25 - Remedy escrita por Fernanda Redfield


Capítulo 1
25 - Remedy (Único)


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, pessoas!
Como vocês estão?

Antes de tudo, muito obrigada pelos comentários maravilhosos em '25 - When We Were Young" *-* Fiquei surpresa com os elogios e o feedback, visto que a fanfic não foi fácil escrevê-la e, muito menos, lê-la. Então, eu meio que acho que tenho os melhores leitores do universo! HAHAHAHA

No mais, estamos de volta com mais uma da série... Essa tem uma abordagem mais leve e até cômica. Acho que vai agradar muita gente.

Espero que gostem!



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“I remember all the things that I thought I wanted to be, so desperate to find a way out of my world and finally breathe, right before my eyes I saw... My heart it came to life.”

A Broadway decepcionou Rachel Berry, pela primeira vez, quando ela tinha 25 anos.

A morena acabara de terminar o Curso de Teatro Musical em New York Academic of Dramatic Arts e era a Éponine do revival de “Lés Miserábles” daquele ano. Um papel clichê e que, ainda assim, ela dera até a última gota de suor para consegui-lo.

E de que forma essa decepção chegou? Na primeira noite do espetáculo.

Rachel estava mais nervosa do que jamais admitiria, afinal, era a primeira vez que ela participava de uma montagem do circuito principal da Broadway. Não era nada grandioso, mas existiam críticos importantes na platéia, assim como agentes e empresários. Era uma grande chance e ela estava totalmente em evidência, um dos solos era seu e ela precisava arrasar.

A morena treinou para isso, exaustivamente, da mesma forma que ela treinara em todos os anos de sua vida... Seus pés doeram pela coreografia, sua garganta ardeu por causa das diversas repetições de “On My Own”, suas crises de enxaqueca aumentaram e pioraram conforme a estréia chegara... Enfim, ela dedicou-se no maior estilo Rachel Berry e enlouqueceu os muitos dos seus colegas de cena com seu humor ácido e inquieto.

E se os problemas estivessem retidos às paredes do teatro em que ela estrearia, tudo bem... Mas, tratando-se de Rachel Berry e de sua ambição para se tornar uma estrela, a intensidade era inexplicável e, também, inesperada. Portanto, Rachel também enlouqueceu Santana com suas crises de insegurança, discutiu os elogios que Kurt fez aos seus solos e, principalmente, blindou sua vida da influência de Quinn Fabray.

Quinn ainda estava em Yale, ela recebera uma súbita proposta de cursar Mestrado em Artes Cênicas e ainda continuava em New Heaven. Não era a loira quem morava por perto, mas ela ainda era a que exercia a maior influência sob Rachel... E qual o motivo disso? A morena, como sempre, buscava ser como Quinn, entretanto, desde que estabeleceram uma forte amizade, principalmente depois do falecimento de Finn, Rachel buscava a aprovação de Quinn. E isso não era lá muito difícil, Quinn a criticava duramente, mas sempre ressaltava seus pontos fortes.

Ou seja, Quinn era o perfeito equilíbrio para Rachel. Era o balanço que a morena precisava para se manter sã quando dividida entre o perfeccionismo e a insegurança. Era o porto seguro para o qual ela navegava quando estava com o seu barco prestes a afundar. Quinn era, de certa forma, a resolução de seus problemas e o remédio para a maioria de suas terapias... Rachel nunca soube explicar qual era o significado de sua ligação com Quinn, apenas sabia que ela existia e que era sincera. E, a esse ponto de sua vida e de sua amizade com Quinn, Rachel já desistira de tentar explicar e passou a viver e aceitar a presença constante e tranqüilizadora de Quinn.

E foi devido a essa conexão que a decepção de Rachel foi ainda maior.

Em um dos últimos atos da peça, Rachel cantou o seu solo e, sua garganta cansada e sôfrega, fraquejou nas notas altas da música... A morena percebeu seus erros e arregalou os olhos para sua aparente incompetência. Sua garganta arranhou e ela procurou, na multidão que a observava de forma desconfortável, os olhos esverdeados de Quinn. E, como era exatamente de se esperar daquela força magnética que as atraía, ela os encontrou, na primeira fileira.

