Struggle escrita por NamelessChick


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Como já disse no disclaimer, essa história foi criada para o DeLiPa 8, cujo tema é defeituoso.

Me foi sorteado o defeito "fechado" e espero que ele tenha sido bem representado aqui na história. Quis, basicamente, mostrar que muitos males poderiam ser evitados em nossas vidas se fôssemos um pouco mais abertos, ou mais acessíveis às pessoas.

Espero que gostem da leitura, em especial porque me propus a fazer um yaoi não muito comum.

PS: História não-betada e revisada às pressas, porque sou dessas (trouxianes) que deixam tudo para última hora.



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Os dois amigos conversavam tranquilamente em um café. Estavam a sós, sentados à bancada do recinto, cada qual com sua bebida.

— Ah, para, vai. Admite logo que é viado e a gente para com isso.

— Mas… Eu não sou, cara.

— Velho, ela tinha te chamado pra sair, tomou a iniciativa nos beijos e você não quis ir pra cama. Isso não é normal, porra! — quase gritava o colega, tomado por uma indignação sem sentido.

— Eu sou assim, Carlos. Qual o problema? — retrucou Antônio, que já estava acostumado com as reações espalhafatosas de seu amigo acerca da sua limitada vida amorosa.

— Qual o problema? Qual o problema é que você já tem vinte e três anos e ainda é virgem, esse é o problema, e desde a menina lá você nunca mais saiu com ninguém — gritou, finalmente, provocando um revirar de olhos do homem sentado ao seu lado, que por mais que estivesse tendo a privacidade ferida, mantinha-se calmo.

— Desculpa, mas não pensei que isso fosse da sua conta — resmungou.

— Ei, ei, não precisa ficar agressivo. Mas é que já passou da hora, né, Toni? Daqui a pouco não serei só eu pensando que você é gay e ai já viu, né.

Antônio sentiu-se desafiado pelo universo a manter a calma, por mais que Carlos dificultasse isso. Respirou fundo, deu um longo gole no seu capuccino e ao invés de falar — pela ducentésima vez —, que não ligava para o que os outros pensavam de sua sexualidade, ou o fato dele ser virgem ou não era apenas da própria conta, simplesmente respondeu:

— Tenho que ir.

Levantou-se, colocou sobre o balcão o dinheiro de sua bebida e a gorjeta do barista, que provavelmente ouviu toda a conversa, terminou num último gole o capuccino e se retirou, deixando para trás seu amigo indignado.

Saindo do café, deu uma ajeitada em seu blazer e seguiu caminhando rumo ao seu trabalho, que não distava mais que duas quadras dali. Antônio, então, seguiu a pensar, imerso em si, por todo o caminho. Sabia que o amigo — mais para colega —, não tinha uma má intenção, mas suas intromissões estavam cada vez mais invasivas e muito mais incômodas.

Layla, a mulher que comentaram no café, foi a última por quem Antônio havia tomado algum interesse, ainda na faculdade. Os dois trocavam muitos olhares e de vez em quando tinham conversas agradáveis, mas ele nunca havia tido o interesse, ou a pretensão, de nada mais sério. Desde muito jovem Antônio sempre se sentiu pressionado por todos, desde familiares à amigos, a ser aquele menino garanhão. “O conquistador”. Ou então que ele simplesmente se acomodasse com alguma garota e cumprisse seu papel pré-definido de homem. Ao final do primeiro ano de curso, Layla o chamou para sair, decerto com segundas intenções. Antônio à princípio não quis ir, justamente por não corresponder essas demais expectativas, mas por pressão de Carlos — colega desde a escola elementar —, aceitou o convite.

Os dois tiveram um excelente jantar, riram muito juntos e se divertiram bastante. O homem realmente tinha gostado do tempo passado, mas quando ela lhe pediu para deixá-la em casa, sentiu aquela velha sensação de desconforto. Ele não queria fazer pré-julgamentos, mas não era ingênuo, sabia o que a moça pretendia e desde já, pensava em como evitar alguma situação embaraçosa para os dois. Nessa primeira vez, ela o beijou, de despedida, como ele bem podia ter suposto, e não convidou-o para entrar, o que de certa forma, foi um alívio. Saíram mais vezes, e por mais que Antônio realmente gostasse da companhia de Layla, não sentia nenhum tipo de desejo por ela. Andavam de mãos dadas, trocavam alguns beijos de quando em quando e ele era, no geral, muito afetuoso com ela, porém, depois de algum tempo a mulher começou a ter investidas mais ousadas, as quais não agradavam Antônio. Os dois praticamente se encontravam num relacionamento não declarado, em que ele estaria bem desde que não envolvesse qualquer contato mais sexual. Carlos notava vagamente essa resistência do amigo, mas nada fazia, além de provocá-lo ou fazer insinuações maldosas.

