Mundo Inflamável escrita por Aline Vataha


Capítulo 2
Capítulo I




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Amanda entrou com pressa no banheiro do shopping. Foi para o box mais distante da porta e se trancou. Abraçou a própria barriga e sentou na privada. O silêncio e a privacidade trouxeram-lhe algum conforto, mesmo que temporário. Ela continuava incerta se conseguiria seguir adiante. Havia passado semanas remoendo a ideia de como seria esse dia, no que faria, e agora que havia chegado, parecia que ela ia colocar tudo a perder. Antes de sair de casa, ela acreditava com todas as forças que ia conseguir, mas agora a coragem parecia ter-lhe abandonado. Estava ficando cada vez mais nervosa, e se perguntava se tudo aquilo era mesmo uma boa ideia.

Ela respirou fundo e olhou para cima. Estava um pouco tonta e ficando enjoada. Merda, ia vomitar.

Ainda podia desistir. Podia ir pra casa e esquecer essa história toda, essa maluquice que ela havia se metido. No que ela estava pensando? Podia mandar um recado dizendo que havia acontecido alguma coisa e que o encontro podia ficar para outro dia. Não tinha que ser assim.

E então ela pensou na sua irmanzinha.

Amanda acabou mesmo vomitando. Jogou seu almoço fora descarga abaixo, e de alguma forma isso a fez se sentir melhor. Estando um prato de comida mais leve, parecia que podia suportar a ansiedade melhor agora. Se tivesse sorte, ela não desmaiaria pelo caminho.

Ela cambaleou para fora do box. Suas pernas não estavam muito firmes. Apoiou-se na pia e se encarou no espelho. Estava realmente bonita com maquiagem, e o cabelo amarrado num coque realçava bem os seus olhos. Chamavam mais a atenção assim. Ajeitou a blusa, tentando deixa-la mais colada ao corpo. Tinha um decote discreto, mas podia puxar a blusa mais para baixo se fosse preciso. Sua saia era leve e do tamanho certo, ótima para despertar a curiosidade de quem era mais atento.

O enjoo piorou.

Ela não soube dizer por quanto tempo ficou se olhando. Ouviu pessoas entrando e saindo no banheiro, mas não conseguia prestar atenção nelas. O som de sua mente trabalhando era ensurdecedor.

Por fim ela saiu. Ajeitou a postura, tentando parecer o mais confiante possível. Também se esforçou para os seus seios parecerem maiores, e ela conseguiu atrair alguns olhares para si. Estava mesmo com uma aparência muito boa, sem transparecer nada de anormal, embora ela sentisse pontadas de dor em seu estômago e seus dedos formigassem.

Desceu dois lances de escadas rolante, indo para o segundo andar do subsolo. Passou por um adolescente que não desgrudou os olhos de seu busto, o que ela encarou como um cumprimento naquela situação. Entrou no estacionamento com cautela, atenta ao sinal que receberia. O lugar estava quase deserto, salvo algumas poucas pessoas. Não havia uma boa iluminação, o que era ótimo e terrível ao mesmo tempo.

Amanda fazia força para que suas pernas não tremessem. Ela abria e fechava os dedos, tentando reganhar alguma sensibilidade. Se ficasse em pé por mais tempo, era possível que ela desmoronasse.


Um par de faróis piscaram ao longe. Era ele. Amanda caminhou na direção das luzes, o seu coração batendo como um tambor dentro de seu peito. Tentou manter a mesma postura de antes, mas seu corpo inteiro começou a falhar. Cada ombro pareceu pesar uma tonelada, e seu andar se tornou vacilante, como se o chão houvesse se transformado em gelo.

Por algum motivo ela pensou em modelos. Em como elas conseguiam fazer cara de pastel e desfilar com roupas que ninguém mais além delas poderiam usar em frente à uma multidão de gente estranha. Será que era difícil para elas? Não parecia ser. E embora ninguém a olhasse, Amanda sentia como se todos os olhos do mundo a julgassem.

Ela queria desistir. Não estava num palco, mas queria parar. Não tinha ninguém olhando, mas ela queria se esconder. Ela tinha que desistir. Não podia fazer isso. Toda a confiança que ela havia construído estava indo embora. Não ia dar certo, não tinha como dar certo, que maluquice ela estava pensando quando-

O clique da porta se destravando a despertou. Ela havia chegado. A porta do carro se abriu. Hesitante, ela entrou.

– Desculpa se eu te fiz esperar – Disse ele. – Aqui é tão escuro que demorei pra te reconhecer.

– Tudo bem. Eu não esperei.

Ele ligou o carro e eles saíram. Deram voltas lentas ao redor do estacionamento, procurando um lugar mais discreto. Estacionaram de frente para uma parede, ao lado de duas vans. Ninguém os veria ali.

– Você está incrível.

– Obrigada – Ela mexeu no cabelo. – Eu tentei me arrumar para hoje...

– Os meus parabéns, pois você conseguiu!

Ele riu com o que disse. Amanda tentou acompanhar o seu senso de humor, forçando um sorriso.

– Você também não está mal – Disse ela. – É raro te ver sem aquele uniforme.

– A roupa do trabalho não é de todo o ruim.

– Eu sei. Eu adoro tanto ela...

Ele riu baixinho.

– Você é tão bonita, docinho. Sua roupa está magnífica hoje. Combina muito com você.

Amanda se remexeu no assento, subitamente envergonhada.