Quinn tinha a expressão quase que indecifrável, mas seus lábios finos se crisparam e ela piscou os belos olhos verdes de forma incrédula e, tristemente, decepcionada. Rachel percebeu, seu coração acelerou e ela terminou, aos prantos, o solo. Lógico que essa atitude contribuiu para a melhora de sua atuação, mas ela chorara porque, de certa forma, nunca viu Quinn tão decepcionada.

A loira só presenciara bons momentos nos últimos anos. Desde seu trabalho de conclusão de curso em que interpretou Elphaba na montagem da turma de “Wicked” até o primeiro musical que ela apresentou nos menores teatros da Broadway. Quinn leu as boas críticas que ela recebera quando as duas ficaram sozinhas no loft de Rachel e Santana, a morena com a cabeça confortavelmente deitada nas pernas da loira. Quinn foi a primeira pessoa para quem Rachel contou sobre a aquisição do papel de Éponine e foi a primeira que ela colocou em sua lista de convites...

De certa forma, Rachel dedicou àquela apresentação a ela assim como dedicara Elphaba aos seus pais... A morena queria entregar o melhor de si para Quinn e não aquilo que ela destruíra.

Quando os acordes da música terminaram e Rachel saiu de cena, em prantos, seus colegas de peça não se aproximaram para consolá-la... Fosse pela postura dela nas últimas semanas ou pelo próprio nervosismo.

Rachel, sozinha, caminhou até um lugar escuro entre as cortinas e sentou-se no chão. As lágrimas demoraram a pararem de cair e ela ainda tinha os olhos inchados quando entrou para entoar “A Little Fall of Rain”, sua voz saiu mais trêmula do que o habitual para sua atuação chorosa... E quando ela foi abraçada pelo Marius da peça, ela pensou em Quinn.

Ela queria e realmente desejava que Quinn a abraçasse no final da peça. Na verdade, ela realmente precisava de Quinn naquele momento... Esse era um daqueles dias em que Rachel precisava de uma boa dose homeopática de Quinn Fabray.

“This is ain’t easy, its not meant to be. Every story has it’s scars.”

– Não chore, Rach... Existe uma primeira vez para um bom desafino, inclusive para você! - Kurt tentava consolar a morena que permanecia emburrada, lutando contra as lágrimas teimosas que só aumentaram desde que chegara no apartamento que dividia com o rapaz e Santana. A latina, aliás, acabara de revirar os olhos.

Santana Lopez não tinha muita paciência para sentimentos, emoções e coisas do tipo... Na verdade, ela não tinha o menor tato para lidar com pessoas, com exceção de Brittany S. Pierce. Por isso, para Santana, escutar os dramas de Rachel sempre era um martírio e uma provação. Ela deitou-se no espaço do sofá que Rachel ocupava e jogou os pés em cima das pernas de Rachel que, ainda em lágrimas, olhou indignada para sua atitude. Santana bufou e grunhiu:

– É, Barbra! Pare de drama, todos estavam nervosos como você. A Cosette mesmo desafinou em todas as notas altas!

Rachel franziu o nariz, ainda contrariada, para o comentário de Santana. A latina estava certa ao falar de Megan, a Cosette, ela realmente desafinara... Mas, ela já era relativamente conhecida e não tinha nada a provar. Agora ela, Rachel Berry, estava galgando a escada de sua ascensão na Broadway e, aparentemente, já caíra no primeiro degrau. A morena suspirou e olhou para a TV, sem realmente focar nela, deu de ombros e murmurou:

– Ela não é eu, Santana. Eu, Rachel Barbra Berry, jamais erro!

– Por favor, você esqueceu a letra de “Don’t Rain On My Parade” na sua audição para NYADA! Então, sim, a senhorita também erra, Miss Berry! - Kurt argumentou com o tom de voz jocoso e um sorriso gentil nos lábios. Ele tinha, como objetivo, melhorar o humor da amiga com uma boa piada... Mas, Rachel estava frágil (e dramática) demais. A morena rompeu em um choro destrambelhado e sussurrante, Santana imediatamente tencionou a postura e sentou-se no sofá, meio desajeitada, ela deu uns tapinhas nas costas de Rachel enquanto dizia preocupada:

– Não escute o Porcelana, Rachel.

