Fanfic de Supernova escrita por Laplace Cavalcanti


Capítulo 1
Floresta de Vidro - por Vesta


Notas iniciais do capítulo

Fanfic da saga Supernova do autor Renan Carvalho, para participar do concurso cultural promovido pelo selo Novas Páginas do grupo editorial Novo Conceito.

Obs.: Essa fanfic possui spoilers da saga Supernova.



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Os tomates parecem bastante deliciosos, o vermelho vivo reluz ao brilho do sol e eles parecem implorar para que eu prepare uma saborosa refeição com eles. Levo um bem próximo de meu nariz e sinto seu aroma. Um ruído alto o suficiente para chamar a atenção de todos no mercado assalta meus ouvidos.

— D’anel! — repreendo meu irmão, que está caído próximo a uma barraca com um cesto sobre a cabeça e vários repolhos espalhados por todos os lados.

— Desculpe. — ele tira o cesto da cabeça, oferecendo um sorriso culpado.

— Seu moleque! — grita o vendedor, vendo o estrago em sua tenda.

D’anel foge por pouco dele, mas é detido por mim, que seguro seu braço.

— Vesta! — ele me fita, incrédulo por eu tê-lo traído.

O senhor Demito nos alcança e encara meu irmão com fúria. D’anel se esconde atrás de mim. Esse é o mal de ser mais velha que seu irmão de 7 anos, sobra para mim lidar com suas encrencas, já que fico com ele enquanto nosso pai trabalha.

— Agora eu te pego, seu moleque! — comemora o senhor Demito. — Estou cansado de você derrubando meus repolhos com suas brincadeiras.

Mantendo o pulso de meu irmão firme em meus dedos, sinto quando ele estremece por medo do vendedor. Dou um passo à frente.

— Sinto muito pelo que meu irmão fez, senhor Demito. Como nosso pai está trabalhando e nossa mãe faleceu, sou eu quem o educo, mas ele é muito teimoso.

Senhor Demito fica sem graça quando menciono minha mãe e a fúria em seu rosto desaparece. Ele coça a nuca, incerto sobre como prosseguir.

— B-Bem... ele é só uma criança, Vesta, e você também, não se cobre tanto, estou certo de que tem feito o seu melhor.

Não me considero mais tão criança assim, em breve farei 16 anos e desde que nossa mãe era viva que eu a ajudava com a casa. Depois que ela faleceu no parto do D’anel passei a cozinhar e arrumar nossa pequena moradia.

Vivemos em um vilarejo, em uma clareira da Floresta de Vidro. Somos cerca de cinquenta habitantes e, até onde sei, ninguém nunca deixou esse lugar desde que o fundaram há cerca de dezesseis anos. Não temos contato nenhum com o mundo exterior, e confesso que não tenho o menor interesse de saber o que há lá fora.

Além do mais, dizem que a Floresta de Vidro é muito perigosa. Há lendas sobre feras que a habitam, mas nunca nenhuma chegou à clareira. E se chegassem acredito que saberíamos nos defender, alguns de nós conseguem manipular os elementos, eu mesma consigo encantar objetos, deixando-os em chamas.

Também há histórias sobre vozes sussurrantes serem ouvidas em meio à névoa que paira entre os troncos das árvores. Não é possível enxergar além de um palmo de distância, esse outro motivo para nem os garotos mais travessos, como meu irmão, não se aventurarem por lá, eles não sabem onde há buracos e outros perigos.

— Nós iremos ajudá-lo a arrumar tudo — digo. — Não é, D’anel?

— Vamos? — lanço-lhe um olhar de repreensão. — Vamos!

Senhor Demito agradece e volta para sua barraca. Dou um cascudo em D’anel quando estamos a sós, e meu irmão esfrega o local atingido, mostrando-me uma careta. Coloco o cesto com nossas compras no chão e começamos a recolher os repolhos. Eles se espalharam por todos os lados.

Já com três repolhos retidos por um braço, abaixo-me para pegar um dos que caiu mais distante, contudo antes que minha mão o alcance, outra o pega para si. Meus olhos encontram o par de botas do dono da mão e coro, reconhecendo-as.

— Jimmy! — ergo-me rapidamente, e meu movimento faz com que os três repolhos que capturei escapem.

Resmungo comigo mesma em reprovação à minha reação, enquanto Jimmy ri para mim. Seu belo rosto ficando mais bonito do que já é, agora que suavizado pelo riso.

