O Menino do Cabelo Cor de Limão escrita por Len6 Flowers


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Para o meu primeiro conto postado escolhi nada menos do que dois os personagens mais delicados de história que sempre carregarei no meu sofredor coração de leitora.
Boa leitura :3



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Ele mexe comigo esse garoto.

Sempre.

É sua única desvantagem.

Ele pisoteia o meu coração.

Ele me faz chorar.

 

Quando Rudy Steiner lançou aquela pequena bola gelada de neve no rosto de Liesel Meminger, em 1939, eu soube quase de imediato. Ele gostava dela. Foi um daqueles momentos em que você presencia algo que com certeza passaria despercebido, mas como você já deve saber, caro amigo, eu sou tudo, menos desatenta. Por esse e outros motivos fui uma grande telespectadora fantasma dos momentos de Rudy e Liesel. E depois dos acontecimentos de março de 1943, resolvi buscar e analisar mais uma vez cada um deles na minha biblioteca de memórias.

Fiquei inspirada.

Como uma boa observadora das cores, decidi me distrair também com um novo hobby. Passei a imaginar uma história mais colorida sobre os moradores da Rua Himmel. E o final da do menino do cabelo cor de limão pareceu saltar sobre a minha estante.

UMA VERDADE CURIOSA

Se Liesel Meminger me intrigou, Rudy Steiner me encantou.

Ele era espirituoso, um magricelo que sabia muito mais sobre lealdade do que uma grande parcela dos alemães. E nós dois sabemos que aquele Saukerlzinho não merecia morrer como morreu. Não antes do que ele mais ansiava - mais do que ser Jesse Owens - que era o beijo de Liesel.

Então venha, se quiser.

Vou lhe mostrar uma nova perspectiva, onde tudo termina como termina, mas pelo menos se torna mais satisfatório.

O satisfatório faz bem ao coração dos sobreviventes.

Voltemos a 1939.
Naquele dia em diante, o menino do cabelo cor de limão começara um hábito que o acompanharia até o seu último dia na Rua Himmel. Rudy Steiner começara a seguir Liesel Meminger fielmente. Ele estava sempre lá, até quando ela não queria que estivesse, mas Liesel nunca o espantou de verdade. Então eles iam e viam da escola e, quando ocorreu o incidente com Ludwig Schmeikl, onde a menina bateu neste no pátio da escola por xinga-lá, Rudy continuava lá, como um leal ajudante de crimes.

O menino sabia sobre o amor tanto quanto uma criança de onze anos podia saber, mas para ele, seguir Liesel pelas ruas íngreme de Monching era demais. 
Até que ele começara a ir dormir imaginando o sabor de todos os beijos renegados da menina e os dias em que ela passava trancada em seu porão, escrevendo, eram como uma corrida perdida para Jesse Owens.

A ÚNICA COISA PIOR DO QUE UM MENINO QUE DETESTA A GENTE

Um menino que ama a gente.

Em dezembro de 1941, Rudy Steiner pulou no rio congelado para salvar um livro de Liesel Meminger.

Depois de passarem na loja de costuras de seu pai, Alex Steiner, eles decidiram pegar um atalho. A barriga de Rudy doía de fome e ele ainda podia ouvir o eco da frequência do rádio de seu pai. A Alemanha Nazista estava a todo fervor. E então, em um dado momento, houve um Viktor Chemmel, uma discussão, uma Liesel com raiva e um arremesso.

O livro que a menina tanto se agarrava boiava no rio e Rudy não pensou duas vezes em mergulhar para resgata-lo.

Quando penso nessa cena, meu caro leitor, sempre imagino a sensação de vitória do menino do cabelo amarelo ao segurar o livro molhado e sacudi-lo para Liesel. O coração acelerado, o orgulho masculino elevado e o frio batendo em sua pele e congelando seus ossos sendo muito insignificante comparado ao sorriso ao pedir mais um beijo a roubadora de livros.

A sua roubadora de livros.

Nos meses que se seguiram, entre almas judias e mais cores, observei que o menino nunca mais se atreveu a fazer tal pedido novamente. Não que ele estivesse desistido de Liesel, mas parecia que a cada vez que pensava sobre isso o peso do ato o fazia tremer. Não existia muitas coisas que o deixavam nervoso nessa vida. Afinal, ele era o Jesse Owens - o cara mais rápido do mundo -, mas quando mais velho ele parecia ficar, a ideia de realmente beijar Liesel o fazia ficar com as mãos suadas.

O ser humano é estranho.     
Um menino apaixonado é esquisito.

De qualquer modo, ele não teve uma outra oportunidade como aquela. Não até o Natal de 1942, quando os dois entraram furtivamente na loja do Sr. Steiner e decidiram brincar com os manequins do alfaiate.

Rudy experimentou um terno.

— Então? - ele perguntou.

— Nada mau.

— Nada mau? Minha aparência é melhor do que só "nada mau".

— Os sapatos estragam você. E a sua cara também - desdenhou a menina em tom de brincadeira.

Rudy pôs a lamparina no balcão e partiu para cima da menina, fingindo- se furioso. Mas no caminho ele tropeçou e caiu no chão. Ali entre gargalhadas o menino viu Liesel se precipitar sobre ele e então vislumbrou os lábios finos e maltratados da garota perto demais.