– Ele está certo! Eu não sirvo para isso! Eu sempre fraquejo nos momentos cruciais! - Rachel exclamou aos prantos, soluçando entre as sentenças para, em seguida, esconder o rosto nos braços e encolher-se de encontro ao sofá. Santana olhou da morena para Kurt e xingou o rapaz em espanhol, foi a vez de Kurt revirar os olhos, tanto para o xingamento de Santana quanto para o show de Rachel.

Nesse mesmo instante, Quinn finalmente chegara ao apartamento. A loira tinha flocos de neve nos cabelos loiros, o rosto rosado pelo vento cortante e trêmula pelo frio que fazia do lado de fora. Ela caminhou silenciosamente pela cena, passou por Santana e Kurt e fez sinal para que os dois as deixassem sozinhas enquanto carregava um saco de papel na mão direita, acompanhada de um copo fumegante na mão esquerda, ambos do Starbucks.

Santana e Kurt se entreolharam e ambos suspiraram aliviados. Os dois também não eram cegos para saberem que Quinn Fabray era a única que tinha estômago e paciência suficientes para lidar com uma Rachel Berry pessimista e desacreditada. Aliás, aquela era uma das facetas mais incômodas de Rachel Berry. Entretanto, Quinn achava aquele lado estranhamente fofo, apesar de todo o drama.

Portanto, foi com um sorriso de lado no rosto e com um cafuné gentil nos cabelos escuros que Quinn iniciou sua árdua tarefa. Esperou que seu toque finalmente amolecesse Rachel, mas a morena era teimosa o bastante para permanecer soluçante e escondida entre os próprios braços. Quinn continuou sorrindo ao parar o carinho, ela pigarreou e, abrindo o saco de papel, murmurou:

– Temos bons e orgânicos Muffins de muçarela, tomate e rúcula para acompanhar aquele Caprese Integral que você ama...

Rachel se mexeu e sua barriga denunciou que Quinn tinha sua total atenção porque, ao sentir o cheiro vindo de dentro do saco, ela imediatamente roncou. A morena escutou a risada rouca e divertida de Quinn e, ainda escondida entre seus braços, também riu silenciosamente. Era impossível não acompanhar Quinn quando ela ria de forma tão sincera, ainda mais quando o motivo daquela felicidade era, de fato, ela mesma.

– Também trouxe um Brownie de Chocolate Amargo Orgânico porque eu sei que uma boa dose de chocolate te anima... - Quinn continuou a narrar, posicionando cada alimento de forma ordenada na mesa de centro de madeira. Rachel, finalmente, levantou a cabeça e olhou para a amiga, ela tinha uma expressão acanhada e algumas lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto. O sorriso de Quinn converteu-se para uma expressão preocupada quando ela visualizou a morena, ela se esticou e colheu algumas lágrimas com as pontas dos dedos polegares e apanhou o copo fumegante, em seguida. - E isso nos leva ao nosso último convidado da noite, Frapuccino de Chocolate. Com todos os seus extras para o chocolate e o creme.

– Você sabe que eu fico incontrolável com excesso de chocolate, açúcar e cafeína no meu sangue... Não sabe? - Rachel questionou desconfiada, com a sombra de um sorriso em seu rosto choroso, antes de apanhar o copo fumegante e dar um longo gole. Ela fechou os olhos e estalou a língua para o gosto doce e enérgico. Quinn sorriu satisfeita para seus feitos e respondeu:

– Estou preparada para lidar com qualquer descontrole seu nessa noite. Você tem passe livre, eu vou ficar do seu lado agüentando qualquer coisa que você precise jogar fora.

As palavras de Quinn fizeram Rachel voltar a se encolher, mas ela não chegou a se esconder dessa vez, porque a loira a apanhou antes que ela encostasse, derrotada, no sofá. Quinn a puxou para um abraço de lado e alcançou o muffin com a outra mão enquanto a dragava para o sofá. A loira mordeu a metade e entregou a outra para Rachel que a abocanhou, em seguida, Quinn afagou os cabelos escuros e disse autoritária:

– Não esconda-se, Rachel Berry. Isso não é do seu feitio.