— Acho que você deixou cair isso. — ele me estende o repolho que pegou com uma das mãos, enquanto a outra segura um machado.

— Deixei cair bem mais que isso — digo, rindo e tentando conter meu acanhamento diante dele.

Jimmy tem 18 anos e é novo por aqui, meu pai o encontrou dias atrás na floresta enquanto trabalhava, na área ao redor da clareira, onde não há névoa, na demarcação dos limites até onde nos arriscamos a ir. Ele estava bastante ferido e inconsciente. Com a ajuda de amigos meu pai o levou para casa e nós cuidamos dele.

Agora, quase praticamente recuperado, ele está trabalhando como lenhador com meu pai. Porém, apesar de seus esforços para ajudar no vilarejo, a maioria das pessoas não gostam dele. Vai ver é porque nunca ninguém de fora chegou aqui desde a fundação do vilarejo. Não estamos habituados com presenças externas.

Mas as crianças o adoram, amam ouvir suas aventuras no mundo além da clareira. Confesso que também fico curiosa para escutá-lo, entretanto limito-me a isso, não pretendo jamais deixar o vilarejo. E anseio sinceramente que Jimmy nunca parta, acho que me apaixonei por ele. Ele é bastante carinhoso e atencioso, e suspeito — na verdade torço — para que também tenha sentimentos por mim.

— Ei! — senhor Demito grita para Jimmy. — Não toque nos meus repolhos!

Sem chateação, ele assente e dá um passo para trás, oferecendo-me um sorriso. Retribuo o gesto, embora interiormente esteja triste por muitos não gostarem dele. Como alguém pode não gostar dele?

— O expediente já acabou? — tento mudar de assunto, embora fosse óbvio que àquela hora os lenhadores já tivessem voltado para casa.

— Sim, quando eu e seu pai chegamos em casa e vocês não estavam, ele me pediu para vir aqui ver se você estava precisando de ajuda com as compras.

Acanho-me novamente. Sei que a ideia foi de meu pai dele vir em meu auxílio, mas mesmo assim, Jimmy aceitou, então significa que quer ficar perto de mim.

— Já estamos indo, comprei ingredientes para preparar um jantar delicioso para nós! — lembro-me que quando viva minha mãe dizia que um homem se conquista pelo estômago.

— Estou ansioso para isso, deixa eu te ajudar para nos apressarmos.

Recolhemos todos os repolhos, ele pega meu cesto de alimentos e partimos para casa, onde papai nos aguarda. Ele e D’anel conversam com Jimmy enquanto preparou nosso jantar. Nosso hóspede até aparece na cozinha vez ou outra para me ajudar, ele diz que adora cozinhar.

Gosto desse nosso momento juntos, apenas nós dois. Trocamos risadas e sinto algo forte dentro de mim quando nossas mãos se tocam na panela, quando eu o ensino a como segurar a colher para mexer a comida. Definitivamente estou amando Jimmy. É por isso que sinto como se uma flecha acertasse meu coração quando nós dois estamos conversando a sós após o jantar no terraço de minha humilde casa.

— Será melhor, Vesta, já reparei que não sou bem vindo aqui e parece que isso não mudará. Além do mais, deixei toda uma vida para trás desde que cheguei ao vilarejo, há pessoas preocupadas comigo. E eu posso voltar para visitar vocês.

Baixo a cabeça, entristecida. Não acredito que ele realmente voltará, caso parta.

— Meu pai sabe? — ele afirma com a cabeça. — D’anel ficará muito triste com sua partida, e eu... — contenho a dor de um coração partido e movo a cabeça para o lado para que ele não veja minhas lágrimas. — eu também.

Ele toca delicadamente minha face e a vira para si, reparando em minhas lágrimas. Jimmy me presenteia com um sorriso carinhoso e me abraça com força. Então vai deitar. Também sigo para meu quarto, porém não consigo dormir. Como conseguirei, sabendo que o amor de minha vida partirá em breve?

Levanto-me da cama e sigo para a janela, torcendo para que a lua me traga consolo e as estrelas realizem meu desejo de que ele nãose vá. É nesse momento que vejo Jimmy sair furtivamente de casa. Ele está indo às escondidas, sem se despedir.

