Nas terras ao norte, um pequeno vilarejo se destacava nas montanhas. Era inverno, crianças corriam por todos os lados, fazendo guerras e bonecos de neve, enquanto seus pais e avos tomavam leite quente e se aqueciam nas lareiras de suas casas. O povoado não pertencia a nenhum reino, mas ficava entre vários, de tempos em tempos os mercadores do reino passavam por lá para oferecer produtos diversos, fora isso, a vida rural reinava, juntamente com a paz de uma vida campestre.

Um pouco distante do centro do povoado, uma garotinha de olhos azuis e cabelos do mais profundo castanho batia as mãozinhas animadas enquanto esperava sua mãe buscar seus patins de gelo. Seus olhos grandes encontravam-se com um forte brilho de ansiedade e divertimento, Idun era seu nome. Sua mãe voltara com o costumeiro sorriso nos lábios e os patins nas mãos.

Seren, uma moça, com cabelos castanhos curtinhos e brilhantes olhos azuis .Os grandes olhos da filha a fitavam ansiosos, sorriu e soltou um breve risinho, já sabia o que ela queria.

-Ponto filha, é só esperar seu irmão se arrumar para poderem ir – disse divertida, assistindo ao abrir de um grande sorriso dos pequenos lábios da criança.

- Sim mamãe, podemos ir ao lago?? – disse sorrindo e com as mãozinhas juntas em frente ao corpo – diz que sim!! – ela dava mínimos pulinhos tirando um risinho da mulher a sua frente.

- Claro que podem – virou-se em direção à escada atrás de si e gritou – Filho! Já está pronto?

- Já to indo! – uma voz grave sai do andar de cima.

Idun abre mais ainda o sorriso, e encara a escada com expectativa. Instantes depois um rapaz desce empunhando um cajado, tinha cabelos castanhos como o de sua mãe, mas não tinha os mesmos olhos azuis, os seus eram de um castanho puxado para o avelã, mas sem duvida lindos. Seu nome era Jackson, um rapaz divertido e engraçado, não parava de brincar, o que lhe rendia represarias de sua mãe, e adorava mais que tudo no mundo fazer os outros se divertirem, ainda mais em dias de neve, que o deixavam mais feliz que o normal. Guerras de bolas de neve e bonecos eram divertidos, mas nada superava patinar no lago congelado que ficava na floresta, perto de sua casa.

Idun da um pulo e agarra-se na mão de Jackson – Vamos logo! O lago congelou e está perfeito – dizia enquanto o puxava

- Calma maninha – sorrindo ele tentava se manter no lugar, para despedir-se de sua mãe, tarefa nada fácil com a pequena o puxando contra – Volto antes do jantar, mãe – sorriu e deu um singelo beijo na testa dela, deixou ser levado pela pequena Idun que ainda o puxava,

- Tomem cuidado – disse sorridente a mãe do garoto

- Pode deixar – disse rindo e, sentindo que deveria fazer, virou-se varias vezes para sua mãe e lhe lançou um sorriso, que foi docemente retribuído.

Seren observou ate que os dois desaparecessem de vista, amava muito seus filhos, sua única família. Mesmo sendo mãe solteira, após seu marido morrer devido a uma doença desconhecida e ter tido o pequeno Jackson tão nova, se considerava a mais feliz do mundo, não quisera se casar novamente, mas também não achava necessário, estava bem assim, nada poderia deixa-la chateada, pois seus filhos estava sempre lá para anima-la, principalmente Jack, e agradecia aos deuses por essa bênção. Por fim, resolveu entrar na residência e preparar o jantar, logo seu” guardião da alegria” , como gostava de pensar em seu filho, e sua princesinha chegarem famintos depois de brincar no inverno.

A alguns metros dali a pequena Idun se divertia com Jack - como ela o chamava -, patinavam e corriam sobre o gelo, gostavam de deslizar, fazendo desenhos enquanto arranhavam a superfície perigosamente. Jack gostava de pular e ficar jogando a pequena menina de um lado para outro usando seu cajado inseparável. Passaram-se horas enquanto brincavam distraidamente, estavam em meio a uma guerra de neve quando o inesperado aconteceu.