– Eu não sei se quero dar às caras depois de hoje... Estou com muita vergonha, Quinn! - Rachel exclamou ligeiramente desesperada, escondendo-se no peito de Quinn, aspirando o cheiro de jasmins que ela emanava e procurando se acalmar... A loira não ligava para seus dramas, mas Rachel sabia como eles eram incômodos e tudo que ela menos queria era chatear Quinn depois de ferrar com a apresentação dedicada a ela. - Principalmente de você! Você saiu de New Heaven para me ver e olhe o papelão que eu fiz! E pior, você sabe que eu dedico às estreias a quem eu gosto e admiro... E essa era sua!

Rachel se arrependeu do que dissera no exato momento em que Quinn a afastou. Porém, ela não encontrou o olhar decepcionado visto na apresentação, pelo contrário, Rachel enxergou algo que jamais tinha visto nos olhos verdes. Era uma espécie de brilho distante do choro e próximo da alegria, ela observara Quinn por tempo demais e sabia a maioria da natureza dos olhares que ela portava.

Mas, aquele brilho era novo.

Quinn sorriu, as lágrimas que não caíram cintilaram como pedras de ouro na imensidão esmeralda de seus olhos. A loira suspirou e se mexeu, alcançando o copo de Rachel e tomando um gole, sem tirar os olhos da morena que a observava, inquieta e decepcionada consigo mesma. Quinn deixou o copo sobre a mesa e segurou a mão esquerda de Rachel, a mão da loira ainda estava quente pelo copo quando tocou a mão fria da morena. Quinn suspirou e, sincera, disse:

– Você não ferrou com tudo... Eu vi o quanto você se esforçou e como trabalhou para que essa noite fosse perfeita. Você não pode mudar o que aconteceu, mas pode mudar o que ainda vai acontecer... E eu sei como você pode ser insistente, Berry. Já que tudo seria para mim, use essa teimosia para superar e arrasar na próxima vez.

– Você não vai estar aqui na próxima noite... Não vai valer de nada! - Rachel grunhiu irritada, desviando os olhos de Quinn e tomando um longo gole do copo. Quinn olhava para ela, de forma divertida e com um sorriso nos lábios que estava tirando-a do sério. A loira voltou a puxá-la para perto e abraçou-a, completamente, apertado. Rachel se aconchegou nos braços longos que a envolveram e respirou profundamente o cheiro de jasmins, Quinn remexeu o rosto para encontrar seu pescoço e, próxima ao seu ouvido, sussurrou:

– De qualquer forma, você sabe que não vai ser fácil chegar onde você quer... Toda a história tem suas cicatrizes. Mas, sabe qual a beleza delas? É preciso se cortar fundo o bastante para se saber que está vivo. Suas cicatrizes são símbolos de quem você é, Berry. E nós duas sabemos quem você é.

Rachel se afastou, atônita pelas palavras de Quinn. As duas trocaram um olhar significativo e, principalmente, compreensivo. Rachel se aproximou e beijou a bochecha de Quinn e, quando ela se afastou, o brilho também chegara aos olhos castanhos.

E as lágrimas que, antes, mancharam o rosto moreno, agora cintilavam como se fossem estrelas imortais em uma noite escura.

# # #

“But when the pains cuts you deep, when the night keeps you from sleeping... Just look and you will see that I will be your remedy. When the world seems so cruel and your heart makes you feel like a fool, I promise, you will see, that I will be... I will be your remedy.”

Quinn percebeu muito cedo que estava sozinha no mundo.

Não se tratava da família que ela tinha, por mais que essa a abandonara, mas sim das pessoas que ela escolhera e perdera ao longo da vida. A queda da pirâmide social serviu, em muito, para que Quinn finalmente entendesse como seus valores eram deturpados pelo uniforme que vestia. A popularidade se foi como água corrente, sua união familiar foi despedaçada como vidro e seus amigos, ou aqueles que julgava sê-los, desapareceram quando ela mais precisou.

Quinn Fabray enfrentou tudo sozinha, Puckerman e Mercedes chegaram depois quando ela mesma já estava disposta a deixá-los entrar em sua vida... Eles não presenciaram suas crises de choro, seus momentos de fraqueza e exaustão e, por mais que eles estivessem presentes quando Beth se fora... Eles ainda não compreenderam o bastante de sua situação para permanecerem com ela depois de tudo.

A loira engravidou, teve sua filha, deu à adoção e, aparentemente, tudo iria voltar ao normal. Mas, não voltou.