Durante todas as férias pós primeiro ano de faculdade, ficaram os dois nesse impasse de estarem juntos e não estarem ao mesmo tempo, e por mais que Layla e Antônio gostassem um do outro, a falta de iniciativa de Toni passou a ser um empecilho para a garota. Praticamente revivendo o ensino médio, Antônio voltou a sentir aquela pressão de se envolver sexualmente com alguém, e quando reparou a infelicidade de sua “namorada” decidiu tentar. Em algum jantar que ela o havia convidado, ele se dispôs a ir e tentar. Como sempre faziam, jantaram, jogaram conversa fora e ele foi deixá-la em casa. Layla, despediu-se com um beijo, e chamou-o para entrar com ela — ainda que esperasse mais outra desculpa dele para não fazê-lo —, e para sua surpresa, ele aceitou. Sem delongas foram até o quarto, mas aquela sensação de desconforto passou a ser gritante e assim que a mulher removeu a própria blusa, Antônio disse que não poderia continuar e simplesmente se retirou.

Layla ficou sem entender, sozinha e magoada. Não com a aparente rejeição, mas ela se entristecia pelo fato de Antônio não querer conversar consigo. Antônio é, e sempre foi, um sujeito muito fechado. Nunca se abriu com ninguém, nem mesmo com os pais, sobre essa estranha sensação que o tomava desde criança. Ele se sentia incompleto, como se algo estivesse faltando. Algo que todos a sua volta tinham, exceto ele. Mas como poderia sentir-se incompleto quando nem ao menos sabia o que lhe faltava?

Chegou enfim, ao seu escritório. Entrou no prédio de vinte andares e encaminhou-se ao seu respectivo andar, onde trabalharia pelas próximas sete horas, com pausa somente para almoço. Pensar em Layla, o deixou bastante triste. Anos já haviam se passado e ainda assim, Carlos fazia questão de atormentá-lo, e ele se deixava atormentar pela lembrança. Nunca mais havia sequer falado com ela desde que a deixou naquele quarto. Tentava não fazê-lo. Desde esse incidente passou a se focar mais em seus estudos e agora, trabalho. Formou-se em economia há pouco e trabalha como analista em uma empresa não muito grande. Carlos, único colega que ainda mantém contato, e, logo, considerado como único amigo, era formado em direito e ambicionava grande carreira.

Antônio seguia com sua vida da melhor forma que podia: acordava às oito, se vestia, ia para o mesmo café todos os dias às oito e meia, tomava quase sempre o mesmo capuccino e de vez em quando Carlos o encontrava lá. O jovem formado em economia permaneceu fechado, a tudo e todos, limitando-se à própria rotina. Era um tanto entediante, mas seguro. Temia alguma outra situação como Layla, ou ainda, às pegadinhas que sofrera durante o ensino médio. Nunca se esqueceu da vez que colocaram em sua bebida, numa festa, viagra dissolvido. Foi a última festa que frequentara.

**

Depois de um dia cheio de contas e pilhas de papel, Antônio saiu do trabalho. Estava com fome, e decidiu parar no Subway para comer algum sanduíche. Fez seu pedido, sentou-se à bancada do local frente a um vidro que dava acesso visual para a rua e começou a jantar. O som de estranhos conversando lhe era reconfortante e estava completamente distraído quando sentiu alguém se aproximar.

— Olá — um jovem o cumprimentou, com um sorriso tímido. Demorou alguns instantes para reconhecer a figura, era o barista do café que frequentava todos os dias, de segunda a sábado.

— Olá — respondeu um tanto surpreso. Esboçou algum sorriso idiota, por não saber ao certo como reagir.

— É… Antônio, certo? — fez alguma gesticulação como estivesse tentando demonstrar o exercício mental de se lembrar do nome do homem.

— Sim, mas… Como sabe? — chegou um pouco para o lado, para que o barista se sentasse, lhe incomodava conversar sentado com pessoas em pé.

