Lances da vida escrita por Jana
Notas iniciais do capítulo
Como será vai ficar nosso casal de fugitivos?
SOLUÇO
– Não acha que devemos discutir o plano?
– Não. Digo firme
– Por que?
– Você não é racional.
– Desculpe, mas fui eu que dormi ontem à noite. Então quem não está sendo racional aqui é você, por isso digo que vamos discutir o plano.
Estendo a mão para levanta-la. – Você nunca foi racional. E antes que queira discutir isso, foi você que veio atrás de mim ontem à noite.
Ela pega minha mão e se levanta, seguro sua cintura para firma-la. Quando ela já está firme deixo- a ir. Ela para na minha frente com seu nariz arrebitado para cima. O lugar é apertado fazendo que fiquemos muito próximos.
– Isso não foi irracional, foi um risco calculado.
– Calculado? Pergunto não acreditando no que ela disse
– Deixa para lá.
Saimos do castelo e encontramos algumas mães com crianças brincando no parquinho. Elas nos olham como se tivéssemos sido pegos em flagrante fazendo coisas indecentes.
– Vai me falar qual é o plano que eu não vou gostar?
– Mais tarde.
– Você está adiando o inevitável
– É, sou mestre nisso.
Vejo a dificuldade que Asty está tendo de caminhar e a raiva do que minha irmã fez a ela me consome. Se não fosse sua irresponsabilidade de insistir em dirigir enquanto esteve bebendo ela não teria se assustado com um esquilo e não acertaria a Asty.
– Quer sentar? Droga, por que a boto nesse tipo de situação?
– Não, caminhar ameniza a dor.
Pego nossas mochilas enquanto olho sua luta para simplesmente caminhar.
– Não me olha assim.
– Assim como?
– Como se você se culpasse por isso. Nós e agora todo o grupo sabe que não foi você. Ela me olha com pena e isso também não é bom.
– Onde podemos comer e usar um banheiro? Ainda tenho uns duzentos dólares e acho que dá para algum tempo antes de pedirmos esmola. Ela diz
– De jeito nenhum deixarei você gastar seu dinheiro. Eu tenho vinte dólares e arrumo um emprego. Nem pensar que deixarei você mendigar.
– Foi brincadeira, também não levo jeito para mendiga.
Andamos por alguns quarteirões e chegamos em uma lanchonete suja, mas pelo menos tinha banheiro de graça e a comida era barata. Sentamos em uma mesa e Asty vai ao banheiro enquanto observo o movimento do lugar. Pessoas solitárias, tomando seu café sem companhia, não quero terminar como uma dessas.
Quando Asty volta está penteada e nem parece que dormiu tão mal essa noite. Ela se senta na minha frente e eu pego suas mãos. A forma como ela fugiu para vir atrás de mim sem eira nem beira me humilha.
– Asty. Sinto um nó na garganta ao proferir essas palavras. – Vou te levar de volta. Não a deixo protestar. – Sabe o acontece comigo a cada vez que a vejo sentir dor?
Ela solta minha mão. – Estou bem.
– Não minta. Esqueceu, sem mentiras
– Tá bom, mas não me importo de sentir um pouco de desconforto. Percebo que ela parece incomodada com algo. Como se quisesse dizer alguma coisa. – Soluço, você já disse para alguma menina que a amava?
Penso nessa pergunta. Kendra disse no nosso primeiro encontro que estava apaixonada e daí tudo rolou muito rápido. Ela sempre falava a palavra amor com muita facilidade. Eu já disse a Kendra que a amava, mas será que eu sabia realmente o que é isso?
– Por que quer saber isso?
– Sei lá, você nunca disse...
Sei o que ela ia dizer. Não quero falar desse assunto, pelo menos por hora.
– Eu não falo isso para ninguém. Vou te levar de volta. Você merece um destino melhor. Você tem sua viagem para o Canadá e se eu dissesse a palavra com A estragaria tudo. Eu te conheço e sei que se sentiria obrigada a largar seus planos por mim e isso me faria me sentir um lixo.
A garçonete chega com nossos pedidos e volta. Asty sorri e começa comer. – Venha comigo.
– Você sabe que não tem como. E o que eu faria lá, te ver estudar? Eu não me formeino colegial.
– Você pode fazer um supletivo.
Ela age como se eu tivesse opções. Meu futuro já está comprometido e nem tenho um centavo no meu nome.
– Há sim, vai dar tudo certo e vamos nos casar só deixa eu tirar o nosso castelo de mármore e ouro de dentro da minha mochila. Quando meus pais se casaram ele estava indo para a faculdade e ela era a líder das ajudantes das mulheres. Tudo era estrategicamente calculado na vida deles até eu ser preso. E minha mãe odiaria essa conversa.
– Soluço, eu não sabia como te dizer, sua mãe está na reabilitação.
Me estremeço com essa noticia. – Vamos parar essa conversa. Não quero falar da minha família.
Ouço o sino da porta abrir e olho para ver quem está entrando. Vejo Bocão se aproximando de nossa mesa.
Droga, vou preso. Astrid, ela fez isso – Você fez isso.
– Fiz. Eu sabia que você ia me abandonar e liguei para o Bocão enquanto fui no banheiro.
– Você me entregou, cadê o vamos discutir o plano?
– Você não estava sendo racional. Ela fala manso como se falasse com uma criança ou um desequilibrado.
– Você entendeu errado, você é que estava sendo irracional.
Tento inutilmente procurar uma saída enquanto Bocão senta do meu lado fechando minha passagem. – Como vai o meu casal de fugitivos do Re- FORMAR? Ele fala olhando meu prato quase intocado. - Coma Soluço. Você vai precisar de energia para as tarefas do dia.
Não como nem olho para Bocão. Meu olhar é fixo em Astrid.