Os fardos tornaram-se pesados e Quinn tomou o único caminho que ainda conhecia. Ela voltou ao topo, ela voltou a vestir o uniforme e, mais uma vez, ela se perdeu em coisas que não valiam à pena. Entretanto, dessa vez, ela teve alguém.

Rachel Berry se fez presente na sua vida, primeiramente, como uma corajosa oponente e, depois, como uma ainda mais corajosa amiga. A morena ousou se aproximar de Quinn e ousou ainda mais quando quis se tornar amiga da Ice Queen. Rachel derrubou barreiras que Quinn levou anos para construir, ela despedaçou as inseguranças e as transformou em confiança, a morena não ligou para os vácuos e percorreu-os incansavelmente com seu brilho próprio...

Rachel foi a primeira que lutou, verdadeiramente, para ficar do lado de Quinn.

Porém, certas características tornaram-se inerentes à personalidade de Quinn e uma dessas particularidades era, justamente, quão acostumada ela estava à solidão.

Fora por isso que ela se afastara tanto dos demais na escolha de sua faculdade, ela somente queria Rachel por perto, mas acabou ganhando Kurt e Santana no pacote. New York era, muitas vezes, barulhenta demais para ela e ela visitava Rachel quando a morena praticamente ameaçava buscá-la pelos cabelos em New Heaven.

Essa fraqueza pela solidão colocava Quinn em apuros, como este em que ela estava naquele exato momento. A loira estava enlouquecendo nas últimas correções de sua tese de Mestrado a ser entregue dali a três dias. Não dormia há dias e, muito menos, comia direito. Seu orientador era um tremendo irresponsável que não sabia cumprir prazos e, aparentemente, tinha problemas com horários porque ele nunca enviava os manuscritos em horas normais.

Por isso, ela estava acordada naquela madrugada, sentada curvada em frente a sua mesa, os olhos estavam ainda mais verdes pelo cansaço e seu corpo inteiro doía, principalmente sua cabeça. As crises de enxaqueca, suas companheiras inseparáveis naqueles últimos dias, estavam se fazendo presentes, martelando seu cérebro e embaralhando as letras em seus olhos.

Quinn bocejou e tomou um gole do café já frio, encolheu as pernas e as cruzou na poltrona e respirou fundo tentando entender a anotação de seu orientador. A falta de organização dele era tão preocupante quanto à desorientação dele em relação aos horários aceitáveis de trabalho. A loira relia, pela quinta vez, a mesma linha de anotação quando batidas foram escutadas em sua porta de madeira.

Ela se levantou, ajeitou os óculos de grau e arrastou os pés até a porta do dormitório. Não se preocupou em checar o olho mágico porque tinha quase certeza que encontraria algum calouro bêbado que se perdera no alojamento dos pós-graduandos tentando encontrar outro dormitório e ela ficaria bem feliz de gritar a sua infelicidade para alguém. Quinn escancarou a porta e encontrou, parada em sua soleira, Rachel Berry.

A morena sorriu vitoriosa para sua expressão confusa e impressionada, Rachel entrou em seu pequeno dormitório, empurrando-a para dentro com as imensas sacolas que carregava. Ela imediatamente apagou as luzes e as duas, na penumbra iluminada pelo lado de fora e pelo computador de Quinn, se olharam.

Rachel sorriu, Quinn retirou os óculos e suspirou.

“No river is too wide or to deep for me to swin to you... Come whatever, I’ll be the shelter that won’t let the rain come through. Your love is my truth and I will always love you... Love you.”

– Eu sei que você está em processo de imersão nessa sua tese... Mas, eu também sei que você provavelmente está se privando do essencial. - Rachel bronqueou, olhando firmemente para Quinn, de forma que a loira se sentiu como uma criança que fora pega fazendo alguma travessura. A morena a alcançou e a puxou para a cama, juntamente com as sacolas que carregara. - Santana me disse que você parecia muito mal humorada no telefone e quando você perde a educação, é porque ultrapassou os limites do seu corpo.

– Rach, por favor! Eu só fui rude com Santana porque ela estava, de novo, enchendo a minha paciência... Ela me ligou só para me chamar de nerd, geek e velha! - Quinn grunhiu incomodada, jogando-se na cama e retirando os óculos, massageando os olhos fechados em seguida. Agradeceu mentalmente por Rachel ter desligado as luzes e se amaldiçoou por ter deixado sua tese aberta.