— Bem… É… Você é um regular, sabe — sentou-se —, e aí sempre pergunto seu nome na hora de escrever na luvinha do copo do seu pedido.

Sentiu-se idiota, Antônio. Quis socar seu próprio rosto por ter esquecido desse pequeno grande detalhe.

“Ótimo, agora sou um babaca metido”, pensou.

— Ah, é mesmo — riu sem jeito —, tinha esquecido completamente, desculpa.

— Tudo bem, é apenas um detalhe, as pessoas geralmente esquecem disso mesmo.

— Qual o seu nome? — decidiu mudar logo o assunto.

— Ah, me chamo André.

— Prazer, André, eu sou o Antônio — brincou cumprimentando-o formalmente —, agora nos apresentamos de fato.

— O prazer é meu — riu ligeiramente. O gelo inicial havia sido quebrado.

Sem saber ao certo o porquê de estar conversando com André, Antônio ficou um bom tempo sentado ao lado do barista, e conversaram por tanto tempo que mal perceberam o chegar da noite. O momento estava sendo tão agradável que nem viram as horas, ou as caras feias dos funcionários em direção aos dois — que ocupavam a bancada e impediam a limpeza adequada daquele espaço.

No entanto, enquanto discutiam sobre tipos de clientes de um café, o celular de André tocou, interrompendo-os.

— Um momento, Antônio — pediu licença o rapaz ao verificar quem o chamava e se afastou para atender a ligação.

Enquanto André se afastava para um mínimo de privacidade, Antônio não pôde deixar de pegar o próprio celular, para passar o tempo ou fingir conferir alguma coisa. Viu que em poucos minutos completariam duas horas de estadia ali no Subway, e se surpreendeu com isso. Nunca havia lhe acontecido essa falta de percepção do tempo. Sentiu-se um tanto relapso. Notou que André estava irritado ao telefone, naquele sussurro irritado que permite estranhos repararem na sua irritação, mas ao mesmo tempo, os impede de ouvir o que é dito. Agora, mais do que nunca, Antônio se fingia entretido no celular, não queria ser pego encarando, curioso. Estava conferindo sua caixa de e-mails quando o barista retornou e sentou-se novamente.

— Está tudo bem? — perguntou sem rodeios, sabendo que a resposta seria uma tipica negação, afinal, ele era um estranho ao barista.

— Sim, sim, era só o meu ex.

“ ‘O’ meu ex?”, pensou o primeiro homem, mas decidiu não perguntar nada.

— É, o meu ex. Ele — explicou em tom brincalhão, quando notou a visível confusão na feição de Antônio, que mais uma vez sentiu a vontade de se socar por tamanha idiotice.

— Ah, sim. Entendo.

— Entende? — arqueou as sobrancelhas, pela colocação aparentemente sem sentido. Na verdade, André estava jogando verde com o fiel cliente de seu café. De fato ouvira a conversa de Carlos com o amigo pela manhã e ao ver o homem no Subway, tomou coragem e foi puxar assunto. E agora, com essa deixa, não podia deixar passar a chance de saber se o homem era, de fato, gay. Ele era bonito, educado e tinha bom papo, “por que não?”, pensava.

— Sim, esse tipo de ligação. É bastante incômoda — respondeu sem perceber a malícia de André. Estava apenas tentando não soar preconceituoso.

— Pois é… Ele insiste em uma segunda chance, mas aquele navio já zarpou faz tempo — brincou, arrancando um pequeno sorriso de Antônio, que por dentro estava espantado com a naturalidade do barista, e se culpando pelo espanto, pensando ser um preconceituoso por causa disso.

Os dois conversaram ainda por mais alguns minutos, até que André disse ter que ir, tinha aulas a noite. Vida de cursinho não era fácil para ninguém, declarou com um sorriso forçado. Despediram-se com um jocoso “até amanhã”, pois sabiam os dois que Antônio estaria presente no café, sentado ao mesmo lugar, provavelmente com o mesmo pedido. Para surpresa do analista, recebeu um ligeiro abraço de despedida, daqueles mais afetuosos, tapinha no ombro, coisa e tal. Retribuiu o ato corriqueiro e foi embora para sua casa andando, com um pequeno sorriso, repassando toda a conversa que tivera mentalmente.

**

— Bom dia, André — cumprimentou, como fizera nas últimas duas semanas, o barista, que passou a recebê-lo com um largo sorriso.