Rudy tinha certeza que Liesel queria beija-lo. Podia ouvir as batidas confusas e rápidas do coração da roubadora de livros. Eram como o bater rápido de assas de um beija-flor.

"Beije-meLieselbeije-me", ele quase implorava enquanto seus olhos azuis a encaravam.

Mas Liesel não estava pronta para tal ato ou se recusava a estar.

Por outro lado, o menino só queria beija-la naquele momento. Na boca ou na bochecha, na mão ou no pescoço. Ele ficaria feliz com o que conseguisse da menina, não pediria muito. Rudy Steiner nunca foi um Saukerl muito ambicioso.

O nervosismo dela se misturava com o dele.

Rudy estava num estado em que se Führer entrasse por aquela porta e o prendesse, ele não se importaria. Por isso foi o primeiro a se aproximar. Levantou a cabeça do chão empoeirado e, se apoiando nos dois cotovelos tocou com a ponta do nariz o nariz gelado de Liesel.

Não demorou muito para seus lábios se renderem e tocarem os dela. Foi um leve selinho, mas quando a menina se afastou, os dois estavam corados.

— Feliz Natal, Steiner - ela falou depois de alguns minutos de silêncio e Rudy só sorriu.

Rudy Steiner só sorriu por dias seguidos.

UM AVISO IMPORTANTE

Desde o Natal, Rudy tinha pegado a mania de roubar irritantes selinhos de sua roubadora de livros.

Depois disso, eles não namoraram. Se é isso que você está se perguntando. É claro que aqui eu poderia fazer isso realmente acontecer. Poderia escrever até que os dois amantes desafortunados se casaram e foi com Rudy que Liesel terminou a vida em Sidney, na Austrália. Porém, nem eu ou eles seríamos tão audaciosos.

Desculpe.

No entanto, só digamos que Rudy Steiner não era mais um monte de ossos juntados de qualquer jeito com dentes tortos e cabelo amarelo e Liesel não mais fazia xixi na cama há muito tempo. E juntos passavam longas tardes no rio Amper, falando sobre a guerra ou seu ódio em comum  para com Hitler. Em um desses momentos o garoto se deixava ser acariciado pelas mãos magras do loira enquanto ela lhe contava algumas histórias.

Eram faíscas de felicidades no meio da tormenta.

Mas os meados de 1943 se arrastavam sorrateiramente envolta dos dois e Rudy pode sentir o cheiro das cinzas quando o tapete de bombas se desenrolou pela Alemanha.

Um erro. Uma má leitura do mapa e eu me encontrava caminhando pela Rua Himmel. Lembro me que naquela noite, meu coração estava apertado. Passava por cada casa, mas nada parecia me preparar para o número trinta e três e seu vizinho.

Quando clareou, o céu estava pintado de apenas uma cor. O cinza. Os destroços do que a uma noite atrás eram pequenas casas estavam cercadas por soldados.

E se você prestar bem a atenção agora, sim, não pisque nem desvie. Só aí você poderá encontrar um Saukerlzinho deitado no meio dos escombros.

A última coisa que o menino se lembrava era de estar no quarto que dividia com os três irmãos menores. Deitado na cama ele repassava a conversa em que Liesel admitia que escrevia sobre ele em seu livro e talvez tenha cochilado depois. E então, como num virar de páginas, Rudy acorda desorientado enquanto era carregado para o lado de fora e colocado num lugar empoeirado. Seu corpo doía e seus olhos encaravam o céu escuro acima dele.

Ele não conseguia se mexer.

— Rudy? Rudy? - a voz de Liesel o chamou.

De repente ela já estava ali, ajoelhada ao seu lado, coberta de poeira o encarando com olhos apavorados.

— Olhe para mim, Rudy, olhe. Rudy? - o menino sentia Liesel agarra-lo pela camisa do pijama e sacudi-lo - Vamos, Jesse Owens, olhe para mim. Rudy? Que diabo, Rudy, olhe!

Posso apenas lhe dizer, caro leitor, que tinha chegado mais uma vez a hora de Rudy Steiner. E como na versão original dessa história, a alma do menino se deslizou levemente até mim.

 Antes disso, no entanto, uma chance a Jesse Owens.

Os lábios empoeirados de Liesel pressionaram de modo desesperado os lábios de Rudy.

Foi a primeira vez que ela realmente o beijou. O beijou de verdade.

— Saumensch...- uma voz fraca saiu da boca dele depois disso.

—Shiu, Saukerl.

— Eu disse...disse que um dia você iria morrer de vontade de me beijar...

O menino ouviu o som fraco de sua risada e tentou sorrir.

— Eu Te... - ele sentiu os olhos perdendo o foco - Eu te amo.

— Rudy? Rudy!

Uma explosão aconteceu no exato momento em que segurei a alma de Rudy. O céu acinzentado foi tingido por vermelho, branco e preto* e Liesel beijou mais uma vez os lábios do menino.

Liesel nunca chegou a se declarar para o seu melhor amigo, mas de algum jeito, ela sabia que não precisava, pois ele sabia. Ele sempre soube.

A única coisa que ninguém conseguiu tirar de Rudy Steiner no final, foi que Liesel Meminger, a roubadora de livros, o amava.

E com essa certeza indubitável, carreguei emocionada a alma do menino do cabelo cor de limão.

 

* vermelho, branco e preto= cores da bandeira nazista.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por ler.
Gostou? Não gostou? Me deixe saber, hein.



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