Quinn sentiu o lado em que Rachel se sentara se mexer por duas vezes, entre elas, escutou os passos e a tela de seu notebook sendo fechada. A loira fez menção de se levantar, mas Rachel a empurrou pelo ombro e usou a lanterna do celular para começar a desembalar o que trouxera. De dentro das sacolas, ela primeiro tirou uma compressa térmica, um cobertor negro imenso, algumas ervas desidratadas que fizeram o nariz de Quinn franzir e uma caixinha de comprimidos.

Em seguida, Rachel se levantou e caminhou até o outro cômodo, a pequena cozinha do alojamento. Ela apanhou uma chaleira, a encheu de água e colocou-a no fogo. Depois, apanhou um copo de água e voltou para o pequeno quarto, Quinn que tentara (e desistira) de acompanhar seus movimentos, se mexeu e tentou sair da cama. Rachel parou em sua frente e estendeu o copo com o comprimido, ordenando:

– Eu pedi comida japonesa, vai chegar daqui a uma hora. Tempo necessário para uma boa soneca.

– Eu estou com fome, mas não posso dormir. Ainda tenho muito que fazer! - Quinn desviou-se de Rachel agilmente e alcançou o interruptor. A luz a cegou e a fez fechar os olhos, no mesmo instante em que uma pontada de dor aguda atingiu sua região occipital e migrou para sua região temporal.

Quinn se desequilibrou, mas Rachel foi mais rápida e a sustentou. A morena a colocou na cama com certa dificuldade por causa da diferença de altura entre elas, em seguida, alcançou o cobertor, jogando-o sobre Quinn. Rachel apanhou o copo e o comprimido para Quinn e disse autoritária:

– Não me faça forçá-la.

Quinn agarrou-se ao cobertor e olhou de forma desafiadora para Rachel, ainda assim, muito contraria, apanhou o comprimido e o engoliu com água. A loira nunca gostou de ser dependente de alguém, muito menos, que fizessem as coisas para ela... Mas, a dor estava deixando-a tonta e nauseada, ela realmente passara dos limites e Rachel estava certa, entretanto, jamais diria aquilo em voz alta.

Rachel voltou para a pequena cozinha e demorou quase meia hora por lá, quando voltou, ela tinha uma xícara fumegante cheirando à camomila e a bolsa térmica enrolada em uma toalha. Quinn tomou um gole do chá sem reclamar, deixando a xícara sobre a cômoda. Depois, escorregou pelo travesseiro até deitar-se.

A morena desligou, novamente o interruptor e, guiando-se pelas sombras de seus corpos, ela posicionou a bolsa térmica entre o travesseiro e a cabeça de Quinn. Depois, sentou-se ao lado de Quinn e começou-lhe a massagear as têmporas, a loira ronronou satisfeita e fechou os olhos, sentindo-se absolutamente melhor. Rachel, sorrindo, murmurou:

– Você precisa ir a um médico.

– Por que? Eu não preciso que eles me entupam de remédios... E, além disso, tenho você por perto, é o necessário. - Quinn disse a última parte com o rosto corado. Eram em momentos como aquele, em que estavam sozinhas, que ela admitia certas verdades que a envergonhavam e, uma delas, era quão dependente ela era da amizade de Rachel Berry. Quinn já não se imaginava sem a morena.

O que ela não saberia e sequer, veria, graças à escuridão do quarto, é que o sorriso de Rachel triplicara de luminosidade ao escutar o que dissera. A morena suspirou dedicando-se ainda mais à massagem, dedilhando de forma delicada a pele de Quinn. A loira fechou os olhos e logo o calor da bolsa e dos dedos de Rachel a conduziram para os braços de Morfeu.

Quando acordou na manhã seguinte, havia um comprimido e um copo de água na cômoda ao seu lado. Rachel se fora, mas o cheiro de rosas que ela exalava ainda estava no cobertor denunciando que ela passara a noite ali. Quinn levantou-se sem qualquer resquício da dor, da tontura ou da náusea.