— Bom dia, Toni, o que vai querer hoje? — brincava com a formalidade desnecessária. Os dois conversavam praticamente todos os dias, pela manhã, no Subway às seis da tarde e ainda, de vez em quando, por mensagens no celular.

— Hum… Hoje estou afim do número…

— Treze? — interrompeu.

— Como adivinhou?

— Bem, você faz o mesmo pedido todos os dias, e quando varia, muda para o treze, o café vienense.

— Seu chato — resmungou. Continuariam aquela conversa idiota, se não fosse pela pequena fila de clientes que se formava atrás de Toni — Mas é isso mesmo. O vienense e uma porção de mini pães de queijo, por favor.

— Saindo — acenou positivamente e fez um gesto com a cabeça para que Antônio se sentasse à bancada, e ele o fez.

Esperando o novo amigo terminar de atender os outros clientes, Antônio decidiu usar seu celular. Distraiu-se um pouco jogando candy crush e só parou quando André se aproximou com a bebida e a porção de pães de queijo.

— Obrigado — agradeceu colocando o celular de lado — Aceita um?

— Não, comi há pouco, e não suporto mais pães de queijo. Eu sinceramente não sei como você aguenta pedir a mesma coisa todo santo dia.

— Ah, para. Pão de queijo é muito bom.

— Tá, mas e o mesmo capuccino também todos os dias, não te incomoda?

— Na verdade, não. Mas eu gosto mais do copinho que vem do que capuccino propriamente. Ele é igualzinho aos do Starbucks e eu acho o máximo ter meu nome escrito no café.

— Idiota — brincou e os dois riram.

— Sabe, eu ontem, depois da aula fiquei pensando… — o barista falou depois de alguns instantes em silêncio dos dois.

— No quê?

— Eu não sei muito sobre você.

— Mas nos conhecemos somente a duas semanas. Como possivelmente poderia me conhecer? — deu um gole em sua bebida, e comeu seu segundo mini pão de queijo.

— Não. Tipo, sim, mas não é isso que estou falando.

— Quê? — Antônio retrucou confuso.

— É que eu não sei nem o básico sobre você. A gente conversa bastante, sobre tudo e nada, e até dos meus ex já falamos, mas não sei nada disso sobre você. Se bobear, não sei nem se já teve alguém ou não… — jogou verde mais uma vez, como fazia desde a primeira conversa que tiveram. André estava determinado a saber de uma vez por todas se poderia investir alguma coisa em Antônio. Ele queria porque queria tomar alguma iniciativa, mas temia uma heterossexualidade inconveniente ali no meio.

— Ah, então você quer saber da minha vida amorosa? — tentou não soar na defensiva e acelerou um pouco, comendo mais rápido.

— Não, claro que não — mentiu deslavadamente —, eu só quero conhecer um pouco mais de você, só isso.

Antônio sentiu o rumo que André queria levar a conversa, e ele realmente não estava disposto àquilo. Para sua sorte, já havia terminado o café, então poderia se despedir antecipadamente com a desculpa de ir ao trabalho, e assim o fez. Por mais que adorasse a companhia de André, não se sentia a vontade para discutir com ele mais sobre si mesmo. “Não tem nada demais para saber, afinal”, repetia em sua mente essa frase, se convencendo a permanecer impenetrável.

André se despediu e ficou cabisbaixo, até um pouco irritado com o analista. Ele era um cara legal e interessante, mas nunca, nunca, falava qualquer coisa de si. O barista não se conformava com isso. Como poderia se interessar por alguém tão fechado? Nem mesmo falando dele mesmo, para incentivar qualquer abertura do outro parecia funcionar. Talvez devesse ser direto e ir logo ao ponto, mas temia alguma reação negativa. Contudo, não podia mais seguir conversando tanto com aquele homem sem saber praticamente nada dele. Estava decidido a mudar isso, então depois de seu turno no café, enviou uma mensagem chamando Antônio para sair naquele mesmo dia. Era uma sexta, afinal de contas, poderiam ir para alguma balada, algo do tipo. Só queria fugir do Subway — não suportava mais o sanduíche: depois de duas semanas, comendo no mesmo lugar só por causa de um cara, ficava difícil variar seus pedidos, ainda que a matemática provasse o contrário. Toni não demorou muito a responder, e aceitou, ainda que com protestos.

