SOLUÇO

Não era minha intenção expor tudo dessa forma, mas ver ela ali, compartilhando tudo daquela forma foi demais para mim. Esse programa Re-FORMAR é uma completa bobagem. Eles acham que falar sobre o que passaram cura milagrosamente as coisas.

Bocão e os outros têm que cair na real e saber que isso não apaga o passado. Falar dessa merda toda não vai apagar os meses que eu vivi dentro do DOC, nem vai mudar a realidade que não tenho amigos verdadeiros e nem família. Eu não vivo...sobrevivo.

Encontrar Astrid de conversinha íntima com Felipe me fez querer virar aquele cara do aveso. Tenho que admitir que ele é legal, diferente do Jack que é um pé no saco, mas vê-la confiar nele mais do que nunca confiou em mim fez meu sangue ferver. Avistei um megafone.

– Soluço, por favor, não. Astrid diz

Ignoro seu pedido e vou até o megafone o ligando. Todos no local me olham sem saber o que vou fazer. Levo o megafone à boca.

– À quase dois anos dirigi meu carro bêbado depois de sair de uma festa. Atropelei uma garota e fugi do local porque era atleta e não queria perder a bolsa na luta livre. Fui preso e passei quase um ano no reformatório.

Olho para Astrid que balança a cabeça e vira as costas para mim. Estou perdendo ela de novo.

Volto a ligar o megafone e continuo. – Quando saí me envolvi com minha vítima. Agora as pessoas estão me olhando assustadas e fazem comentários. – Tivemos um lance, demos uns amassos e dormimos juntos. Me mandaram se afastar dela e eu ignorei. Foi meu maior erro.

Vejo Astrid seguindo para a saída e o bom Felipe a segue. Que raiva.

– Astrid. Falo do megafone para que ela me ouça. – Quer acrescentar mais alguma coisa? Acho que estou esquecendo da noite no gazebo, né?

Vou até Astrid. Ela mesma que acha que falar resolve tudo

– Cala a sua boca, Soluço.

Entrego o megafone para ela. – A verdade dói, né?

ASTRID

Estamos de volta na van, rumo a Universidade de Stanvager. Depois do showzinho de Soluço, corri para a floresta e chorei. Felipe foi atrás de mim e não me fez nenhum tipo de pergunta nem questionamento, só me consolou. Me deu seu ombro amigo.

Aquela cena toda dele foi horrível.

Ele mentiu

Adulterou a verdade

Nosso momento íntimo no gazebo era particular. Para mim foi especial, foi o melhor momento da minha vida que eu guardaria como uma coisa preciosa. Tudo naquela noite foi mágico, as luzes que ele instalou, as velas que faziam o lugar brilhar. Todos os nossos beijos calorosos. Nossa dança tudo foi romântico. Ele me tratou como se eu fosse a mulher mais importante da vida dele, como se fosse a única na vida dele.

Ele destruiu a única lembrança dele que eu realmente valorizava.

Ainda bem que Bocão colocou ele no banco do passageiro. Bocão não está nem um pouco contente com ele, nem eu.

Estacionamos no campus da universidade, vamos ficar em um dos dormitórios do lugar.

Bocão nos leva a uma suíte de três quartos no segundo andar com cozinha e dois sofás na sala. – Meninas nesse quarto, meninos naquele e eu fico nesse quarto.

– nós vamos ficar quanto tempo aqui? Pergunta Felipe

– Algum tempo, as próximas viagens serão diárias.

– Meu rosto tá doendo, e coçando. Diz Jack com a cara cheia de pomada que a enfermeira passou. Ele vai para perto de Elsa. – Coça.

– Sai daqui seu nojento. Zomba Elsa

– Vocês dois parem agora. Jack, se está coçando, coce-se a si mesmo. Bocão fala ríspido.

Heather aparece com uma cara de quem vai vomitar ao olhar para a cara de Jack cheia de creme.

– Olha, Soluço. Gostosas da faculdade tomando banho de sol de biquíni. vem ver. Soluço o ignora e se dirigi ao quarto dos rapazes.