Ela olhou ao seu redor, a tela de seu notebook estava aberta e ela caminhou até a mesa em que ele estava. Apertou a barra de espaço e a tele se acendeu, sua tese ainda estava lá e ela, subitamente, decidiu-se por entregá-la do jeito que estava. As correções de seu orientador nunca faziam sentido, de qualquer forma.

Quinn sentou-se na cama e massageou suas têmporas, elas ainda doíam e não responderam da forma como respondiam às mãos de Rachel. A loira suspirou e deitou-se na cama.

Quando estava imersa nas dores de sua enxaqueca, a única luz que não a incomodava era, justamente, a das estrelas. Quinn sorriu para aquela ironia, ainda mais a relacionando com Rachel.

Afinal, Rachel não era, justamente, uma estrela? Não doía ficar perto dela... Pelo contrário, curava.

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“When the pains cut you deep, when the nights keep you from sleeping... Just look and you will see that I will be your remedy. When the world seems so cruel and your heart feel like a fool, just look and you will see that I will be your remedy.”

Chateação não era bastante para descrever como ela se sentia, na verdade, ela tinha o coração apertado e acelerado e isso nada tinha relação com a adrenalina que percorria suas veias após a apresentação.

Como previsto, Quinn não pode assistir ao dia em que Rachel simplesmente pôs o teatro abaixo com a sua rendição a “On My Own”. A morena escutou os aplausos, escutou os gritos e viu as lágrimas... Mas, nada nesses três departamentos sequer lembravam a intensidade, a voz e o brilho dourado que somente Quinn tinha.

Rachel sentiu falta dela em cada segundo do espetáculo, ela tentou ligar para Quinn, mas sua amiga estava, aparentemente, com coisas mais importantes para fazer.

Santana e Kurt gritavam roucos e excitados ao seu lado, ainda tocados pela sua apresentação e ela sorria de forma acanhada para eles porque o seu sorriso de 1000 watts estava dedicado à ausência. Os dois saíram gritando para quem quisesse escutar que eram amigos da melhor Éponine de todos os tempos, até arrancaram uma pequena risada de Rachel que logo se apagou.

Eles a deixaram no camarim coletivo dos autores que, na verdade, estava vazio. Rachel retirou a boina que usava e pegou um pedaço de algodão embebido no demaquilante. Os olhos castanhos estavam opacos e sem vida enquanto ela se olhava no espelho para retirar a maquiagem e despir-se de Éponine naquela noite.

Tão concentrada em seus afazeres, ela sequer notou que alguém se aproximara as suas costas. Somente percebeu que não mais estava sozinha quando a voz rouca que ela conhecia tão bem sussurrou decepcionada:

– Encontrei Santana e Kurt no corredor e pela reação dos dois, eu perdi um espetáculo e tanto.

– Eu tentei lhe avisar, mas não consegui falar contigo. - Rachel respondeu de uma forma mais fria do que queria. Naquele momento, Quinn despertava certa raiva e muita decepção nela, sua natureza ligeiramente mimada não admitia ser trocada pelo que quer que fosse. A loira parecia esperar por uma resposta daquelas porque sorriu triste e aproximou-se ainda mais, encostando a base da coluna na mesa de maquiagem que Rachel ocupava. A morena ergueu os olhos para ela, quentes e furiosos, Quinn suspirou e justificou:

– Eu me enrolei com algumas coisas do Mestrado, desculpe.

– Você ainda vai acabar se matando por causa desse título de mestre. - Rachel disparou inquieta, passando o algodão de forma rude e agressiva sobre sua própria pele, vermelhões já estavam presentes em sua bochecha. Ela estava cansada de ver Quinn indo ao limite de si por algo que não era valorizado pelo orientador dela, ela realmente precisava tirar Quinn daquela merda. A loira arqueou a sobrancelha para ela, mas nada disse.

As duas ficaram em silêncio até que Rachel terminasse de tirar toda a maquiagem. Quinn continuou na mesma posição, apenas cruzou os braços e engoliu em seco. Ela parecia querer dizer algo que estava dolorosamente preso em sua garganta, Rachel procurou não ligar para esse fato, mas sua curiosidade falou mais alto e ela, inquieta, perguntou:

– Tem algo para me dizer?