“É hoje!”, André pensou, com um sorriso travesso.

**

— Como é? O nome do jogo é “eu nunca”? — Antônio perguntou arqueando as sobrancelhas, um tanto confuso.

— Sim. Não. É que ele é um jogo americano chamado “never have I ever”, numa tradução livre: eu nunca.

Os dois estavam sentados frente a frente numa das diversas mesas que tinham naquele bar-restaurante em que estavam. André não conseguiu por nada no mundo arrastar Antônio para a boate que queria, então os dois jantaram ali mesmo, mas como o barista estava determinado, decidiu ficar um pouco criativo para saber mais sobre o analista.

— Tá, e como joga essa joça?

— Então, eu falo algo que eu nunca fiz, e se você fez, vira um shot de tequila. E a recíproca é verdadeira.

— Hum…

— “Hum” o quê?

— Está tentando me embebedar, André? — semicerrou os olhos.

— Talvez esteja — semicerrou os olhos também, provocando-o.

— Ok, vamos lá. Pode começar.

— Não, não, temos que ir para o bar. Lá a tequila chega mais rápido.

— Como quiser — deu de ombros e os dois seguiram para o bar.

André começou o jogo, dizendo nunca ter transado com uma mulher. Nada sutil — culpa dos drinks que bebera ao longo do jantar —, e surpreendeu-se de uma maneira positiva quando viu que o amigo não bebera. Antônio, nada inocente, imaginou o que André queria, então decidiu, ao invés de pedir para que ele perguntasse qualquer coisa que quisesse — ainda que no fundo não responderia quase nada —, usar o jogo contra o próprio barista.

— Nunca beijei um homem — desafiou o outro com o olhar, que revirou os olhos e bebeu sua dose de tequila pura, sem sal nem limão. Depois de uma careta e refil do garçom, ficou pensativo.

— Nunca me interessei por uma mulher — disse com certo receio.

Desta vez, Antônio entornou o pequeno copo e sentiu o líquido queimar sua garganta. Tossiu algumas vezes, provocando uma pequena risada no outro, que teve parte de suas esperanças reduzidas.

— Hum.. — pensou encarando os olhos travessos do barista — Eu nunca… Hum… — não sabia ao certo o que falar, e as cervejas somadas à dose de tequila começaram a lhe dificultar os pensamentos —, eu nunca namorei sério.

Novamente, André bebeu sua tequila.

— Eu nunca me interessei por um homem — pronunciou André, com tom brincalhão e bebendo a dose recém colocada a sua frente e aguardou a reação de Antônio.

— Ei, isso não é roubo? — resmungou.

— Não, não é. Vamos, menos papo e mais ação.

Antônio revirou os olhos. Estava pronto para deixar passar a dose, mas algo o conteve, estava hesitante, e os olhos ávidos de André não perdoaram a dúvida.

— Está tudo bem, Antônio? — tocou-lhe levemente a mão esquerda, e notou a tensão no corpo do homem.

— Eu… — o analista estava atordoado. Aquela pergunta o pegou de surpresa, e não sabia ao certo se era a bebida ou o jogo idiota que lhe causavam aquela confusão. Sentiu o toque morno do homem a sua frente, e sentiu-se tenso. Encarou-o nos olhos em seguida, e a preocupação que encontrou lhe intensificou a confusão mental. Naturalmente iria negar qualquer interesse em algum homem, mas quando deu por si, viu que era mentira. Desvencilhou-se então bruscamente do toque e bebeu seu shot de tequila. Não esboçou reação nenhuma desta vez.

— Acho que isso responde sua pergunta — colocou uma nota de cinquenta sobre a mesa e saiu às pressas do local. Precisava ficar sozinho. Fechado, como sempre.

**

Antônio saiu andando, um pouco zonzo, do ambiente em que estava, e sua mente seguia bombardeada com um turbilhão de pensamentos confusos e dúvidas. Ele jamais se interessara por um homem. Como poderia? Não era gay. Ou era?

A buzina de um carro o assustou — quase foi atropelado numa rua qualquer —, mas não o impediu de seguir com sua caminhada dramática. Completamente agarrado ao seu sobretudo, seguiu andando. A cidade, bem iluminada e repleta de pessoas também caminhando, não trazia qualquer dificuldade no andar noturno e um tanto atordoado do analista, que fazia questão de questionar toda a sua vida. Nada fazia sentido.

