Tudo pode mudar escrita por Gaby Mendes


Capítulo 18
Capitulo 18


Notas iniciais do capítulo

Está no fim, gente :(
Espero que gostem, e não se esqueçam de recomendar já que está no fim.
Comentem tbm.



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Vamos Rose, abra essa porta. — É o que minha mente me dizia desde que havíamos chegado ao mundo paralelo, porém, meus pés se recusavam a dar aquele passo, minha mão se recusava a girar aquela maçaneta.

— Você não vai encontrar destroços de um mundo que se partiu ao meio, se é isso que te aflige. – Disse ele em tom de voz paciente, mas nunca cruzando seu olhar com o meu.

— Como eu posso ter certeza? – Disse incerta. Eu ainda não podia acreditar que o que ele havia dito instantes atrás era verdade, mesmo sabendo que o Doutor não era de jogos ou rodeios, principalmente depois do que eu havia feito.

— Não sou eu o mentiroso, Rose. Nem sou tão cruel para te trazer num lugar destroçado só para ver sua culpa. Não sou eu que faço esse tipo de coisas.

Sou eu, é claro que eu sabia disso, é claro que ele sabia disso, sabia tanto que estava usando isso para me atingir. Mesmo assim, custava eu a acreditar na veracidade de suas afirmações.

— Não precisa acreditar se quiser, apenas saia e veja. – E com isso se retirou, deixando a sala de controles ecoando seus passos.

Não me importava para onde ele iria, nem se estava dizendo a verdade ou não. Na realidade não era dos destroços que eu tinha medo, mas sim, das pessoas que sobreviveram. Dos fantasmas que há muito tive que aprender a ignorar, a não lembrar, por que doía e todos os dias pareciam que o peso só aumentava, que a ferida só ficava maior, e que agora como se nada significasse os dois anos de culpa, se nada significasse os 530 anos, que fiquei remoendo a culpa num mundo que não era o meu, recebi a noticia que estavam vivos.

Isso era cruel, mas, eu sabia que merecia toda aquela penitência, merecia aquela e todos os piores castigos do Universo. Merecia apodrecer num quarto escuro e isolado sem poder ver a luz do sol ou falar com qualquer ser andante ou flutuante, sendo alimentada por restos e tendo os piores carceireiros. Merecia ser experimento de Daleks e Cibermens. Merecia o inferno, e ainda assim, seria pouco.

Fui tirada dos meus pensamentos punitivos por batidas na porta. Batidas na porta que me eram familiares. Com passos lentos e sôfregos caminhei até a porta e abri. De costas para mim, estava a pessoa que mais pensei em todo o tempo de reclusão. Meu primeiro pensamento matinal e meu ultimo pensamento antes de me render ao cansaço e a tristeza de uma vida pesada demais para ser carregada.

— Mãe. – Minha voz saiu baixa e trêmula, mas foi o suficiente para que ela se virasse revelando que os anos haviam se passado para ela também, mas que mesmo assim, ela se mantinha bonita. Não havia mais todo o colorido, não havia mais a soberba em sua expressão, pois esta era tranquila e paciente. Ali em minha frente, estava apenas Jackeline Tyler, minha mãe.

Houve então instantes de silêncio, onde nosso olhar apenas caminhou uma pela outra até se cruzar. Surpresa, saudade, culpa, medo, choro. Tudo havia naquele olhar, naquele momento. Então ela se aproximou, e eu fechei meus olhos e abaixei minha cabeça pesarosa pela enxurrada que viria a seguir.

Entretanto, ela só me abraçou e afagou meus cabelos. Me abraçou, e senti que eu chorava silenciosamente, tocada por aquele momento, por aquele carinho que não era digna de receber da mulher que virei as costas.

— Não chore agora, minha filha. – Sua voz era paciente, a mesma de quando me contava histórias sobre meu pai na infância. – Vou te levar para casa.

Eu assenti e deixei me levar pela mulher que me abraçava. Pela mulher que pôs ao mundo e que eu reneguei. Por minha mãe.

*

Minha família já não mais morava numa mansão rodeada por luxo e empregados. Era uma casa simples, apenas três quartos, dois banheiros, uma cozinha (não tão pequena como da minha casa no meu antigo mundo, mas, nem tão grande quanto a da mansão), uma sala e uma varanda.

Não havia ninguém em casa além de mim e minha mãe.

— Nos mudamos depois que você partiu. Ninguém suportava ficar naquele lugar onde tudo lembrava você. – Ela tirou a chaleira do fogo e pegou duas xicaras no armário. – Seu pai doou boa parte do dinheiro para ajudar as forças de reconstrução de várias partes do mundo, hoje vivemos com o dinheiro da minha ong de ajuda psicológica a mães refugiadas e sobreviventes de desastres e também com as ações da empresa de seu pai.