– Eu sei. Vesti ela pensando em você.

A mão dele foi até o seu joelho. O acariciou com ternura, e a respiração dela emperrou.

– Você faz mais coisas pensando em mim? - Sussurrou ele.

– Bem... Talvez...

A sua outra mão foi até a cabeça dela, tocando suas mechas. Ele desfez o coque, e um rio de marolas cacheadas despencou em seus ombros.

– Acho que gosto mais de você de cabelo solto.

– ... Vou me lembrar disso na próxima vez.

Ele sorriu.

– Posso saber há quanto tempo você é professor?

– Por que você quer saber disso, docinho?

– Ah... É que isso... Me... Excita...

Ele riu baixinho, limpando uma gota de suor da testa.

– Há alguns anos, querida. Nunca gostei muito, mas existem lá suas vantagens.

– Vantagens... Como eu?

– Bem... É. – A mão dele desceu para a coxa. – Como você.

Amanda não conseguiu mais respirar. Seu peito havia ficado muito pesado.

– Minha irmã costuma falar bastante de você - Conseguiu dizer.

– É mesmo? – Ele subiu a mão para o joelho, um pouco incomodado. - E o que é que ela diz de mim?

– Ela adora você. Devia ver como ela ficou feliz em saber que íamos sair. Acho até que ela ficou com ciúmes, pra falar a verdade.

Ele deu uma risada nervosa, limpando o suor com a manga da camisa.

– Não sabia que você havia contado pra ela.

– Não pude me conter, professor. Mas não se preocupe; ela sabe guardar segredos como ninguém.

A expressão dele congelou.

– Ela é mesmo um doce de menina. Muito bonita. Mas você é muito mais.

– Imagino que sim, meu professor.

A mão voltou para a sua coxa, seus dedos fazendo pressão contra sua carne. Amanda esqueceu de respirar por um momento, soltando uma baforada que ele interpretou de outra forma.

– Ah, você gosta disso? - Ele a apertou com mais força. - Eu não sabia.

Ela não conseguiu se mexer. Fechou os olhos, pensando em um milhão de coisas diferentes, mas sem conseguir fazer nenhuma.

– Eu adoro quando você me chama assim, docinho.

– É mesmo? - Sussurrou.

– É. Eu gosto. Muito.

– Aposto... Aposto que você chama todas assim...

– Não, é claro que não! - Ele pareceu genuinamente ofendido. - Só você é meu docinho, e ninguém mais. Tire essa ideia boba da cabeça.

Ele apertou sua perna com mais força. Ela soltou um grito de dor, segurando sua mão.

– Vai… Com calma, por favor...

– Oh, não quis machucá-la, meu bem. Eu sempre imaginei que você fosse do tipo mais… Selvagem.

Ela não conseguiu encará-lo. Escondeu os olhos por detrás do cabelo, sem coragem para continuar. O que ela estava pensando em fazer? Ela parecia ter esquecido de tudo, até do próprio nome.

– Não fique assim, docinho. Posso recompensá-la por este deslize. Sabe, eu só preciso de uma oportunidade para você não se arrepender.

A mão voltou para a sua coxa, mais leve desta vez.

Ela não ia conseguir.

Pensou mais uma vez na irmã.

– Você é tão quente... Adoro calor.

"Que bom", pensou.

Tomada de uma súbita coragem, ela puxou a blusa para baixo, deixando a parte superior de seus seios à mostra.

– Você gosta do que vê?

Os olhos dele brilharam. Ele lambeu os lábios ressecados e engoliu seco, ajeitando as calças.

– Eu adoro, docinho – Disse quase que hipnotizado.

– É mesmo? - Sua voz parecia diferente. - Sempre imaginei que você preferia seios menores. Seios de menininhas bem jovens... Assim como os das suas alunas.

Ele retirou a mão dela num susto, movendo-se para trás. Algo no tom dela o fez pensar duas vezes. Com o cotovelo ele acertou o pino da porta, travando a única forma dela sair dali.

– Docinho... Do que você está falando?

Ele tentou manter a compostura, sem sucesso. Seu sorriso fácil e olhos dóceis haviam desaparecido por completo, formando agora um semblante severo, mas até mesmo este estava mudando, sendo substituído por algo mais exaltado. O carro havia ficado muito quente de um momento para outro. Suor começava a pingar em seus olhos, fazendo trilhas ao longo de seu rosto e escorrendo pelas suas costas. O ar ficava cada vez mais abafado, impossível de respirar. Amanda, no entanto, estava completamente inalterada. Sua expressão, para a sua surpresa, havia se tornado estranhamente fria, como se fosse uma pessoa completamente diferente que estivesse sentada ali.

– Eu só precisava confirmar. Precisava ter certeza de que era você. Já podemos acabar com esse joguinho agora.

Ele se arrependeu de ter travado o pino. Queria sair dali agora. Podia destravá-lo, mas não queria dar as costas para ela. Imaginou que ela tivesse algum tipo de arma branca escondida dentro da roupa, mas não conseguia identificar nada. E mesmo que tivesse, ele era maior e mais forte. Não devia ser um problema.

Mesmo pensando e concordando com tudo isso, ele não entendia porque estava ficando com tanto medo.

E foi então que ele reparou nos olhos dela. Eram vermelhos como rubis, muito diferentes da cor âmbar que possuíam a alguns minutos atrás.

E foi aí que ele começou a gritar.


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