Será que sempre foi gay e nunca soube? Mas nunca sentiu nada em por outro homem. Nunca. Nem na lembrança mais remota que poderia ter de sua puberdade. Balançava a cabeça, confuso. Todo o desconforto que já sentira em relação a si mesmo veio à tona. Por acaso se viu situado em um parque. Decidiu se sentar em um dos bancos de pedra gelados com várias propagandas de moto-táxi pintadas sobre sua superfície.

Respirou fundo. Uma, duas, cinco vezes. Esfregou as mãos em seu rosto e relaxou seu corpo cansado.

“Por que eu sou assim?”, perguntava, mesmo sabendo que não seria respondido.

“Por que eu não posso ser como todo mundo? Por que eu não consegui simplesmente negar a pergunta estúpida daquele jogo estúpido do André? Por que, diabos eu estou nessa situação? Por que deixei o André se aproximar?”, eram perguntas e mais perguntas, soando quase como penitência, Antônio seguia se questionando. Questionou-se sobre o porquê de frequentar aquele café, ou de sua aparente permissividade com o barista, que afinal, era um rapaz divertido e interessante. “Interessante?”, ponderou. “Estou louco de vez.”

E no meio dessa agonia interna, Antônio sentiu alguém lhe tocando o ombro. Assustou-se automaticamente e se virou bruscamente para ver quem era a pessoa. Um medo sobrenatural de que fosse André tomou conta de si, mas ainda assim, virou-se para encarar. Chocou-se com a figura a sua frente.

— Toni? — aquela voz doce de anos, que há muito não ouvira, pronunciou seu nome num tom carinhoso.

— Layla? — se levantou num pulo — Eu, é.. eu… — palavras não conseguiam se formar.

— Sim — riu —, quanto tempo, não? — qualquer outra pessoa poderia destilar a mágoa em forma de pequenos sarcasmos, mas a mulher parecia incrivelmente simpática e tranquila. Se aproximou e ficou totalmente de frente ao seu antigo… Amigo colorido, não tão colorido assim.

— Hum.. Pois é, muito. Muito, hum, muito tempo — nunca esteve tão confuso.

— Está tudo bem? Você parece agitado — preocupação genuína em sua voz. Layla não poderia estar mais surpresa em rever Toni, mas ele não parecia bem, e querendo ou não, aquela antiga afetividade ressurgiu depois de anos.

— Eu gostava de você — explodiu. A bebida e a confusão mental que se apossaram o corpo externaram-se em parte nessa declaração aparentemente ilógica —, e eu queria muito ser seu namorado. Mas você queria outras coisas. Era desconfortável, também tinha o Carlos e ele ainda lembra daquela época e faz questão de me encher o saco e…

— Opa, opa, calma, Toni — se sentou e fez com que ele também o fizesse —, você está bêbado? — sentiu o cheiro do álcool e ficou ainda mais preocupada. Ele não bebia uma gota sequer à época da faculdade, como poderia ter mudado tanto?

— Um pouco, mas esse não é o caso. O caso é que, eu sou gay por ter fugido naquele dia? — mais direto, impossível, e a expressão de Layla estava além de chocada.

— Que? Como assim? Claro que não, Antônio.

— Eu queria ser seu namorado, sabia? Não agora, antes — sua fala se embaralhava um pouco, o que deixava a situação ainda mais surreal e ridícula.

— Mesmo, e por que fugiu então naquela noite? — finalmente perguntou, a mulher, ainda que soubesse que não deveria estar fazendo isso. Se afundando ainda mais numa situação aleatória com um estranho que um dia fizera parte do seu passado.

— Você queria sexo — tossiu — e eu não.

— E custava ter me dito isso na época? Tinha que ter fugido? — tentou ser o mais compreensível possível. Formou-se em psicologia, talvez esse fosse o grande mal que a forçasse a ficar ali e conversar com o cidadão bêbado e confuso.

— Sei lá, Layla. E agora eu acho que gosto de um cara. Será que eu era gay esse tempo todo e não sabia? Caralho, o Carlos é um gênio — deu um soluço bêbado.

— Antônio… Hum… Não querer transar não te faz gay — falou com certa cautela, como se conversasse com uma criança —, você pode muito bem se interessar por um homem, e continuar sem querer transar. É… Bem… Sabe, gostar de alguém e ter a vontade de fazer sexo não são necessariamente a mesma coisa. Pra muitos, sim, por serem fatores coincidentes acabam sendo associados como um só, mas não é bem assim.