Jack saiu do lago em busca de mais neve, pois já tinha gastado tudo jogando na Idun que ainda não apresentava sinais de cansaço, porem ao voltar para o lago percebe que os olhos da garota, grandes por natureza, estavam ainda maiores e uma expressão de confusão e pavor habitando-lhe a face. O sorriso de Jack se desfez transformando-se em uma careta de confusão, seguida de preocupação e medo. Idun estava sobre o gelo, paralisada, seus patins estavam sobre rachaduras fundas e grandes no lago, o local não demoraria a partir e a pequena criança seria jogada na agua congelante do lago e, sem duvida, não sobreviveria.

- Tá tudo bem, tá tudo bem, não olha para baixo, olha pra mim – disse ele controlando o desespero que sentia na voz, acreditava que ia salva-la, ela não iria cair, ele não iria deixar.

- Jack, eu tô com medo – sua face mostrava o pavor que sentia, ela não se segurava e dava breves olhadas para baixo, tremendo.

Ouviram o gelo estalar, estava quebrando cada vez mais

- eu sei, eu sei – colocou um pé a frente, e o gelo também se quebrou sobre si - mas você vai ficar bem, você não vai cair ... ah ... em vez disso a gente vai se divertir – disse tentando acalmar a garota

- não, não vai – grita ela em desespero

- Eu já enganei você? – disse pensando consigo o que iria fazer para tira-la de lá.

- já, você esta sempre me enganando – gritou frustrada

- ah não – um riso nervoso saltou de seus lábios - mas .. mas .. mas não dessa vez, eu prometo, eu prometo você vai, você vai ficar bem, mas acredita em mim

- ahh

Uma idéia saltou em sua mente, mirou seu cajado com os olhos, tinha que dar certo - Você quer brincar comigo? Que tal pular amarelinha, que nem quando a gente faz todo dia .. eh fácil olha

Um pequeno sorriso brotou nos lábios de Idun, ela tinha que acreditar nele, e assim o faria.

- Um – disse Jack, dando um passo em direção ao cajado, o gelo quebrou sobre seu pé, mas ele irira continuar, tinha que fazê-lo. Viu que o gelo não quebraria mais e colocou-se sobre apenas um pé – uooouou - tirando um riso de Idun, exatamente o que queria, ela estava nervosa, mas ele não queria isso – dois – o gelo manteve-se firme e rapidamente pulou de novo – três! – disse ao alcançar o cajado – agora você

A menina sorriu e ganhou confiança no que o rapaz disse

- Um – sussurrou ele e a garota mexeu um dos pés, fazendo com que o gelo se partisse mais – calma, calma .. dois – disse jack mirando-a com o cajado, puxaria ela de uma vez – três – gritou assim que a pegou com a curva do cajado, jogando-a do outro lado do rio.

Ela caiu virada para o chão, mas logo se levantou e o encarou sorrindo

Um riso de alívio saiu dos lábios de Jack quando viu que a garota passava bem, mas uma coisa ele não percebeu, ao puxa-la, jogou seu corpo para frente, parando no lugar onde Idun se encontrava e, envolto da alegria que foi tira-la do perigo não percebeu quando o gelo se quebrou mais, quando deu por si seu corpo entrou em contato com a agua gelada, afundando por completo

-JACK!!! – um grito de desespero rasgou a garganta de Idun, a ultima coisa que Jack ouviu. Desesperada correu em direção ao buraco no gelo, vendo que ele afundava e já estava desacordado - NÃAO JACK!! – gritou de novo como se seus gritos fossem trazê-lo de volta – SoOCORRO!! – saiu gritando pela floresta em direção à casa do garoto que, agora, estava sob as aguas geladas do lago.

A última coisa que Jack se permitiu notar foi, além da gélida agua que envolvia seu corpo, a poderosa lua que se erguia diante o buraco deixado por ele, depois perdeu completamente sua consciência.

❄

Apavorada, Idun correu pelas arvores, batendo nos galhos, mas não se importava com isso, seus pequenos pés eram amortecidos pela camada de neve que envolvia o chão, impedindo-a de machucar os pes descalços – SOCORRO MÃNHEE – gritou ao chegar em casa, batendo ruidosamente na porta – MÃE!!