– Não sei se quero lhe dizer alguma coisa com esse seu humor aflorando de forma tão desconfortável. - Quinn respondeu de forma evasiva e visivelmente incomodada. Ela ergueu os olhos verdes e eles estavam vívidos, exatamente como ficariam em uma de suas crises de enxaqueca. Rachel revirou os olhos e, impaciente, perguntou:

– Você realmente quer que eu fique feliz por você ter chegado atrasada em minha apresentação depois de dias sem notícias suas?

– Eu tive uma semana difícil, já disse! - Quinn assumiu uma posição defensiva ainda que desse um passo em direção a Rachel. Ela conhecia cada pedacinho da morena e sabia que ela estava, muito mais, chateada do que brava. - Não estrague a sua noite com uma crise de drama... Eu tenho certeza que você foi sensacional, eu até aceito que você fique brava comigo, desde que aproveite sua noite!

– Por Barbra, Fabray! Eu não quero passar a noite brava contigo! - Rachel esbravejou a resposta, indignada com o recuo de Quinn. Ela se sentiu deixada de lado naqueles últimos dias, ela precisava que Quinn lhe provasse que ainda se importava, que aquela apresentação novamente dedicada a ela não fora vão... Rachel precisava de seu equilíbrio de volta.

Quinn, por sua vez, precisava somente que Rachel a tirasse de seu inferno pessoal e trouxesse a luz que somente ela tinha. A loira discutira aos gritos com seu orientador e realmente precisava que Rachel invertesse os papeis e cuidasse dela, da mesma forma gentil que cuidava quando ela passava mal.

Elas precisam controlar os surtos uma da outra, de certa forma, elas precisavam ser o remédio para todo o pacote de problemas que as duas traziam dentro de si.

Rachel colocou as mãos na cintura e olhou para baixo, decepcionada com Quinn e com seu interior que se revirava com aquela discussão sem futuro entre elas. A morena sabia que estava sendo infantil e até incompreensiva, mas ela simplesmente não conseguia se controlar perto de Quinn... Estava mal acostumada a ser cuidada e mimada, ela não estava pronta para fazer o contrário. Quinn olhava diretamente para Rachel, pedindo, com os olhos, para que ela se aproximasse.

Rachel era teimosa, mas a corajosa era Quinn. Foi a loira que deu um passo a frente e perguntou incisiva:

– Então, o que você quer, Berry?

– Eu queria você, aqui, na minha apresentação! - Rachel respondeu intensa, também se aproximando de Quinn o bastante para sentir o calor da respiração dela próxima a sua e o cheiro de jasmim misturar-se ao seu de baunilha. Os olhos de Quinn voltaram a brilhar de forma avassaladora e eles se dividiam entre os olhos de Rachel e a boca dela enquanto a mente da loira vociferava ordens que seu coração não escutava. - E o que você quer, Fabray?!

E Quinn deu justamente o que a teimosia e a incompreensão de Rachel precisavam para serem curadas. Quinn deu a ela a compreensão na forma de um beijo.

Um beijo que empurrou Rachel de encontro à parede do camarim e tirou-lhe o ar. Ela se lançou no desconhecido com Quinn porque tinha recebido a dose de coragem que precisava para continuar, diretamente dos lábios da loira.

Naquele momento, não foram doses homeopáticas que colocaram a cabeça de Rachel no lugar. Exagerou-se na dose e a morena sorveu, diretamente da fonte, o gosto daquela que fora seu porto, seu equilíbrio e seu balanço. E o apreendeu como vício, desequilíbrio e necessidade. Do beijo, de Quinn.

Quinn transformou tudo entre elas e mudou todos os significados. E, quando elas se separaram, o brilho dourado refletiu-se na escuridão castanha, o sorriso de 1000 watts estava nos lábios da morena assim como o sorriso de lado estava brincando na face da loira...

Elas se encontraram e não existia necessidade de remédio algum para quem já estava, de fato, curado.

FIM


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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam?
Não sei se perceberam, mas falamos sobre os nuances de personalidade das duas e, principalmente, sobre os defeitos de cada uma... Espero que tenham entendido o objetivo dessa one que, diferentemente da outra, foi mais sutil.

Perceberam como uma precisava da outra para amenizar o pior lado de si? HAHAHAHAHAHAHA

Bem, espero que tenha sido tão boa quanto a outra. Nos vemos na próxima, beijos,
Fernanda Redfield.