– Você ia me levar de volta para o dormitório e ia fugir de novo. Não podia deixar você fugir.
– Você prefere me ver preso.
– Não. Você não pode fugir de quem quer te ajudar.
– Se você se importasse o meu conselheiro de transição não estaria aqui do meu lado.
A garçonete chega e pega o pedido do Bocão – um café e o mesmo que eles.
Ela nunca vai entender que qualquer honra que eu tinha perdi no momento em que confessei que não fui eu que a atropelei.
– O negócio é o seguinte. Quem estava no volante na noite do acidente? Se não falarem eu ligo para a promotoria. O que vão querer? Do meu jeito ou do deles.
ASTRID
Eu acabei de irritar o Soluço. Sinto que ele quer fugir, eu não tenho força para impedi-lo por isso chamei Bocão. Ele é o único que pode detê-lo.
– Deixa o Bocão te ajudar.
– Você não entende? Ninguém pode me ajudar. Enfia isso nessa sua cabeça dura.
– Não é com ela que você deve brigar, Soluço.
– Você é que pensa, essa aí engana bem. Por que não conta a história toda, já que me dedurou mesmo.
– A história não é minha, é sua.
– Estou esperando. Bocão fala
– Não posso falar. Soluço responde
– Por que não?
Soluço me olha e não responde.
– Eu li seu arquivo, você explicou exatamente como foi o acidente.
– Sou bom contador de histórias.
– Vamos fazer o seguinte. Por enquanto eu finjo que não sei do seu segredo e você volta ao programa e fica até o final e me promete que depois do programa volta para a sua casa e resolve seus problemas e eu te livro da acusação de porte de drogas. Aceita?
– Por que faria isso?
– Por que acredito que você é um bom garoto que faz escolhas erradas na vida. E como eu também fiz escolhas erradas na vida e estou disposto a te dar uma última chance.
– Que escolhas erradas você fez? Você nos faz falar de nossas experiências, mas nunca falou as suas.
– Fui viciado em cocaína, perdi minha namorada, meu filho e meu dinheiro. Tomei uma surra por dívida de drogas. Depois de um tempo consegui sair dessa e me endireitei, mas não há um dia na minha vida que eu não me arrependa de tratar minha mulher e meu filho como lixo. Eu queria poder recuperar eles, mas é tarde. Ela se mudou para muito longe e só deixa eu ver meu filho uma vez por ano.
– Você não pode tentar, sei lá. Dizer que a sua vida está correta agora e quer voltar? Soluço pergunta.
– Não é assim. Eu fiz coisas reprováveis. Roubei dinheiro e bens de família e amigos. Não há perdão e eu aprendi a conviver com isso.
Soluço perdeu a confiança em mim. Mas se resignou. – Tudo bem.
Voltamos para a suíte e encontramos o pessoal esperando a gente ansiosos.
– Por onde vocês estavam? Jack pergunta. – Escapuliram para fazer o indecente?
Soluço e eu ignoramos ele e seguimos em nossos respectivos quartos. Bocão passou por Jack e acertou um tapa em sua nuca. Enquanto eu fui seguida pelas meninas para o quarto.
– Estou aliviada por você ter voltado. Heather diz e Elsa concorda.
Elsa senta na ponta da minha cama enquanto retiro minhas coisas da mochila.
– Onde vocês foram?
– Soluço tentou fugir e eu não podia deixar ele sozinho.
– Ele precisa de você.
Sorrio sem vontade – Acho que ele não concorda contigo nesse instante. Ele está ressentido comigo porque liguei para o Bocão.
– Quando ele perceber que foi o melhor ele vai te perdoar. Os homens são loucos por controle e acham que sempre tem que estar certos e não gostam quando alguém sabe o que é melhor para eles.
Depois que todos tomaram banho e se trocaram, Bocão nos chama na sala. Ele parece empolgado.
– Hoje vamos ao reformatório.
– Já vivi ali por um ano. Já conheço. Soluço murmura baixinho
– Vocês vão compartilhar com eles as suas experiências.
Bocão se aproxima de Soluço sem invadir seu espaço, sem toca-lo. – Está tudo bem, Soluço.
Soluço parece abalado, vira o rosto e as palavras saem como se fosse por conta própria. – Eu não quero ir. Me tira dessa.
Sei que pedir por favor é difícil para ele.
Bocão só balança a cabeça lentamente e lhe dá um tapinha nas costas. – É preciso, Soluço. E todos nós estaremos lá por você.
Na van procuro me sentar no fundo com ele. Sua postura é nervosa. Ele está tenso.
– Quer conversar?
Ele só balança a cabeça sem força.
Chegamos no centro de detenção juvenil, ou DOC como Soluço gosta de chamar. Nossa van é revistada e conduzida até o portão aramado. Sinto a tensão que irradia de Soluço. Não sei tudo o que aconteceu com ele aqui, ele só me contou um pouco. Acho que realmente não deveria ter ligado para Bocão.
Saímos da van e vejo dois guardas com armas em seus coldres.
O cara com uma roupa escura se aproxima de Soluço. – Não te vejo desde que saiu. Espero que esteja andando na linha.
Vejo Soluço quase bater continência. Ele está rígido. Ele rosna – Estou tentando, senhor.
– Tentando? Acho que pode fazer melhor do que tenta, Strondus.
– Sim, senhor.
Ele passa de Soluço para nós enquanto Soluço abaixa a cabeça.
– Meu nome é Sr. Yates e essa é a Sra. Browell. Ele fala alto. As meninas seguirão a Sra. Browell até a ala feminina e os meninos vem comigo. Preparados?
Todos concordam exceto Soluço que puxa Bocão para o lado. – Não posso fazer isso.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Tadinho do Soluço. Está tremendo nas bases.