-O que houve Idun? – Seren apareceu com os olhos arregalados ao abria a porta, notou que seu filho não estava com ela e percebeu que tinha algo de errado – Onde está Jack? – disse ainda assustada

- MÃE ELE .. ELE – a garota que, até agora não tinha chorado, se debulhou em lágrimas, gritando lamentos que fez com que a mulher em sua frente ficasse cada vez mais nervosa

- O que houve com seu irmão, Idun? ? – ela abaixou-se para ficar no mesmo nível da criança, tentando tirar a resposta dela. Tentaria acalma-la, mas estava tão, ou mais, nervosa – diga pequena, onde ele esta – ela respirava com dificuldade, não querendo pensar no pior

- Ele ... e-ele caiu n-no lago-o – disse em meio a soluços – o g-gelo q-quebrou mãe, ele TÀ NO LAGO! – gritou de uma vez e Seren sentiu como se uma faca tivesse entrado em seu peito.

- O que esta acontecendo aqui? - Kaira, vizinha de Seren apareceu, com uma expressão confusa encarando a vizinha que tinha seu rosto mais pálido que o normal, seu lábios embranqueceram - Seren?

-Me-m-meu filho – disse com uma voz distante e, como se uma luz se ascendesse no seu interior, começou a correr em direção a floresta, tropeçando, correndo, chorando, só queria que Jack estivesse bem.

Chegando no lago deparou-se com os patins e o inseparável cajado de Jack jogados sobre a agua congelada, um metro adiante tinha um grande buraco por onde dava para ver claramente a agua liquida. Seren arfou e se aproximou do lago, tocou seu pé na superfície e viu que o gelo rachara, não podia ir adiante, mas não conseguia pensar em nada. Continuou ate chegar a beira do buraco, o gelo não quebrou-se mais, ajoelhou-se e encarou a escuridão da agua. Chorou, muito, gritando em desespero, pedido que ele não estivesse ali, que aparecesse por trás das arvores e ela brigaria com ele por mais uma brincadeira sem graça, mas não aconteceu. Sentou no gelo e olhou para o ceu, encarando a lua, deixando que o brilho inundassem seus olhos azuis como cristais inundados de lágrimas.

O frio estava cada vez mais forte a medida que a noite avançava, Seren ainda estava no mesmo lugar, sentada sobre o gelo, seus lábios, antes rosados estavam ficando azuis, mas ela não se importava, nada mais importava, queria morrer, sim, o que fazer agora que não tinha mais seu precioso filho, que a ajudou a viver ate aquele momento? Não tinha resposta e nem queria sair de lá.

- Mamãe – ouviu uma voz conhecida da caçula vir da floresta atrás de si, não se virou, não tinha forças

- Seren, ó céus – exclamou Kaira ao ver a amiga tremendo de frio, fitando um buraco no rio – fique aqui Idun, vamos Niels, temos que tira-la daqui – disse ela para seu marido que, com cuidado, se aproximou da mulher sentada.

- Me deixem em paz – sussurrou Seren, sua voz era distante, não havia vida nos seus olhos – não tenho por que sair daqui – lagrimas surgiram novamente

- Vamos minha amiga – disse Kaira, puxando-a pelos braços a fazendo ficar de pé e amparando-a com a ajuda de Niels – não pode ficar nesse frio e sua filha está aflita.

Tiraram Seren do lago e cobriram-na com panos que Idun havia trazido, a pequena garota estava traumatizada, não queria olhar para aquele lago, perdera seu melhor amigo e companheiro, tinha se culpado, mas agora tinha que ficar do lado de sua mãe, que não parecia estar nada bem.

Levada para casa, Seren foi alimentada por Kaira, já que não tinha forças para nada, parecia que a vida tinha se esvaído e só o que restara foi seu corpo e a dor da perda. Idun estava em silencio, tinha se enrolado nos cobertores e chorava baixinho – Amanha volto para ver como está – disse Kaira, retirando-se para sua casa, deu uma ultima olhada nelas, suspirou e saiu, não poderia fazer mais nada.

Saiu fechando a porta atrás de si, deixando uma bela mulher deitada na cama, sem brilho nos olhos ou vida. Chorou ate o cansaço vencer, adormeceu com rastros de lagrimas descendo pelo rosto alvo e alongado, com a tristeza estampada nele. Seren sentia frio, o frio da perda e duvidava que conseguiria aquecer-se novamente.