— ONG? – Perguntei ecoando meus pensamentos.

— Eu tinha que ajudar toda essa gente, Rose. Como não tinha talento nos negócios como seu pai, nem dom em medicina como seu irmão, resolvi ajudar essas pessoas como sempre fiz, falando. Primeiro fui como voluntária, depois me capacitei fazendo faculdade e por fim abri a ONG Rosas Sobreviventes, onde ajudo mães que perderam suas famílias, marido e filhos nas guerras.

Tomei um gole do chá e olhei para as paredes da cozinha, eram listradas e lustrosas, com um relógio marcando quatro e vinte da tarde.

— Acho que te devo satisfações. – Ela assentiu. – Mas primeiro preciso que me perdoe, e que entenda que se eu pudesse, de verdade, não teria sequer conhecido o Doutor, não teria sequer me envolvido e transformado toda nossa vida.

— Não foi de todo mal, Rose. Eu pude ter seu pai de volta.

Eu suspirei. – Eu pensei tanto no papai, senti tanta falta dele e de seus conselhos. Onde ele está?

— Seu pai e seu irmão estão na Ong, seu irmão está esperando um chamado para ir ajudar num lugar que precisa de médicos, mas enquanto não acontece, está ajudando as mulheres que perderam suas famílias.

— Ele já se formou? Ainda não é muito jovem para isso?

— Com a guerra não há mais ensino regular, os homens e mulheres são encaminhados para faculdades muito jovens e com 15 anos já podem ir ou para o fronte ou para a ajuda na saúde, saneamento ou o que desejarem. Seu irmão já têm 19 anos.

— Isso quer dizer que eu passei 16 anos fora e que era para eu estar com 38 anos. – Minha mãe assentiu, mas naquela hora eu parecia mais impressionada que ela.

— Eu sabia que você voltaria um dia, mas sabia também que não seria por sua vontade. – Ela tomou um gole de seu chá e encarou as luvas em minhas mãos.

— E não é. – Coloquei as mãos fora de sua vista - Eu pensei que estavam todos mortos, você, o papai, o Tony. Eu pensei que havia destruído esse mundo por completo e matado todo o ser vivo desse planeta. Eu me culpei durante muito tempo, achando que havia perdido tudo.

— Mas você não olhou para trás não é? Você apenas foi embora e nem sequer tentou voltar. – Sua voz não era acusadora, era paciente, como se apenas estivesse constatando um fato simples, quando na verdade, eu sabia que o fato a martirizou durante muito tempo.

— Eu não podia, estava lacrado, eu não ousei por que tinha medo de voltar, eu ainda tenho. – Eu já tinha lágrimas nos olhos. – Eu estava muito ocupada tentando me reerguer para conseguir voltar e ver o estrago que eu fiz. Você estava certa, mãe. Sempre esteve.

— Não chore, Rose. Sei que não fez por mal, sei que você estava confusa e se jogou na ilusão que tantas vezes te disse que apenas iria te ferir e ferir a todos nós. Você foi como eu fui durante toda minha vida.

— A senhora nunca prejudicou ninguém, mãe. Nunca me largou, nunca foi embora quando podia ter ido e me deixado sozinha. Sempre esteve lá e eu, idiota, nunca enxerguei isso.

Ela se levantou e recolheu as xicaras se virando, um movimento que fez para esconder as lágrimas que estavam prestes a sair de seus olhos, por minha causa.

— O Doutor estava certo quanto a mim, Rose. Eu fui soberba e exagerada, eu me ergui no luxo acabando por me transformar no pior lixo de pessoa. Eu errei com você, por que eu já estava errada desde o inicio, por que eu achei que tendo posses, eu me tornaria melhor que todos. Eu vi que não é assim, quando você foi embora mesmo tendo tudo nessa casa.

Eu fui ao seu encontro e a abracei, a abracei como ela fez antes comigo, a abracei com todo o carinho que eu ainda tinha em mim e só poderia ser compartilhado com a mulher que a tanto fiz chorar, com a mulher que sempre choraria por uma filha que não merecia a ter como mãe.

Quando ela já estava mais calma, eu ainda abraçada com ela, mas já na sala, continuei – A senhora foi apenas impulsiva, minha mãe. Como sempre foi, aliás, aquele homem não tinha sequer o direito de julga-la. Não ele que a tantos matou e fez matar, não ele que traz desgraça por onde passa.

