infantil falar:

— Onde está o Matthew? Ele está doente, não é?

Me assustei por aquela pessoa saber da situação tão rápido assim. Mas nada poderia fazer a não ser chama-la para vir ajudar.

— Sim, ele está... Eu me chamo Francis, e já vou passar o endereço da minha casa.

xXx

Demorou quase uma hora até eu escutar alguém batendo na porta. Corri para atender, e quando abri, vi uma garotinha de pele morena com longos cabelos castanhos dividido em duas partes, e uma garota loira de óculos um pouco mais alta com uma longa trança caindo sobre seu ombro. Não sabia ao certo como responder, mas antes que eu falasse, a garota de longos cabelos castanhos se apresentou como Michelle, e eu logo dei passagem para ela entrar.

— Me perdoe por ligar a essa hora da noite...

— Não tem importância. Onde está o Matthew?

— No meu quarto. Eu levo vocês duas até lá.

— Obrigada. Vamos, Lisette. – ela fez alguns sinais para a outra garota – Espero que ele não esteja pior como da última vez...

Quando chegamos no meu quarto, notei que a menina de cabelos castanhos retirava alguns remédios de dentro de sua bolsa e dava para Matthew. Ela conversava com ele em sinais, e pareciam bem felizes. Depois a menina se virou para mim, e tinha me dito que ele ficaria bem. Que não era para se preocupar muito. Foi só um pouco de estresse e a falta de comida.

Por alguns segundos eu dei um suspiro e fiquei aliviado sobre tudo o que tinha acontecido. Mas não durou muito quando ela me perguntou das marcas que estavam no pescoço de Matthew, e eu não sabia como reagir.

— Perguntei a ele sobre elas, e ele me respondeu que não era nada demais... mas acho que alguma coisa aconteceu e você tem relação com isso. Pode me contar... e não se preocupe. Não estou com raiva, mas quero saber o que aconteceu.

— Bem... não me orgulho em nada do que aconteceu antes de vocês chegarem. Mas as marcas no pescoço dele... são culpa minha. Eu estava o sufocando quando... – não queria admitir o problema - ... bem... é que...

— Não precisa falar o resto. Sei com o tipo de gente que Matthew trabalha.

Admitir o meu erro para pessoas estranhas não era o problema. O que era mais perturbador era o fato do meu problema ter atingindo Matthew. Eu ainda não conseguia encará-lo, e não conseguiria fazer isso por um bom tempo. A outra menina loira colocou uma das mãos em meu ombro e fez alguns sinais que eu não entendi, e fiquei com uma cara de dúvida para ela por algum tempo.

— Ela disse para não se preocupar tanto. Que ele está bem e que você pode relaxar.

— Ahh... entendo. Mas acho que eu ao menos deveria ajudar a cuidar dele.

— Ele já vai dormir e já estará melhor amanhã, então não é mais necessário a ajuda de ninguém. E a proposito... teria como ficarmos aqui hoje e ver como ele vai ficar amanhã?

— Claro. Vocês podem ficar aqui no quarto com ele e eu durmo na sala.

— Certo... Bem, esculpe a nossa intromissão na sua casa. E nos apresentando um pouco tarde, eu sou a Michelle, e essa é a Lisette. Somos irmãs de consideração do Matthew.

xXx

Já estava quase amanhecendo, e nenhum de nós 3 conseguimos dormir. Mas ao menos, Matthew estava feliz no mundo dos sonhos. E durante esse tempo, eu pude conhecer aquelas duas. Matthew e elas pertenceram ao mesmo orfanato, que foi na época que os professores deles morreram. E desde sempre, permaneceram juntos. Matthew e Lisette por serem surdos, nunca foram adotados, e Michelle foi por puro preconceito com sua cor de pele e por ela querer ser adotada com Matthew e Lisette.

Quando cresceram, eles começaram a trabalhar e conseguiram comprar um pequeno apartamento que os 3 vivem até hoje. Michelle aprendeu a língua de sinais só convivendo com eles por todos esses anos, e era a intérprete de Lisette para os outros, pois ela não sabia qualquer outra língua fora a língua de sinais.

— Desde que Matthew começou a trabalhar para a polícia, ele tem passado muito tempo fora de casa. Conversamos mais por mensagens de celular. Já está assim durante uns 4 anos.

— Mas ele já está morando aqui em casa por alguns meses... ele não tem ido visitar vocês por conta disso?

— Ossos do ofício. Mas vivemos nas mensagens de texto. E ele sempre fala que quando surgisse uma brecha, ele iria vir nos visitar.

— Pena que vocês tiveram que se rever desse jeito...

— Não se preocupe. Já aconteceu antes, e estamos cientes disso.

— Mas como você sabia que não era o Matthew no celular?

— Simples. Ele nunca ligaria para ouvir minha voz ou pedir ajuda porque ele é surdo, sabe? – ela foi irônica e deu um sorriso.

Me senti um tanto idiota por não ter lembrando desse fato. Mas conviver com ele por tantos meses, me fez ignorar esse detalhe na hora do desespero. Enquanto eu coçava a cabeça por causa dessa minha falta de atenção, percebi que a outra menina preparava o café da manhã. E fiquei me pergunto o que ela fazia, pois nada me vinha em mente já que ela não sabia qualquer outra língua fora a de sinais.

Michelle parecia ter percebido que eu encarava sua querida irmã por algum tempo e foi logo me questionando sobre isso. Meio sem graça eu respondi que não era nada, mas que estava curioso para saber o que ela fazia, já que Michelle parecia bem mais nova e não teria como ela trabalhar sendo jovem.

