Quando as máscaras caem escrita por Kaya Holychild


Capítulo 1
Você colou todos os cacos do meu coração


Notas iniciais do capítulo

Feita em um momento de loucura. Sem nexo algum, esse romance mistura o real com o impossível, então eu gostaria bastante de saber o que vocês acharam. Músicas do capítulo: Your Love (The Outfield) e Livin' On a Prayer (Bon Jovi). Adeus!



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1

O porão estava apinhado de pessoas. Do lado de fora, não nevava, é claro: no Brasil, tal fenômeno era considerado praticamente impossível. As garotas dividiam-se entre sentar no colo de seus companheiros nos sofás ou retocar a maquiagem no banheiro apertado e fedido da casa de Bruno.

Os pais dele haviam viajado para o arquipélago de Fernando de Noronha há uma semana, e claramente não tinham data para voltar. Possuíam condição financeira estável, visto que o pai do garoto era banqueiro e a mãe secretária de uma importante empresa multinacional.

Bru, como era conhecido pelos mais íntimos, nunca tirara boas notas, mas sempre recebia presentes dos pais como forma de incentivo, o que na verdade só o estimulava a planejar mais e mais festas toda semana. Entretanto, aquela era uma ocasião especial. Era final de ano e só os mais populares do colégio tinham sido convidados, entre eles Gabriel.

Ele fazia parte da classe dos atletas e havia engajado um namoro aparentemente sério há duas semanas com uma quase nerd não tão sociável assim. Sua popularidade o fazia desejado por uma boa porcentagem das meninas da escola, que se perguntavam o quê ele teria visto na Dagmália. E que diabo de nome era aquele?

A menina não era feia: seu cabelo ondulado, embora sempre solto em uma confusão de fios escuros, combinavam perfeitamente com os olhos de mulata dissimulada, olhos de índia e de amante incondicional. A pele branca, quase parda, evidenciava os lábios cor de pitanga convidativos e charmosos mesmo sem nenhum gloss.

Mesmo assim, ela tinha poucos amigos, embora parecesse estar com eles sempre; nunca aparecia em festas e vivia tirando notas altas até mesmo nas provas de história. Conversava com as cozinheiras e cumprimentava todos os dias o porteiro, o seu Geovani. Era com certeza a adolescente mais estranha dali. Só faltava ser alérgica a chocolate.

Entre goles e goles de Hi-fi, o drink mais famoso na época, Gabriel acabara entregando-se ao êxtase de tocar peitos pela primeira vez na sua vida. E, não para a surpresa de todos, que não pertenciam à sua namorada; que humilhada e ferida fugira para o gramado da casa, vazio até então.

Respirou fundo, tentando normalizar o ritmo frenético de seu coração. Perdeu as contas de quantos minutos passou ali, fracassando em normalizar sua respiração. Estava totalmente em pedaços e nem lembrava o endereço de casa. Isso se conseguisse uma carona. Arfou ao sentir uma mão em seu ombro, e quase desabou em lágrimas novamente ao perceber que esta era delicada demais para pertencer ao ogro do seu ex-namorado. Era de uma menina. Enxugou as lágrimas rapidamente e tentou sorrir para a tal bisbilhoteira.

Mas o que viu assustou-a. A garota parecia envolta em uma luz própria, vestida de branco da cabeça aos pés enquanto sorria angelicalmente. Angelicalmente, era essa a palavra exata. Ela parecia um anjo real, embora provavelmente as tímidas asas que lhe escapassem das costas fossem de mentira.

― Você ainda está triste. ― Ela sussurrou, parecendo um pouco abatida ao constatar.

― Estou, anjo. ― Anjo? Agora sim ela pareceria uma louca, uma desvairada qualquer. Ora, já estava solteira e não tinha para onde ir... O que custaria mais uma inocente loucura?

― Às vezes me esqueço de que o tempo passa diferente para nós. Quer um chocolate? Eles são ótimos provedores de felicidade.

Dália não reparou que a menina não negara seu vocativo; estava encantada demais com a beleza daquele ser e na forma como ele parecia brilhar na escuridão do gramado. Concentrando-se, conseguiu formular uma frase coerente:

― Não, obrigada. Sou alérgica.

A criatura riu docemente, encarando-a com uma ternura com a qual se julgava incapaz de descrever. Um olhar que transmitia todos os sentimentos bons do mundo. Então, pousou a mão no seu ombro. Dália arfou com o toque, e, atormentada com a confusão de sentimentos que lhe invadia, questionou:

― O que está fazendo comigo? ― Não se referia ao toque, e sim à paz que invadira sua alma instantaneamente. Fechou os olhos para apreciar melhor a sensação.

― Estou orando por você. Percebi que precisava de algo para abrandar seu coração. Não se preocupe com os cacos. Em poucos dias você poderá colar os pedaços.

― Perdoe-me caso eu soe grossa, mas não te pedi nada. Como pode entender... Isso? ― Ela mal entendia o que acontecia, imagine uma estranha vestida em roupas de luz!

― Mas não foi você mesma que me chamou de anjo? ― A menina sorriu enigmaticamente. ― Ah, e eu não sou uma menina. ― Completou, como se lesse seus pensamentos. ― Nós, seres celestiais, não possuímos sexo e nem nos definimos por gêneros. Isso é algo que os humanos inventaram e que limitam sua capacidade a cada dia mais... ― Concluiu, suspirando de forma pesarosa, como se lamentasse pela humanidade. O que provavelmente fazia.

― Obrigada por me consolar. Quase não lembro mais do que aconteceu. Aliás, qual é o seu nome?

― Aqui na Terra, meu nome é René. E não há de quê. Acho que é hora de partir... ― O anjo falou, dando-lhe as costas e abrindo as asas.

― René, espere! Acho que entendi o que você falou. Por mais dor que possamos sentir, quando passamos a apreciar cada pequeno detalhe bonito com o qual somos presenteados todos os dias, podemos melhorar, não é? Fomos feitos para sermos unidos. Reconstruímos uns aos outros... ― Dália murmurou, surpresa com a confiança em suas palavras.

René voltou-se para ela e sorriu. Um sorriso verdadeiro, sincero.

― Que bom que compreendeu. ― E suas asas recomeçaram a bater.

― Por favor, espere! ― Suplicou, desesperada. ― Ainda vamos nos ver?

― Algum dia... ― A voz agora estava triste. ― Mas sempre me lembrarei de você.

― Então ao menos deixe-me com a lembrança de um toque seu. ― Mag puxou o braço do anjo, virando-o de frente para si.

O olhar que transmitiam era intenso demais para descrito em palavras, visto que apenas alguém que já amou verdadeiramente poderia entendê-lo de verdade. Então, com o mais suave roçar de corpos, beijaram-se.

René sorriu entre as lágrimas quando pararam. Estendendo a mão direita sobre seu peito, proclamou o final.

― Durma, amor, pois uma hora esquecerá-se de tudo. Encontraremos-nos, sim. Algum dia...

Ficou na ponta dos pés e voou. Como a noite estava fria...


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