O que não fazer em um domingo a tarde escrita por Lucie


Capítulo 1
Capítulo Único




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Uma vez ao ano você tem que limpar o porão.

Você não gosta, claro. Quem gostaria? Mas sua mãe manda, e a maior parte das coisas lá são suas. Então você não tem muita escolha, mas tenta ver pelo lado bom: é só uma vez ao ano.

As baixas desse ano foram:

A) Seus patins;

B) A televisão velha que ficava no seu quarto (aquela que você trocou quando seu pai comprou uma nova para a sala, e você ficou com a antiga, sim, aquela mesma);

C) Seus cadernos da escola, que você acabou esquecendo de jogar fora, levar para o porão lhe pareceu mais fácil;

E algumas outras tralhas sobre as quais você não quer comentar.

Mas uma coisa que você QUER comentar é a caixa que você encontrou no meio da limpeza. Nada fora do normal. Caixa de sapatos com souvenir das viagens que sua família fazia nos verões. Tem chaveiros, globos de neve, cartões postais, a coisa toda.

Entretanto, embaixo dos cartões havia uma fita.

Tipo.

Fita.

Cassete.

Parecia ter acabado de sair da caixa e, convenhamos, é 2015. Não deveria estar assim.

Você levou a fita para cima para mostrar para os seus pais. Sua mãe lhe garantiu que tinham jogado todas as fitas no lixo e passado para DVD ou para o computador. Seu pai não estava em casa.

Então, você decidiu assistir à fita. Estava numa caixa que todos tinham acesso, o que poderia ser? Pornô do seu pai?

...

Você prefere não pensar nisso.

Você pegou a televisão velha e o tocador de fitas que estava enfiado em uma prateleira empoeirada (você não estava brincando quando disse que ela era velha). Arrumou os fios e cabos e todo o resto. Você queria assistir à fita.

A primeira imagem que aparece é uma garota. Não mais velha que você, ou mais bonita que qualquer outra que já tenha visto. Ela estava respirando fundo, se preparando e quando você se sentou, ela começou a falar:

“Tudo bem. Vai ser um pouco difícil para mim, já que é a primeira vez que comento essa história para alguém, mas eu posso jurar que é verdade.”

Ela mexia nos dedos e olhava para os lados, como se fizesse o vídeo escondida. Você não ligou para isso.

“Tudo começou com a minha mãe e eu. A gente sempre faz essas viagens de carro pelo país, faltam tipo... 4 estados para a gente visitar. Esse ano, fomos para” o video chiou por bons segundos, “fantástico. Mas na hora de voltar, a gente se desviou um pouco do caminho. Paramos numa estrada meio abandonada. Sem iluminação ou bom asfalto... Eu disse pra gente dar meia volta mas minha mãe decidiu esperar chegar a uma placa, para ver se conseguíamos voltar de lá.”

Ela parou. Respirou fundo e passou a mão nos olhos. Ela estava chorando?

“Enquanto seguíamos, a gente achou uma cida---Não, não cidade, estava mais para uma vila, a estrada não ia até lá, mas tinha um caminho de terra que a gente poderia pegar. O que minha mãe faz?"

Pega o caminho de terra, você responde em sua cabeça.

"É, isso mesmo."

Você... Hum.... Preferiu pensar que foi uma coincidência???

Decidiu que era melhor deixar a menina continuar.

“Tudo tranquilo até aí. Chegamos à cidade e- wow ela parecia um cenário abandonado de filme, eu não sei. Havia várias lojas e casas na rua, mas não vimos ninguém” Ela coçou a cabeça e olhou para a janela, retangular e pequena. Um pouco familiar. “Minha mãe estacionou o carro e saiu, sem falar uma palavra. Nem desligar o carro ela fez! Eu estava com medo, claro, mas não ia deixar minha mãe andando por aí sozinha.”

Exaltou-se um pouco, então parou novamente e respirou fundo.

“Quando eu tranquei o carro, ela já estava longe de vista, então comecei a procurá-la. Rodei a cidade inteira atrás dela, aí eu decidi entrar nas lojas. Parecia uma farmácia ou algo parecido. Fui andando pelas prateleiras e tinha animais mortos, cães de rua e ratos por todo o lugar. Todos de olhos bem abertos, e esses refletiam bem a luz, como os de gato. De repente—BAM!” Você deu um pulo com o grito “Eu estava no chão, e minha visão escureceu. Senti alguém segurando a minha perna e me arrastando, eu acho. Lembro de abrir os olhos por um segundo e estar tudo escuro, só com duas bolas brilhando, como os animais. E me diziam... Como era mesmo? 'Deixe a luz entrar'. De novo e de novo"

Você sentiu algo em sua perna. Deixando o susto de lado e a parte de você que morreu por dentro de lado, você olhou para baixo e suspirou, aliviado. Lince adorava pegar as horas mas inconvenientes para pedir carinho. Você a colocou no colo e olhou para a garota.