— Bem, tecnicamente, eu trabalho com Lisette, apesar de ela ganhar o dinheiro. Mas sou intérprete dela como confeiteira. Ela adora fazer doces, e já que não tem como escutar os pedidos, eu escrevo todos e transmito para ela em sinais.

— Entendo... ela parece a mãe de vocês dois. Talvez seja por ela ser a mais velha.

— Ela é amorosa demais, apesar de não mostrar isso para as outras pessoas que não são do convívio dela.

— Fico feliz que Matthew tenha vocês duas para ajudá-lo apesar de tudo o que ele passou...

— Você sabe o que aconteceu com ele??

— Sei... ele me escreveu uma carta contando tudo.

Ela me olhava um pouco assustada. Pediu licença e foi em direção à Lisette. Começaram a se comunicar em sinais, e isso me deixou um pouco curioso. Depois de um tempo, Lisette fez uma cara de assustada e me encarou. Depois veio correndo até mim e começou a fazer alguns sinais que eu não conseguia compreender, mas Michelle veio para me fazer a tradução daquilo tudo.

— Ela quer saber se você já tem um sinal.

— Um sinal? Como assim?

— Então Matthew ainda não te deu um... Bem, a hora certa vai chegar.

Eu fiquei confuso demais sobre aquela história de ter um sinal. Mas depois Michelle me explicou que cada surdo tem seu sinal de identificação, o de Lisette era o sinal do “L” do lado direito do rosto dando leves movimentações para a esquerda e a direita. Foi Matthew que deu o sinal dela. Ele tinha ficado encantado com o longo cabelo que ela possuía, e que vivia de tranças. Então pegou a inicial do seu nome e colocou na direção onde sempre jogava suas tranças e fez pequenos movimentos imitando a direção das mechas.

Achei aquilo como se fosse uma espécie de apelido para as pessoas. E por algum momento achei que isso só se restringia as surdos até Michelle me explicar que também tinha um sinal. O dela era o sinal de “M” de ponta cabeça que ficava bem na frente da boca e tinha a movimentação semelhante a da letra “U” para a direita e a esquerda. Quem foi que deu seu sinal foi tanto Matthew quanto Lisette. Desde pequena, Michelle vivia sorrindo. Sempre foi bem alegre, e por causa disso, os dois a batizaram com esse sinal.

— E qual é o meu sinal?

Michelle ficou me olhando e deu um pequeno sorriso. Explicou o que eu tinha dito para Lisette que teve a mesma reação. As duas falaram um pouco mais em sinais, e logo Michelle voltou a me responder.

— Só Matthew pode dar o seu sinal. E com certeza ele está pensando em um para você desde que chegou aqui. E se ele não te deu um sinal até agora, é porque ele não quer algo superficial para você.

— E por que ele faria isso justo comigo?

— Porque você é especial para ele por algum motivo.


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Notas finais do capítulo

*Sinal de "Doente": https://www.youtube.com/watch?v=D7oG77ENF_A

*Sinal de "Bolsa": https://www.youtube.com/watch?v=LBrt-7plfiY

*Para quem não entendeu, eu deixei o Matthew com pressão baixa e asma. Ficamos meio febril com a pressão baixa e a respiração irregular é por causa da asma. Posso falar disso porque tenho as duas~

*Quando um surdo te batiza (da o seu sinal), ele normalmente segue duas vertentes: física ou emocional. Quando não se conhece bem o surdo que vai te batizar, normalmente ele te da um sinal em relação a aparência. Mas quando se já tem um convívio, e uma personalidade no meio da situação, é mais provável que o seu sinal tenha um significado maior do que só se restringir a alguma coisa na sua cara ou corpo.

OBS: Michelle e Lisette são, respectivamente, a Seychelles e a Mônaco. Junto com o Canadá, os 3 são filhotes do França. Tem uma fic minha falando da relação de todos eles (fazendo merchan agora~).

—---- xXx -----

Mais uma vez eu começo essas notas pedindo desculpa pela minha demora para postar capítulos. Realmente, eu não sei como vocês me aguentam e não desistiram de mim.

Mas começando as minhas desculpa, eu vou colocar na minha faculdade: esse período eu comecei o estágio, então vai ser muito ruim por consumir boa parte do meu tempo. Sendo que vou viver no word fazendo relatórios...
A outra parte foi por causa da minha preguiça mesmo. Então, quem me tiver no facebook/twitter/instagram/snapchat me avise que eu tenho fics para atualizar, ok??

Segunda coisa... EU VISITEI UM INSTITUTO PARA SURDOS!!!

GENTE, FOI AMOR DESDE O INÍCIO!

Pra quem pretende ser professor, o ideal seria estar numa sala para surdos. Eles não colocam muitos alunos por sala (entre 10 e 15 no máximo... ou menos!!) e tudo é tão silencioso que eu comecei a duvidar se estava numa sala de aula. O professor não gasta a voz, não fica doido corrigindo 500 trabalhos de mais de 30 salas, e é respeitado. Me senti como se estivesse indo a outro país e que eu não entendia nada e que precisava logo de um tradutor. Ainda bem que os professores dos alunos surdos, em partes, são ouvintes. Então eles faziam a língua de sinais e falavam para eu entender.

Joguei até basquete e vôlei com eles. Foi maravilhoso!! Apesar de eles serem tão viciados em esportes que eu perdi feio :'D

Ainda vou voltar no instituto semana que vem para terminar minha observação do estágio e vou participar dia 20 desse mês de um evento deles para o dias dos pais. Os professores e os alunos me convidaram, então eu espero que seja bem divertido.

E não, ainda não recebi um sinal... mas é bem provável que essa semana eu receba o meu porque os professores pediram para os alunos escolherem para mim.

Até o próximo capítulo~



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