Complexo de Atlas escrita por Felipe Perdigão


Capítulo 1
I will feel so glad to go.




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Se você está lendo isso é porque eu provavelmente estou morto neste momento.

Não posso afirmar que estou feliz e muito menos que estou em paz, mas estou consciente do que estou fazendo e muito feliz por isso ter um fim.

As coisas pelo que já passei fariam com que qualquer outro homem se tornasse mau ou tivessem um desvio, mas tudo que isso me causou foi o fardo de não sentir mais nada. Não sinto amor. Não sinto compaixão. Não sinto pena. Não sinto medo. Não sinto arrependimentos. Não sinto culpa. Não sinto libido. Não sinto. Eu não sinto merda nenhuma.

Tudo começou aos onze. Época difícil. Mudanças, aceitações e malditos problemas familiares. Quando dizem que tristeza faz com que as pessoas amadureçam, não estão mentindo. Criança alguma deveria sentir complexo de Atlas. Sentir o peso do mundo sobre suas costas é algo que jamais deveria acontecer com alguém que ainda carregava a inocência nos olhos.

Todos esses sete anos só me fizeram crer que vivemos em um enorme mar de fel, onde nos afogamos cada vez mais em tanto caos, medo, vazio e solidão. Não há esperança neste mundo, muito menos nas pessoas que nele habita. Mas há um inferno. Acredite em mim. Eu já estive nele.

Neste momento você deve estar se perguntando o que me motivou a causar os vários sintomas clínicos que debilitaram o meu organismo levando à falência dos órgãos vitais, tais como coração e pulmão. Eu estava cansado de ser vilipendiado, de viver angustiado e emocionalmente vazio. Sim, parece besta, eu sei. Mas não devemos julgar as pessoas por suas fraquezas. Cada um sofre por aquilo que o destino julga necessário para o seu amadurecimento e não há dor maior ou menor que a outra. Fui fraco e tolo por ter me deixado levar por tanto tempo. Talvez, se eu tivesse percebido o que é que estava me acontecendo antes, eu teria achado soluções para todos estes problemas.

Não me venha dizer que isso foi uma atitude egoísta. Você estaria sendo egoísta ao me desejar vivo e perto de você. Entre continuar sofrendo para te agradar e por um fim na minha dor, você já sabe o que eu escolhi.

Eu não sei mais o que é viver há muitos anos. Eu estava simplesmente existindo e me cortando várias vezes ao dia. Muitos se cortam pra fazer a dor ir embora, mas eu me cortava apenas porque era a única forma que eu tinha de fazer com que eu voltasse a sentir.

Eu sei que você deve estar me julgando e falando que eu deveria ter procurado ajuda, mas eu fiz. Eu fiz tudo que você puder imaginar. Fiz novas amizades, se é que posso chamar aqueles parasitas de amigos, pratiquei esportes, achei um hobby, tentei amar e ah, como eu tentei me livrar disso... Mas a alegria perdeu meu endereço e nunca mais veio me visitar.

Não se sinta mal por mim, eu quero que você saiba que do fundo do meu coração eu fiquei muito feliz em partir.

Acho que do único ser que sentirei falta é de minha gata que esteve sempre ao meu lado me enchendo de carinho nestes dois últimos anos da minha vida. Espero que não se desfaçam dela e que continuem tratando como a rainha da casa, pois é isso que ela é. A minha rainha.

Imaginei que vocês desejassem pelo menos uma explicação e assim foi feito. Além dos cuidados com a Ully, seria de bom grado se entregassem todos os meus livros para Beatriz, minha prima, pois ela mais a que ninguém saberá aproveita-los. Junto das obras há um pendrive com todos os meus originais na esperança que talvez algum dia eles possam ser publicados. Deixo minha coleção de discos para meu primo João na esperança que ele possa continuar adquirindo experiência como músico e quem sabe se tornar um astro. Quero que minhas roupas sejam doadas para um orfanato. Terá mais utilidade a que ficarem dentro do armário criando pó e sendo comidas por traças para que apenas minhas lembranças sejam resguardadas. Meus jogos da franquia The Sims deixo para Mariah, uma das únicas amigas que esteve ao meu lado. Os demais artefatos que outrora me pertenceram poderão ser descartados da forma que acharem melhor. Não quero que guardem as minhas coisas, pois elas não serão mais minhas uma vez que no momento que meu coração parou de bater, meu corpo perdeu a vida e se tornou apenas lembranças e um enorme peso que não demorará muito para entrar em decomposição.

Não quero que me perdoem e muito menos que aceitem a minha decisão, mas que a respeitem. Eu estarei em um lugar melhor que aqui. Há um mundo melhor. Bem, deve existir.

Vocês poderão lembrar de mim sempre que sentirem o cheiro de Café, Whisky e Menta.

Adeus.

— Pequeno anjo que teve as asas cortadas para que o mundo se encaixasse melhor em suas costas.


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