Não posso permitir! Visto uma capa por cima da camisola e disparo ao seu encontro. Todos já dormem em suas casas a essa hora e o vilarejo está deserto. Não grito chamando-o para que ele volte, pois não quero incomodar ninguém. Então apenas o sigo. Sigo-o até a Floresta de Vidro.

Recordo-me das lendas das feras e vozes sussurrantes, e um frio sobe por minha espinha, porém me mantenho corajosa. Ultrapassamos a área de trabalho dos lenhadores e a névoa nos recepciona. Sinto frio e me aconchego melhor na capa. O chão sob meus pés emite pequenos estalos a cada passada e logo associo isso ao nome daquela floresta. Jimmy avança mais um pouco e para atrás de uma árvore, mas não parece ter ouvido meus passos. Escondo-me bem próximo para entender o que ele fazia.

— Ainda bem que nenhum animal selvagem encontrou — diz ele, desenterrando uma sacola. — Assim poderei seguir com minha missão.

Fico perplexa ao vê-lo tirar da sacola o que parece ser um braço e emito um grito de pavor, ao mesmo tempo em que meu susto faz com que eu encante o braço sem reparar. Jimmy o solta de repente, ao sentir sua mão queimar pelo calor repentino, e paro de encará-lo quando o vejo sondando o espaço com os olhos.

— É você não é, Vesta? Eu sei que é você quem está aí.

A imagem do que ele tinha em mãos está bem vívida em minha mente, porém não quero crer nisso, sei que ele é uma boa pessoa, por isso fico visível.

— Aí está você — ele diz e me mostra seu belo sorriso. — Pensei que você apenas iria reparar em minha partida pela manhã, quando visse a carta que deixei, mas se está aqui é porque meu seguiu.

— O que... o que você está fazendo, Jimmy? — tento ocultar meu medo.

— Jimmy. — ele ri com deboche. — Você não deveria estar aqui, Vesta, deveria estar em casa, mas já que veio não tem mais volta. — ele vem em minha direção, e eu recuo de costas. — Veja bem, eu forjaria minha própria morte para que vocês pensassem que eu morri quando parti do vilarejo.

— M-Mas por quê? Só por que não gostaram de você? É porque você é novo aqui, nunca encontramos ninguém de fora. O pessoal logo se acostuma.

Minhas costas encontram uma árvore e paro. Jimmy também.

— Sua inocência sempre me encantou, pena que nunca pude ficar. — ele reduz a distância entre nós. — Eu estive caçando vocês, Vesta. Nunca foi um acidente o seu pai ter me encontrado. Eu entrei na Floresta de Vidro em busca de vocês, e quando descobri o vilarejo me machuquei para que vocês pensassem que cheguei aqui por engano, fugindo de uma fera. Minha missão era descobrir aquele lugar e coletar informações.

— Jimmy...

— Meu nome nem é Jimmy! — ele interrompe e ri de mim. — Foi tudo armação. E sabe por que resolvi contar a você? Porque, como você me seguiu, terei que te matar.

A névoa se intensifica, sinto frio e começo a ouvir os aterrorizantes sussurros entre as árvores. Ele avança em minha direção. Atônita, fecho os olhos e me encolho, porém nada acontece. Quando volto a enxergar vejo Jimmy tentando soltar os pés, que estavam presos ao chão, congelados. Olho para baixo e consigo ver, agora que a névoa ao nosso redor havia se dissipado, o gramado congelado sob meus pés.

Movo-os sem sair do lugar, como se estivesse enterrando-os, e ouço os pequenos estalos novamente. É por isso que chamam esse lugar de Floresta de Vidro, por causa do chão congelado com cristais de gelo, que estala como se fosse vidro quebrando quando pisamos.

— Foi você quem fez isso, não foi?! — Jimmy encara-me, furioso.

— Não. — uma voz responde atrás dele.

A névoa nos impedia de ver a quem ela pertencia, até que abre espaço, como se fosse jogada para os lados, e, para minha grande surpresa, meu pai aparece. Os sussurros somem com sua chegada. Eu sempre soube que meu pai era um manipulador, mas não sabia que ele era capaz de fazer tanta coisa.

— Você esteve nos observando, Jimmy? — papai indaga, em tom superior. — Fizemos o mesmo com você. Por que você acha que sobrevivemos aqui nesses quase dezesseis anos? Você acha que foi o primeiro a nos procurar? Foi o primeiro a encontrar o vilarejo, mas acha mesmo que ninguém nunca tentou antes?