– Quero uma reunião com todos daqui a meia hora. Bocão diz entrando em seu quarto.

– Que ótimo. Soluço resmunga. – Era só o que faltava.

Bocão também ouve e responde. – Será necessário e nem tente fugir, você terá que participar.

As meninas e eu estamos no quarto e Elsa fala. – Poxa, Heather. Você fala.

Olho para Heather que parece indiferente.

– Sabe, Heather. Essa viagem é para compartilhar experiências. O que mais além de tatuagens você fez?

– Elsa, que isso? Repreendo-a. – Ela vai falar quando estiver preparada.

– Meu namorado pegou três anos por atropelar e matar uma pessoa no transito. Meus pais me expulsaram de casa. E... Ela começa a chorar – Eu estou grávida.

Estamos chocadas. Realmente diante disso meus problemas com Soluço não são nada.

– Estamos aqui para te ajudar. Né Elsa.

– Sim, claro. Heather acabou de conquistar a amizade de Elsa ao compartilhar sua história.

– E você Astrid? Quando vai nos contar sua história. Pergunta Elsa

– eu já contei ontem na fogueira

– Não estou falando do acidente. Soluço falou alguma coisa sobre um gazebo. Conte- nos detalhes.

– Hoje não. Não quero me atrasar para a reunião.

– Você está adiando

– Certo, eu não quero falar.

– Como você quiser. Agora onde é o banheiro?

– Acho que na área comum.

– Nós sete vamos ter que compartilhar um banheiro?

Saímos do quarto para checar e realmente só há um banheiro. Bocão sai do quarto dele – O que está acontecendo agora?

–Só há um banheiro para sete. Elsa fala

– Isso não é verdade. Bocão diz e Elsa suspira

– Eu tenho meu próprio banheiro, vocês seis é que vão dividir.

Elsa olha para o banheiro e aponta – Eca, a tampa está levantada e tem gotículas de xixi e pelos na tampa.

Os três rapazes chegam. – Qual o problema? Diz Felipe

– O problema é que vamos dividir um único banheiro enquanto nosso líder terá seu próprio trono. Diz Elsa

– Isso não é hotel de luxo, Elsa. Informa Jack. Que mal há nisso? Por mim está ótimo.

– Foi você que usou o banheiro, seu nojento. Nunca te ensinaram que se errar a mira deve ser educado e limpar o assento e isso vale para os pelos pubianos.

– Cala a boca, vadia.

– Hora da nossa reunião. Interrompe Bocão.

Nos sentamos e Bocão começa. – Bem, crianças. Regras serão estabelecidas porque vocês estão me deixando louco. Para começar vamos cortar os xingamentos. Segundo, sem álcool e drogas. Estamos em um campus de universidade e sei que não seria nada difícil conseguirem essas coisas. Terceiro chega de brigas, estou tendo dor de cabeça.

– Mas... Bocão interrompe Elsa.

– Sobre o banheiro se resolvam vocês mesmo. Se precisar tem outro banheiro no fim do corredor. Homens abaixem a tampa depois de usar, meninas não deixem nenhum produto feminino por ai.

– Agora que isso está resolvido, vamos falar sobre o drama dessa manhã protagonizada por Soluço.

– Que tal não falarmos nisso. Diz Soluço. – Prefiro falar dos pelos pubianos do Jack.

Eu também prefiro falar dos pelos de Jack do que relembrar seus insultos.

Não aguento a situação e levanto. – Desculpe, eu não quero desrespeitar o grupo, mas preciso de um tempo. Corro para o quarto sendo seguida. Quando me jogo na cama Felipe entra no quarto e senta na ponta da cama, ao meu lado. – Bocão ficou chateado?

– Não, ele sabe que você não está bem e viria aqui falar com você, mas eu pedi para vir nos seu lugar.

– Obrigada. Eu não queria ter saído no meio da reunião.

– Tudo bem. Todos entenderam suas razões. Todos menos Soluço.

– Por que? Ele falou alguma coisa?

– Ele não disse nada, só saiu.