De um continente ao outro escrita por Whae


Capítulo 1
A ausência




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A ausência – Capítulo 1

Na era glacial de Dudtra, o grande continente, quatro meses atrás, nove seres invadiram o vilarejo onde moro e levaram consigo todo o estoque da rara erva que cultivamos em nossa vila , a Vila dos Fósforos, nomeada assim pela frequência de incêndios que acontecem no centro dela, sendo mais específico na rua Dornelles da Santa, que foi batizada assim em homenagem à governanta da vila (sinceramente, não gosto muito dela). Os tais seres foram caracterizados, pelas poucas pessoas que os viram, como homens vestidos com longos roupões beges que acolhiam algumas manchas douradas. Três semanas depois do furto, uma idosa também informou que eles utilizavam máscaras horripilantes, porém eram diferentes uma das outras.

Nosso Vilarejo, desde os tempos que Átlas ainda carregava a Terra sobre as costas, sempre se alimentou dos pães de Srivaio, o homem mais velho de Dudtra, minha avó disse que meu trisavô, por parte de mãe, comprava os pães dele. Voltando ao assunto, o velho padeiro, como é conhecido, nutre o vilarejo com seus pães desde os primeiros dez anos da Vila dos Fósforos, toda a vila estava presa àquela alimentação, comiam pães no café da manhã, no almoço, no lanche da tarde, na janta, sempre. Os pães de Srivaio não eram como os outros que eram distribuídos nas padarias dos arredores do vilarejo (estas foram fechadas mais tarde), tinham algo de especial, era salgado no começo e doce no final, era algo impressionante, servia como prato principal e sobremesa, pode parecer meio idiota dizer que um pão era algo tão incrível assim, mas acredite, era.

Depois de exatos cem anos que o pão do velho padeiro foi tocado pelos primeiros dentes humanos, foi revelado que sim, o pão tinha algo dentro dele que o diferenciava dos outros, minha avó me disse que quando Srivaio anunciou isso para a população, todos pensaram que o alimento fora envenenado ou algo do tipo. O velho logo contou que não era nada disso, o segredo era que ele adicionava um pouco de erva dentro do pão, mas não era qualquer tipo de erva, era Quidaza, a rara erva que Eliza jogou do alto do morro (longa história) , o velho disse que havia a achado no fundo dos Mares Volumosos durante suas viagens anuais, e teve a ideia de colocar em seus pães, que não faziam sucesso na época. Logo depois disso, começou a cultivar a erva no quintal de sua casa, os pães ficaram tão famosos que Srivaio teve que exportar os próprios para todos os quatro continentes.

Há quatro meses atrás, todo o estoque de Quidaza foi roubado pelos nove ladrões, causando como consequência a impossibilidade da fabricação dos pães. A civilização sobreviveu três meses e meio com os que restavam, até tentaram consumir frutas, verduras, mas não conseguiram. Um minuto depois do último pedaço de pão descer pela goela de algum indivíduo, a civilização enlouqueceu. A governanta Dornelles da Santa, também enlouquecida, mandou soldados investigarem toda a casa de Srivaio, ela não conseguia acreditar que toda erva tinha sido roubada. Escavaram o quintal do velho padeiro, seu jardim, até embaixo de sua casa, arrancaram os azulejos do chão da cozinha e começaram a procurar, não encontraram nada. A população do vilarejo ficou tão desesperada que exigiram de volta os pães que tinham exportado para todos os quatro continentes, mas os governos dos demais não permitiram. Depois de algum tempo, todos os pães de Srivaio foram extintos do mundo.

Depois que a governanta aceitou que toda a erva tinha sido roubada da Vila dos Fósforos, ela se trancou por exata uma semana e seis dias em sua casa, alguns diziam que ela tinha desistido do cargo, outros que ela estava se preparando para o suicídio, também haviam boatos que ela tinha milhões de pães escondidos na sua casa, por isso estava presa lá, se enchendo deles enquanto a população morria de fome, confesso que na época eu acreditei nesse boato. Depois de uma semana e seis dias, numa manhã muito quente (já fazia quatro meses que estávamos na era ardente), foram vistas tropas armadas saindo da vila e indo em direção aos Mares Volumosos, muitos não sabiam o que estava acontecendo, mas eu sabia, Dornelles da Santa não tinha desistido, ela havia mandado soldados para os mares com o objetivo de achar mais erva. Pouco atrás das tropas, podíamos ver Srivaio, andando lentamente, com um enorme cachecol no pescoço e uma pequena mochila nas costas, provavelmente fora mandado junto para ajudá-los a encontrar o lugar que havia achado a erva na última vez, afinal era o único que sabia onde ela se localizava. O único problema era que os Mares Volumosos se encontravam no meio de Taiafin, o médio continente, que ficava muito longe da Vila dos Fósforos, que por sua vez se localizava no meio de Dudtra. A viagem seria longa, com a lerdeza do velho ficaria mais longa ainda.

No passado, já que todo o vilarejo se alimentava apenas de pão e de água em tudo que é refeição, a governanta decidiu afastar todos os animais de perto da vila (exceto as ovelhas, que forneciam lã para a fabricação das roupas), os expulsando para as Montanhas Costeiras, onde poderiam encontrar água e muita grama para comer, afinal o governo não precisava ficar se preocupando com as necessidades dos animais espalhadas pela vila. A consequência disto só foi chegar mais tarde, já que o governo não conseguiu achar cavalos para os soldados, os próprios tiveram que começar a busca pela erva a pé, tornando mais longa ainda a viagem. De acordo com a governanta, a jornada levaria um pouco menos três meses, que era o mesmo tempo que a civilização deveria aguentar ficar sem comida. Dornelles da Santa aconselhou a população a comer qualquer alimento que tivesse proteína enquanto a missão era trilhada, para assim todos sobreviverem até o final e finalmente voltarem a ver todos os dias os pães de Srivaio, iluminados pelo sol quente da manhã, aconchegados em suas mesas da cozinha.


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