Corro para trás de meu pai. Jimmy consegue soltar os pés e o encara, sem demonstrar medo. Ele saca um punhal de sua cintura.

— Eu deveria ter imaginado que vocês eram mais espertos do que aparentavam. Mas isso não importa, matarei os dois e seguirei com minha missão.

Jimmy dispara contra nós. Eu estremeço. O frio volta a aumentar e a névoa ao nosso redor aumenta e se agita. Estamos cercados por um paredão branco gelado. Sem demonstrar esforço algum, meu pai congela Jimmy, fazendo-o parar em posição de corrida, com um pé no chão, o outro no ar e a mão com o punhal que nos mirava erguida, preparada para o ataque.

— Sinto muito que você tenha enfrentado isso — ele diz, ainda de costas para mim. Então me encara com aquele olhar que os pais nos mostram quando acham que falharam em seu papel de nos protegerem.

A temperatura se torna mais agradável e, encarando a estátua de gelo que Jimmy se tornou, tento processar tudo que ocorreu.

— As coisas que ele disse... são verdadeiras? Ele estava nos caçando?

Meu pai baixa a cabeça.

— Há alguns quilômetros daqui a uma cidade chamada Acigam. Eu e todos os demais moradores do vilarejo acima de quinze anos viemos de lá. Fugimos há quase dezesseis anos de nossa cidade natal devido a problemas que lá ocorreram. Estavam perseguindo os magos e descobrimos que planejavam fechar a cidade para o mundo. Iriam matar todos nós. Alguns decidiram ficar e combater o governo, porém outros fugiram com suas famílias. — ele volta a me olhar. — Você foi uma das primeiras pessoas a nascer aqui, quando ainda estávamos erguendo o vilarejo.

Sinto como se toda minha vida fosse uma mentira e me apoio em uma árvore para não cair com a leve tontura que me assola.

— Então a história de nunca deixarmos o vilarejo por termos tudo que precisamos e as lendas sobre feras na floresta...

— Tudo mentira. — ele complementa. — Inicialmente apenas acampamos na clareira, o estado de alguns dos nossos não era bom, como o da sua mãe, que estava grávida, por isso não nos deslocamos tanto. Depois vimos que poderíamos construir algo bom aqui e também não sabíamos até onde o governo de Acigam havia estendido a caça aos fugitivos, então não arriscamos mais sair. Criamos a lenda da Floresta de Vidro, usamos os elementos para criar a névoa, o sussurro entre as árvores e o chão congelado, para dar a impressão de que cacos de vidro estão quebrando à medida que nos movemos. Todos os magos adultos do vilarejo ajudam a vigiar a floresta, para que ninguém nunca nos encontre.

— E outras pessoas já tentaram nos encontrar antes?

Volto a encarar a estátua de Jimmy. Meu pai não responde, porém compreendo que só não nos encontraram até hoje porque ele e os demais mataram quem tentou.

— Nós planejamos contar aos nossos filhos, apenas esperávamos que vocês se tornassem mais velhos. Sinto muito que você tenha descoberto dessa forma, Vesta, isso não deveria ter acontecido. E eu lhe suplico que não conte nada ao D’anel, não quero que ele viva com medo. Queremos que nossas crianças tenham uma vida normal e não que vivam temerosos que alguém pode nos encontrar a qualquer momento e destruir tudo que construímos. Por isso temos escondido a verdade.

Silenciamo-nos. Enquanto tento me habituar à nossa real vida, meu pai repreende a si mesmo pelo que Jimmy poderia ter feito comigo, por causa disso de não alertarem os mais novos sobre o perigo constante que corremos. Talvez esse medo nunca nos abandone, talvez tenhamos que dormir com um olho aberto pelo resto de nossas vidas.

No final das contas, as lendas sobre os monstros na Floresta de Vidro são reais, porém eles são pessoas como nós. Pessoas que nos querem mortas.

— Eu quero ajudar — digo, e reparo que ele não compreende. — Sou uma maga, posso encantar objetos. Quando eu for mais velha terei que acabar fazendo isso de qualquer maneira para nossa proteção, não é mesmo? Agora que sei a verdade, eu quero ajudar a proteger nosso vilarejo.

Vejo um sorriso de orgulho iluminar o rosto de meu pai e entendo que ele compreende que fui sincera, e que farei de tudo para proteger D’anel e todos que amamos.


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