— Hum… — Antônio tinha um olhar tão confuso, mas ao mesmo tempo, de quem acompanhava o que lhe era dito. Parecia que num passe de mágica, seu mundo tivesse ganhado algum sentido. Não podia discernir se ela falava aquilo para que ele se acalmasse, ou se era realmente verdade. Independente do que fosse, era reconfortante. E fazia sentido. Foi como se pela primeira vez se sentisse “encaixando” em alguma coisa.

— Você nunca falou disso com ninguém antes?

— Não — riu, como idiota.

— Ai, Toni… Sempre tão…

— Fechado — completou.

— Sim.

— Sim.

Um silêncio se prostrou ali, no meio da conversa. Antônio estava pensativo. “Coisas diferentes?”, pensava consigo mesmo, sobre o que acabara de ouvir. Não acreditava em destino, mas agradeceu ao Cosmos por ter se encontrado com Layla.

— Toni? — chamou.

— Sim?

— Tome — entregou a ele um cartão —, é… É o cartão do meu consultório. Talvez você deva passar lá qualquer dia para conversarmos.

— Me parece uma boa ideia — pegou o cartão e enfiou num dos bolsos do seu sobretudo, e só então percebeu que seu celular vibrava.

— Tenho que ir — a psicóloga falou, e despediram-se com um aperto de mão bastante constrangedor. Antônio parecia mais lúcido e percebeu que André estava ligando, pela décima sexta vez. Decidiu não atender, precisava de um tempo para si. Na verdade, não precisava de verdade, mas queria processar sozinho o que Layla disse, de forma tão simples e corriqueira, mas que se encaixou em sua vida como uma luva.

Caminhou para casa, quando a lucidez retomava as rédeas da situação.

**

O sino do estabelecimento denunciava a chegada de um cliente. O primeiro do dia, na verdade. André estava com olheiras horríveis, mal tinha dormido nas últimas noites, preocupado com Antônio, que não falava com ele a mais de uma semana, desde o dia em que saiu andando feito um louco pela rua e sem atender o celular.

O barista suprimiu um bocejo e deu um bom dia nada caloroso ao cliente.

— Não vai nem me olhar no rosto, André? — assim que reconheceu a voz, ergueu sua cabeça, arregalando um pouco os olhos.

— Antônio! Caralho! — surpresa e alívio tomando conta de si — Seu puto, quase chamei a polícia naquele dia, quando saiu que nem um louco, andando por aí.

— Tinha ido parar num parque — riu —, e me encontrei com uma conhecida lá. Foi bem estranho.

— É só isso que tem para me dizer? Você some, não aparece mais aqui, nem no Subway, não atende minhas ligações, ou responde minhas mensagens. Caramba, só não fui parar no seu trabalho porque não sei onde é o prédio.

— Duas quadras daqui, para ser mais exato.

— Dá pra parar com isso?! — André finalmente externou sua indignação.

— Hum… Você tem um tempinho? Vim bem cedo justamente para podermos conversar.

— Posso — bufou tirando o avental preto que usava e largando-o na bancada. Saiu juntamente com Antônio, pelos fundos, e pararam num beco deserto.

— O que quer? — perguntou mal-humorado. A preocupação e cansaço se transfiguraram em raiva.

— Eu gosto de você — respondeu, simplesmente, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Han? — agora a raiva virou dúvida. André se sentia como se tivesse múltiplas personalidades. Como um cara qualquer tinha esse “poder” de deixá-lo tão esquisito?

— Eu. Gosto. De. Você — falou pausadamente, com um quê de ironia em seu tom.

— Eu… Não sei o que dizer?

— Estou interessado em você — suspirou, Toni, ligeiramente impaciente.

— E por que sumiu?

— Porque eu precisava processar.

— Processar o quê? — as dúvidas de André só aumentavam.

— Que eu gosto de você, mas não sinto vontade de transar com você, e talvez isso seja um problema pra você — ultra direto. André até se engasgou com a sinceridade.

— O quê? Oi? — não tinha o que dizer naquela situação.