— O que aconteceu com vocês? – Perguntou se sentando e indicando para que eu deitasse minha cabeça em seu colo. Eu o fiz, por que sentia falta daquele carinho, por que sentia falta daquela mulher e principalmente, por que sentia falta de não ter que carregar todo o peso em meus ombros.

Foi então que eu contei minha história, contei como havia sido depois que eu fui embora, contei dos primeiros até os últimos dias, contei como me iludi a respeito do que eu achava ter sido guardado para mim e como foi ver que a cada dia eu me transformava no que sempre tentei evitar que ele se transformasse.

Também falei das coisas boas que aconteceram, dos bons momentos, das boas pessoas, dos bons aliens, das aventuras, de quando só era a Protetora do Universo e não Bad Wolf.

Não deixei de dizer sobre meu casamento na França, e no quanto me senti feliz naquele dia, onde senti que teria alguém para a vida toda, mas a duras penas vi que a verdade era diferente.

Teve momentos onde eu chorava e era amparada, onde ela chorava e eu a amparava. Houve momentos em que riamos e estes eram os melhores. E até este presente momento não havia falado sobre a mais duras das passagens e a que me marcaria para todo sempre, resolvi não protelar.

— Eu matei um homem, mãe. – Ela deixou de rir e me olhou atentamente.

— Não brinque com coisa séria, Rose.

— Eu matei um homem, mas antes o incitei a querer vingança para que através dele, eu pudesse me vingar de meu marido. – A palavra marido saiu torpe, ríspida, como se aquilo significasse algo nojento e repulsivo, o que de fato, acabou se tornando.

— Rose...

— Eu matei um homem duas vezes, primeiro matando seus princípios e depois o matando com minhas mãos. E eu não consegui me arrepender naquele momento. Eu sentia o ódio e o sangue dele fervendo, sentia o sentimento de fervor e raiva que entorpecia por dentro, sentia a obscuridade se aflorando. – Eu não chorava, mas sentia arrepios me eriçando a espinha. – E bem ao lado, acompanhando como um olhar de lamentação e pesar, eu via o Doutor, que nada podia fazer. Via sua expressão de medo e ao mesmo tempo de culpa, e aquilo me dava raiva, por que eu queria que ele tentasse impedir, queria que ele fosse contra suas leis do tempo, ao menos uma vez, queria que ele tentasse impedir, tentasse parar o homem que esfaqueava seus traidores, mas ele não o fazia. Ele ficou imóvel, vendo tudo acontecer.

Eu me senti tonta como se todos aqueles sentimentos estivessem voltando, senti o olhar de minha mãe sobre mim, mas não conseguia decifrar seu significado. Encarei minhas mãos cobertas por uma luva com detalhes de renda. – Fui então, quando Julio César parou que eu vi em seu olhar a cobiça e a loucura, que eu me amedrontei.  Não pela morte já que ele estava com uma adaga nas mãos, mas por mim, que também estava com aquele mesmo olhar desvairado.

Minha mãe agora tocava minhas mãos. As mesmas mãos que colocaram fim, ao devaneio de loucura que me atingiu.

— E eu o matei, com uma adaga que estava escondida em minha roupa. Só percebi que o havia feito depois que ele caiu aos meus pés, os olhos abertos surpresos por sua cumplice também o ter traído. – Eu tirei as luvas e encarei minhas mãos. – Foi com essas mãos que eu matei o Romano. Foi com essas mãos que eu deixei a adaga cair, e que eu me apoiei para cair no trono daquele homem.

— E o Doutor? – Foram as primeiras palavras que ela disse ao longo da minha narração.

— Ele ficou lá, parado. Apenas perguntou por que eu havia feito aquilo. – Seu olhar gelado, voltou a minha mente, como uma lembrança refletida em uma poça de agua turva e suja.

— E por que você fez isso? – Eu havia fechado meus olhos, para não encara-la. Para não ver seu olhar de tristeza e repreensão.

— Eu não sei. Todos os dias da minha vida, me faço essa mesma pergunta querendo entender o que me levou a matar aquele homem. As lembranças são turvas e ao mesmo tempo vividas. Lembro de tudo o que aconteceu, lembro de seu sangue, lembro de gritar, lembro de me divertir com aquela maldade, porém, não sei o que me levou aquele lugar, nem por que me diverti tanto com o horror que estava a minha volta. Lembro de tudo estar em tons vividos de vermelho e de preto, entretanto, não sei por que agi daquela maneira. – Fui interrompida por uma crise de choros esganiçados e soluços constantes que saiam da minha garganta. Fui interrompida pelo abraço e pelo amparo da única que estava e estaria lá para mim.

