Agora que eu possuía mais uma habilidade para meu histórico de anormalidade, o dia parecia sempre cada vez mais perfeito: para uma pessoa que não se importava comigo. Era segunda feira, e embora tivéssemos aula de geografia, o trabalho não era para hoje, e sim para semana que vem, o que não mudava tanto o fato de eu estar completamente enrolada com a minha dupla, que além de ser esquisita e ridiculamente linda, possuía uma habilidade quase exclusiva de desenhar mapas. Porém, eu não fazia ideia se algo tivera saído do esboço.
Cheguei à escola mais ansiosa em encontrar Philip no primeiro tempo do que em tentar esquecer a minha mais nova habilidade assustadora.
Quando se passaram uns quarenta minutos após o horário de entrada, Philip entrou às pressas na sala de aula. E embora não fossem permitidos alunos atrasados, o professor estranhamente pareceu não se importar com seu atraso.
Mas o estranho mesmo não foi isso: foi a expressão Philip. Ele parecia abatido, cansado de mais, como se tivesse ficado umas duas noites seguidas acordado. Eu me assustei por um momento. O menino sempre parecia radiante, mas hoje… foi como se fosse outra pessoa em seu lugar.
Contudo, em meio a isso tudo, eu queria mais uma vez sentir o toque da sua mão, nem que para isso…
— Bom dia — disse ele, sem ânimo.
Eu respirei fundo.
— Bom dia. — Ele não me olhou de volta. — Está tudo bem? — Busquei seu olhar, mas nada encontrei.
— Tudo ótimo — e então ele olhou para mim, sorrindo falsamente. — Posso saber do porquê saiu às pressas na sexta?
Engoli em seco.
— Eu passei mal, mas já estou melhor.
Ele não me respondeu, e eu perdi meu olhar em seu rosto. Ele era perfeito. Era como alguém que não era daqui. Sua pele era pálida, seus olhos — que estavam contra a luz — mostram num lindo cinza claro, quase transparente. Seus lábios eram avermelhados e carnudos, cheios de vida, e embora o cansaço estivesse presente nele, ele ainda era perfeito.
Eu levei um susto quando o sinal tocou, e nem notei que já havia acabado o tempo de geografia.
— Semana que vem eu trago o trabalho — ele se levantou pegando sua mochila, e meu coração disparou. Para onde ele iria?
— Espera, mas o que eu vou fazer na pesquisa…?
E era tarde de mais. O menino já estava na porta, sumindo na vasta quantidade de alunos.

Philip Cambridge

Saí às pressas quando o sinal tocou. Sei que Emily perguntou algo sobre o trabalho mas eu não podia dar meia volta. Embora minha vontade fosse estar com ela o dia inteiro, eu tinha uma missão para cumprir, ou melhor, eu tinha que conter alguém.
Há dois dias Lisandra disse-me que novos anjos caídos estavam em busca de Emily. E para a nossa surpresa, eles sabiam sobre a guardiã e que ela estava na Terra, só não sabiam onde ela estava. Até ontem, quando Zack rastreou um deles vagando em volta da casa de Emily.
Joguei a mochila nas costas e apressei os passos. Nesse horário, dificilmente alguém estaria perambulando pelos corredores, o que tornava a minha missão mais fácil.
Virei à esquerda quando cheguei perto do refeitório, e de lá, vi uma figura masculina de costas, sentado no banco e invocando alguma coisa.
—Hedrick — eu disse por fim, chamando o anjo caído.
Hedrick era um ex Querubim, um dos cargos mais altos do céu na hierarquia angelical. No céu, éramos divididos em 9 classes, ou mais especificamente, 9 categorias os quais possuíam respectivas características que visavam ajudar determinado humano, ambiente, etc. E quanto maior a hierarquia, mais próximo de Deus encontrava-se o anjo, e consequentemente, maior era a sua responsabilidade em proteger a Terra e os seres habitantes dela.
Quando conheci Hedrick há muito tempo, sua aura era diferente desta. Agora, Hedrick estava afogado nas trevas.
O garoto virou-se para mim lentamente, como se já soubesse da minha presença há muito tempo.
— Philip, quanto tempo não nos vemos? Uns dois séculos celestiais? — Ele riu. — Ah, isso não importa, não é?
— O que faz aqui, Hedrick?
Ele olhou em volta.
— O que está parecendo, meu amigo?
Ele estava sendo sarcástico.
— Eu quero ser um humano! — Disse por fim, quando viu que eu não iria responder.
— Não pode ser um humano, nunca será.
Ele fez uma careta.
— Que rude! Você está sendo egoísta meu amigo! Você frequenta a escola como se fosse um adolescente, por que não posso frequentar também?
— Por que você é ruim, Hedrick.
Ele soltou uma gargalhada.
— Mas a vadia da Lisandra disse-me que você é muito ruim, Phil! Que estranho… há algo errado aí ou só uma disputa de poder entre anjos caídos?
— Acho que você deveria ir embora — eu disse. Minha paciência estava se esgotando.
— Acho que você deveria voltar para a… como falam? Sala de aula! — Ele riu de novo, e eu quis socá-lo.
— Hedrick… — Alertei.
— Olha — ele abriu as mãos. — Juro que não sei do porquê você estar aqui — a mentira era visível em seus olhos —, mas não quero brigar. Serio, quero deixar nossas rixas de anjos para trás. Quero ser seu amigo, Phil! — Ele bateu levemente nas minhas costas.
Eu ia socar a cara dele.
— Hedrick, vá embora — eu disse, mais uma vez.
— Certo — ele disse, a voz era baixa e calma, ameaçadora. — Mas depois… vamos ver com quem a garota fica.
Fechei meu punho e afundei na cara dele. Por um momento, estranhei a minha força de antes que ainda parecia existir. Hedrick foi pego de surpresa e caiu no chão violentamente. Seu nariz estava quebrado, e completamente encharcado de sangue. Ele xingou um palavrão e se recompôs rapidamente.
— O que está acontecendo aqui?!
Um velho que parecia o inspetor perguntou.
Eu olhei para ele e depois para Hedrick.
— Eu estou te avisando, afaste-se dela!
Peguei minha mochila e saí do colégio.