Antônio revirou os olhos e sem muita ideia do que fazer, aproximou-se do outro homem, aproveitando a parede que se encontrava convenientemente atrás dele e o prendeu contra ela. André estava além de perplexo, e os dois permaneciam um encarando o outro. Então, o analista tomou coragem e aproximou seus lábios dos de André, e selou o pequeno espaço que existia, e em seguida, se afastou. No entanto, no que se afastou, logo mãos firmes puxavam-no novamente para frente, e aquele selinho casto se transformou em outro e em outro, até evoluir para um beijo quase adolescente.

Era uma sensação esquisita para Antônio. Não pensou que fosse gostar de beijar alguém de novo. Claro, depois de cinco sessões consecutivas com Layla, Antônio viu que não precisaria privar seu afeto em detrimento de sua falta de desejo sexual. Demoraria algum tempo também, para que ele pudesse entender mais sobre si mesmo e saber os próprios limites sobre o que gosta ou não de fazer.

Quando julgou o suficiente, se afastou de André, e o encarou um tanto sem graça.

Um silêncio se fez entre os dois.

— Então você gosta de mim? — André se manifestou, com ar brincalhão, e os dois riram juntos.

— É, gosto — falou ao terminar de rir.

— Mas… Não gosta de…

— Não — completou antes mesmo que o outro terminasse a insinuação um tanto constrangedora.

— É algum trauma ou…

— Não, nada do tipo. Só… Não sinto a vontade, entende? — enfiou as mãos nos bolsos, sem ter muito o que dizer.

— Sabe, para um cara fechado você consegue ser direto até demais — suspirou. Reconheceu que aquela era uma situação inusitada.

— Sim… Tenho que trabalhar isso — revirou os olhos.

— E beijar, gosta?

— Hum… Sim, não é algo necessariamente sexual. Mas também sou um cara de conversar ou andar de mãos dadas…. Acho.

Os dois se encararam por mais um tempo, em uma situação bastante esquisita.

— E você acha que nunca iria conseguir transar? — André externou, com sinceridade, sua preocupação.

— Não sei, André. Não prometo nada, mas a resposta provavelmente é não.

Mais silêncio.

— Eu também gosto de você — o barista enfim se pronunciou, com um sorriso alegre. Antônio, antes cabisbaixo, se iluminou com um sorriso. Entrelaçaram os dedos.

— E acha que isso poderia dar certo? — Antônio perguntou encarando para as mãos juntas e depois para os olhos de André.

Antes mesmo de responder, André se aproximou, o analista imaginou algum outro beijo, e se preparou para o ato, mas surpreendeu-se com um beijo carinhoso em sua bochecha.

— Eu acho que sim — sorriu.

Antônio também sorriu, e os dois deram mais um selinho. Entraram então de mãos dadas de volta para o café, onde já havia se formado uma fila com dois clientes, visivelmente sonolentos. Riram juntos e André foi para seu lado da bancada, enquanto Antônio se sentou no mesmo lugar de sempre. Se encararam durante todo o atendimento, com olhares bobos e sorrisos inocentes.

“Quem sabe isso não dá certo?”, pensaram silenciosa simultaneamente, enquanto dividiam uma porção de mini-pães de queijo.


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Notas finais do capítulo

Hey, espero que tenha gostado da história (você que leu, rs').

Eis aqui alguns breves esclarecimentos, caso tenha ficado confuso na história: Sim, Antônio é um assexual birromântico, ou seja, ele pode se apaixonar tanto por homens quanto por mulheres, mas não sente atração sexual pelos mesmos. Se eu fui, em algum momento, preconceituosa, ou estabeleci qualquer esteriótipo, por favor, me desculpem, não foi em nenhum momento, minha intenção.

Espero do fundo do meu coração ter conseguido criar uma história legal, que fuja, ainda que bem pouco, dos romances que sempre vemos por aí. Não que todos os assexuais sejam necessariamente fechados (até porque seria ridículo dizer isso), mas quis trazer esse defeito no Antônio, como resultado de toda a pressão que sofreu desde jovem para atender as expectativas previamente impostas pela sociedade a ele. Ele se tornou um homem fechado por não saber lidar devidamente com a pressão social que sofrera, e principalmente, por nunca ter tido qualquer apoio para poder se abrir devidamente. E por ser fechado, mais problemas vieram em sua vida.

A história basicamente tinha o intuito de girar em torno disso. Espero ter atingido meu objetivo e se gostou ou não, deixe um comentário ^-^ Críticas construtivas são sempre bem-vindas. Agora vou indo, hehe. Já falei demais.