Apenas Ouça escrita por Petr0va


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá! Esse não é minha história preferida e foi bem trabalhosa fazer ela (eu fiz tudo no último dia do prazo do desafio, isso mesmo). Eu não tinha ideia de como um surdo pensava e tive que procurar muito sobre o teste da orelhinha...
Então espero que gostem, eu vou adorar ver a opinião de vocês aí embaixo, opiniões sinceras, claro.



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Embora fosse eu o que menos deveria entender, era diferente.

E dentre todas as pessoas, talvez era eu a que mais ouvia.

Um ser humano sem nenhuma limitação e até mesmo razoavelmente saudável já sabia muito bem pensar em demasia, mesmo com as vozes e os ruídos no mundo que pareciam ser grotescos. Contudo, com alguém que não ouvia e passava três quartos do dia preso em sua própria mente, essa sim era uma pessoa que pensava demais.

E sabe o mais interessante? Eu pensava com verdadeiras palavras – embora eu nunca as tenha ouvido. O ato de ler lábios não era terrível, apenas cansativo e um tanto triste já que minha forma de comunicação não era conhecida por todos. Talvez fosse isso que fazia eu me sentir tão sozinho.

No entanto, voltando ao ato de pensar, bem... ele doía. Todos estamos cansados de saber que quanto mais a gente pensa – não importa que sejam desgraças ou alegrias, mais a nossa vida vai perdendo o sentido. Então para um surdo que vivia em sua mente, a dor no peito era indescritível.

A culpa era uma dessas dores.

E apesar de eu saber que era errado, eu culpava meus pais minimamente pela situação que eu havia nascido – surdo, sem conseguir me comunicar com todos; afinal, todo ser humano precisa de alguém para culpar.

Porém, vendo em tudo o que a sociedade estava se tornando, talvez, apenas talvez, não fosse tão ruim viver preso dentro de mim mesmo. As decisões eram pensadas cautelosamente, e o tempo que eu passava conhecendo mais eu mesmo era maravilhoso. Acho que eu era confuso demais em expressar minhas opiniões sobre essas coisas.

E por tudo isso – a solidão, o modo de pensar demais – que eu tinha medo do futuro incerto da minha irmã que nasceu há poucas horas atrás. As chances dela, pequena Camilla, nascer surda eram gigantescas já que havia um caso de surdez em sua família: seu irmão, eu mesmo.

Eu não queria que Camilla vivesse do mesmo jeito que eu, mesmo que tivesse seus lados bons.

Eu estava na sala de espera, um grande quadrado branco encardido e com poucas pessoas já que era um pouquinho cedo. E também eram dez horas da manhã e eu estava com um sono terrível. Por que Camilla não esperou nascer mais cedo? O parto fora realizado às vinte e três da noite e eu não havia saído do hospital ainda, decidi optar por isso já que não queria ficar longe de minha mãe.

A bolsa de minha mãe estourou logo quando ela estava pronta para terminar de fazer a janta deliciosa que só ela sabia cozinhar. O resultado disso tudo foi meu pai ligando o carro apressado com a minha mãe em sua carona, indo às pressas até o hospital.

Apesar de culpar minha mãe, eu a amava como ninguém, e talvez esse tenha sido o lado bom de ser surdo: eu não havia ouvido seus gritos de dor enquanto ela dava à luz.

Meu pai apareceu no corredor que levava até a sala de espera, com um olhar baixo e fazendo um sinal com a mão para eu me aproximar. Fui até lá, bem próximo e com um olhar indagador. Ele apenas indicou com a cabeça para trás, para eu acompanha-lo.

Ele abriu uma porta, fazendo eu dar de cara com a minha mãe, com cabelos negros e bagunçados em sua volta, deitada em uma maca, com Camilla, tão bela, ao seu lado em um pequeno berço separado. Seu cabelo era bem ralo e também negro, com um tanto de traços espanhóis como todos nós tínhamos.

Logo uma enfermeira chegou, trazendo consigo um aparelho cinza com vários botões, e com ele, um fio que levava a – aparentemente – um pequeno fone para se colocar no ouvido. Eu já sabia o que estava prestes a chegar.

Olhei para meu pai.

“Achei que seria melhor se você estivesse aqui para acompanhar”, ele disse com os sinais, com um sorriso triste no rosto. Ele temia o mesmo que eu.

A médica, loira e toda vestida de branco, apertou alguns botões e fez o mediano aparelho ligar. Acariciou a cabeça de Camilla e colocou aquilo que eu suspeitava ser um fone, no pequeno ouvido do bebê recém-nascido.

Eu já conseguia imaginar.

Com alguns meses, ela estaria chorando, sozinha em seu berço porque não poderia ouvir a voz de nossa mãe, do nosso pai ou até mesmo a minha.

Camilla, aos três anos de idade, não conseguiria falar nada porque não ouvia nada também.

Aos dez, ela ainda teria dificuldade em conseguir aprender libras e em se comunicar, e eu estaria lá, prontamente a ensinando até a ler lábios como eu conseguia. Contudo, em alguns momentos, ela se estressaria rapidamente por causa de sua dificuldade e raiva sairia de seus olhos em forma de algumas lágrimas.

E as treze, ela estaria gostando de algum garoto – ou garota – pela primeira vez, estaria confusa. Eu a encontraria sentada em sua cama, com as pernas cruzadas e encarando a sua parede. Eu perguntaria o que aconteceu, com libras, como eu havia ensinado à ela, e Camilla responderia:

“Eu sou apenas uma deficiente para todos.”

Eu iria até lá, a abraçaria e falaria que estava tudo bem, mesmo que não estivesse. Ela era maravilhosa, ser surda seria apenas um detalhe que não era importante. E o mais surpreendente era que Cami não derrubaria nenhuma lágrima.

Eu simplesmente... simplesmente não queria que ela passasse pelo mesmo que eu.

Eu não gostaria de falar que ser surdo é ruim, na verdade, era péssimo, assim como era péssimo ser um simples ser humano. Entretanto, possivelmente ver a solidão que eu passava por não poder me comunicar sempre nos olhos de Camilla... eu não saberia se aguentaria isso. Ela havia nascido há poucas horas, mas o amor que eu tinha por ela aumentava a cada mês que ela evoluía na barriga de minha mãe.

A médica tirou o fone do ouvido de Camilla, deu um último carinho no bebê e voltou com o rosto sem nenhuma expressão, pronta para falar com o meu pai. Resolvi olhar para o chão, preferia ouvir o resultado da boca de uma das pessoas que eu mais amava.

Demorou poucos minutos, mas assim que meu pai tocou em meu ombro com um sorriso no rosto.

Com aquele sorriso no rosto de meu pai e depois no de minha mãe, eu já sabia o resultado.

E fazendo jus ao meu nome, eu seria o anjo de Camilla.

Eu sou Gabriel.


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Notas finais do capítulo

Espero muito, muito mesmo que tenham gostado.
Deixem suas humildes opiniões aí embaixo, vou adorar lê-las!
Até o próximo desafio o/