"A pessoa que me arrastava olhava de vez em quando, com os olhos brilhando. E eu fingia estar desacordada toda vez. Da última vez, eu estava de volta no carro, sentada no banco do passageiro, e minha mãe... POR DEUS, MINHA MÃE!"

Ela enterrou a cara nas mãos, balbuciando alguma coisa que você não conseguia entender bem, então decidiu levar Lince para fora, fazendo questão de fechar a porta quando ela saiu. A garota já falava bem, então voltou a olhá-la.

Ela olhava de volta, com os olhos ainda chorosos.

"... e a esse ponto você nem devem mais estar prestando atenção. Mas tudo bem... Tudo bem que tenha levantado para se livrar do maldito gato. Tudo bem."

Ela passou a mão pelo rosto. Alguma coisa quebrou a janela atrás dela, mas o barulho não estava lá, nem ela pareceu se abalar.

O barulho apareceu atrás de você, na sua janela. Virou-se apenas para ver o vidro que estava espalhado pelo chão.

"Você vai prestar atenção, agora."

Você ousou olhar de volta, e agora, ao invés da moça de antes, havia... Nada. A tela ficou em branco, como se a fita tivesse acabado, mas você conseguia ouvir o cenário. Passos, a porta abrindo e se fechando. Você manteve o olhar fixo na televisão.

E nesse momento eles te pegaram.

Duas mãos no seu pescoço e no segundo seguinte você estava no chão, com alguém em cima de você. Não prestou atenção, mas conseguia ver os olhos brilhantes te encarando. Você bateu as pernas e tentou fazer que lhe soltasse, mas foi em vão. Logo tudo ficou escuro, excerto pelos olhos que se mantiveram na sua visão.

Você acordou no seu quarto.

Era noite e você estava no chão. Havia caído durante o sono?

Você bocejou, mas ao coçar os olhos, sentiu a mãos presas, amarradas às costas.

– Ei, você - A voz lhe era familiar no corredor, e falava com o mesmo tom do início do vídeo.

Você se apressou e olhou ao redor, escolhendo se esconder no armário.

– Você não terminou de ouvir minha história. Como posso avisar sobre eles?

Você se escondeu mais ao fundo, atrás dos casacos, enquanto tentava se livrar das amarras.

– Sua mãe já sabe. Ouviu toda a minha história. Assegurou que você faria o mesmo. Terei que chamá-la?

Silêncio.

– Tudo bem. Estou indo.

Você ouviu um suspiro.

Suas mãos ficaram livres, mas você não ousou sair. Você não sabe bem quanto tempo ficou naquele armário. Poderiam ter se passado semanas desde que a garota apareceu na sua casa.

– Onde você está? – Ouviu sua mãe chegando, mas você não confiaria – Vamos, tenho que saber se está bem? Ela lhe fez alguma coisa?

Você ficou em silêncio, não iria responder.

– Por favor, filho. Me responda.

– Estou aqui. – Você decidiu confiar.

Ela abriu o armário e a luz tomou conta de tudo o que havia. Você ficou cego por um momento, e apertou os olhos para a claridade ir embora.

– Não os feche, filho – Sua mãe o tomou pela mão, que ainda doía pela amarra – Deixe a luz entrar.

Fez como ela pediu, mas só viu dois orbes encarando você de volta.

– Deixe a luz entrar.

Um grito escapou de você. E assim a luz entrou.

Você acordou no chão. Alguns metros abaixo, para ser exato. Estava em um porão que claramente não era o seu, com roupas que claramente não eram suas. E na sua frente havia uma câmera.

Você sabe o que fazer.

Respirou fundo e começou a gravar.

Tudo bem. Vai ser um pouco difícil para mim, já que é a primeira vez que comento essa história para alguém, mas eu posso jurar que é verdade.

Os filmes explicam as merdas que acontecem com as vítimas e porque acontecem, os diretores são bonzinhos. Há flashbacks e livros empoeirados que deixam tudo claro.

Isso não é um filme.


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Notas finais do capítulo

Isso na verdade é uma história antiga. De 2010 ou... alguma coisa? Eu achei no meu caderno do ensino fundamental e mudei algumas coisas, então deu nisso aí.

Deve ter sido um sonho que o eu de 14 anos teve idk, história sem noção. :v



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