— Minha doce Rose. O que aquele homem fez com você? No que ele te transformou minha filha? – Minha mãe repetia horrorizada e penalizada.

— A culpa é minha, não o culpe por um erro meu. Fui eu que fiz aquilo, ele tem todo direito de me abandonar e esquecer que eu existo. Ele confiou em mim e eu destruí tudo. – Ela se levantou de repente.

— Você acha então que é justo? Ele te tirou duas vezes de casa, de sua família, de sua sanidade. Ele te jogou usou como corda para se segurar, e depois, te empurrou montanha abaixo. E não qualquer montanha, a mais alta, por que ele te fez acreditar pela segunda vez que ele te amava.

— Sim, ele fez tudo isso. Mesmo que involuntariamente, ele me ergueu e me fez ser uma segunda versão dele. Ele me usou, ele me deixou livre, mas presa a ele. Ele me tirou tudo e ainda assim...

— Você o ama. – Completou a frase que eu tentava não mais viver, não mais sentir, não mais ser a verdade. – Que tipo de relação doentia é essa, Rose?

— Se eu soubesse, talvez me ajudasse a esquecê-lo.

 Não era justo, mas era a verdade. Foi uma relação doentia desde o principio, desde aquele dia onde salvei a vida dele. Por que sempre era eu que tirava meu coração para salvar os dele e em troca recebia as migalhas. Por que fui eu tirei minha alma e a vendi ao diabo, para que a dele fosse poupada. E como se não já bastasse, eu sempre faria mais.

E por mais que eu já tivesse entendido que cometi um erro, que matei aquele homem por pura ira. Eu sabia que fiz aquilo por ele, não para enerva-lo, não para coloca-lo numa situação difícil, não para simplesmente me divertir com sua expressão de surpresa. Mas para, apenas, mostrar que eu era como ele. Que eu podia também ser capaz de ter um lado obscuro e que para isso, eu podia muito bem me furtar do bom senso.

Não eu não queria surpreende-lo. Eu somente queria, faze-lo enxergar até o quão longe eu iria por ama-lo incondicionalmente. Então, enlouquecida, perdi os limites e me afoguei na escuridão. E ao invés de me ajudar, ele me abandonou, e preferiu fugir mais uma vez. Mas, mesmo assim, não houve um dia que não pensei nele e em seu perdão.

Foi em um desses dias que descobri o que venho tentando esconder e até acabar, mas que não consegue morrer ou se esvair.

Talvez, essa foi a penitência que melhor me convêm. A maior que tanto pedi, e assim sendo, tenho que enfrenta-la sozinha. Tenho que conviver com ela e me habituar a lembrança mais cruel de minha vida.

Por que sempre que olhar para isso, terei que me convencer que errei e que nunca terei perdão. Terei que ver crescendo e me consumindo a vida, o fruto do meu mais longo erro, e que cometeria de novo se assim fosse necessário.

— Isso não é justo. – Minha mãe continuava a repetir. – Você errou, mas ele não é inocente!

— Não, não é. Nem nunca vai ser. Mas fique tranquila que minha punição já está certa. – Ela olhou para mim.

— Você vai para prisão?

— Não, mas terei de conviver com a certeza de que nunca mais serei a mesma, e que nunca mais terei o perdão dele. – Suspirei e criei coragem para dizer aquelas palavras em voz alta pela primeira vez. – Eu estou grávida do homem que destruiu a minha vida. Eu estou esperando uma criança filha do Doutor.

*

Não tardou para que meu pai e meu irmão chegassem. Não ficaram surpresos ao ver que eu estava em casa, aparentemente, apenas eu não sabia que poderia voltar para casa, mas nenhum deles se ateve aos detalhes, apenas disseram o quanto suas vidas haviam mudado.

Minha mãe em nenhum momento tocou no assunto. Fui eu que tive que novamente contar toda a história, e eles me apoiaram até o fim.

Fiquei feliz ao ver que nenhum deles guardou ódio de mim, e que me perdoaram de verdade. Em especial minha mãe que a tanto fiz sofrer.Eu tinha minha família de volta, e os perdões enfim foram pedidos e aceitados, por ambas as partes, mas ainda restava uma última coisa a fazer.

Enfrentar o pai do meu filho.


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Notas finais do capítulo

E aí? Palpites do que vai acontecer agora? Sugestões? Faltam dois capitulos povo, leitores fantasmas se manifestem ou não terão mais oportunidades rsrsrs Só na outra temporada que se chamará "Tudo está Mudando".
Kisses e obrigada a todos que estão firmes até agora.



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