Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 87
Capítulo 87


Notas iniciais do capítulo

Feliz 2017!



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Observo o vinho ser posto da taça enquanto olho admirada para a coroa exposta sobre a mesa. Não estou no deserto, muito menos no Egito. Tenho a certeza de que estou em outro lugar, o ambiente é calmo assim como o clima. Uri me surpreende com alguma espécie de mágica. Por mais que ele ponha vinho na taça, mais seca ela fica. Para onde estaria indo tanto vinho? Ou melhor, todo o vinho.

—Ela é linda, não é? —Uri pergunta até caminhar para a janela. —Lyanna.

—Você me disse o nome de nossa irmã, mas eu nem sequer sabia que era uma menina. —Falo. —Assim como Seti me mostrou o dia em que minha mãe nasceu.

—Há uma ligação nossa com você. —Uri fala enquanto olho para minha taça. —A ligação entre vocês é genuína. —Meu irmão explica.

—Ele disse que só teria paz quando...

—Eu sei. —Uri me interrompe. —Assim como eu só terei paz quando você estiver a salvo.

—Porque meu pai não faz o mesmo? —Pergunto curiosa. —Digo, Seti me mostrou a melhor lembrança dele. O dia em que minha mãe nasceu. —Falo. —Porque não tenho a mesma ligação com meu pai?

—Eu não sei. —Uri responde vagamente. —Talvez a alma dele tenha descansado em paz, e não tenha nenhum remorso. Seti tem o seu remorso por Henutmire e eu...


—Comigo? —Indago.

—Eu deveria ter ouvido você naquela noite, Anippe. Todas as vezes que ouvi você, eu seguia o caminho certo. —Uri fala magoado. —Mas eu não sabia que...

—Eu sei. —O interrompo bruscamente. —Eu entendo. —Falo para amenizar a dor que vem dele. —Não sabe como é estranho estar com você agora. Aqui, sabendo que você está morto e eu viva.

—Sabe mesmo porque sempre apareço nos seus sonhos? —Uri pergunta e eu nego. —Porque já uma força maior que você mesma, que faz com que nossas almas se encontrem.

—Não é forte o bastante para que eu sonhei com meu pai. —Falo desapontada. —Acho que não mereço vê-lo.

—Talvez ele esteja apenas em paz , como já disse. Talvez ele tenha ido sem dor, sem mágoa, com a certeza de que tudo poderia ficar bem. —Uri fala enquanto segura a minha mão. —Os sonhos são o gatilho dos nossos desejos, Anippe. Mas em outros momentos eles servem para que almas se encontrem.

—E porque você me quer aqui? —Indago curiosa. —Onde estamos, Uri.

—Núbia. —Uri fala e então segura a minha mão com mais firmeza. —Venha, quero que veja uma pessoa.

—Quem? —Indago assim que chegamos no harém.

—Sabe quem é? —Uri indaga ao me mostrar uma menina em meio ao harém e um menino ao seu lado.

—Eu e Djoser? —Pergunto com uma certa dúvida já que o menino tem fios loiros. —Não. Isso de fato aconteceu? —Indago.

—Sabe quem é aquela? —Uri me responde com outra pergunta. —Tuya.

—Eles foram para a Núbia? —Pergunto ao ver Seti se aproximar das duas crianças, mas logo sair ao lado de Tuya do harém. —É a minha mãe. —Falo ao reconhecer o olhar da menina. —Henutmire? —Chamo-a e então ela me olha. —Sabe quem eu sou? —Pergunto e ela nega. Então pego a menina em meus braços e vejo Uri sorrir. —Kamés? —Chamo o menino, mas ele nega.

—Gab. —O menino fala docemente me surpreendendo. Quer dizer que minha mãe e Gab haviam se encontrado antes? Ainda na infância?


—Vamos, Anippe. —Uri pede enquanto choro por ter a miragem da minha mãe ainda criança. Olho para Gab e vejo o quanto parecidos eles são.

—Você é tão linda... —Falo ao olhar para a menina em meus braços. —Pode me abraçar?

—Sim. —Henutmire concorda e então me abraça fortemente como toda criança faz.

Acordo em prantos ao ver que no meu sonho Uri me mostrou que Gab e minha mãe já haviam se conhecido. Mas eu choro ainda mais por ter visto minha mãe ainda criança e tão doce nesse sonho. Agora eu vejo porque minha mãe e Gab mantém uma relação de amor e ódio. Eles foram irmãos uma vez quando crianças, sem nem mesmo saberem. Vê-los juntos, brincando como eu fazia com Djoser, me fez pensar em como seriam felizes se tivessem crescido juntos como deveriam. Mas a vida, ou pior, Tuya foi capaz de destruir a vida de Gab.

—Meu Deus, eu sei que alguma coisa o senhor reserva para mim. —Falo enquanto ergo minhas mãos para o alto. —Mas esses sonhos e miragens que venho tendo com meu irmão e meu avô estão me fazendo ver somente a vida de minha mãe. —Falo angustiada. —Se realmente está me dando o dom de me encontrar espiritualmente com eles, faça me encontrar com meu pai... —Peço enquanto choro durante a noite.

(...)

—Então você precisa passar a linha por debaixo das outras... —Joquebede fala enquanto me ensina a tecer. —Anippe?

—Anippe! —Miriã chama a minha atenção enquanto estou pensando.

—Eu não prestei atenção. —Falo e então as duas se olham preocupadas. —Me perdoem. Não dormi bem essa noite. —Falo e então me levanto, mas logo sinto tudo em minha volta girar bruscamente. Por sorte, Miriã e Joquebede me seguram.

Sinto meu coração bater forte enquanto me sento novamente com a ajuda das duas mulheres. O que está acontecendo comigo? Nunca fui de me sentir tão mal como acabo de me sentir.

—Ela está pálida. —Miriã fala preocupada enquanto isso respiro fundo.

—Tudo girou muito rápido e meu coração começou a bater forte. —Falo e então levo a mão até meu peito. —Nunca senti isso antes...

—Calma, Anippe. Respire fundo. —Joquebede pede e assim faço. —Deve ser o calor.

—Beba um pouco de água. —Miriã oferece e então aceito. —Com calma... —Ela pede, mas é importante fazer isso.

—Ainda está acelerado. —Falo sobre o meu coração. —Parece que vai sair pela boca. —Falo e então acabo assustando as duas.

—Venha, Anippe. Vamos lá para fora para você tomar um ar. —Miriã fala e então me ajuda a ficar de pé. Ando devagar até sair da tenda, mas sinto meu corpo pesar.

—O que foi? —Arão pergunta preocupado ao me ver com Miriã e Joquebede.

—Ela se sentiu mal. —Joquebede fala.

—Ela deveria estar deitada. —Arão fala ao ver que estou fraca.

—Elas pensaram que melhor me trazer aqui para fora para tomar um pouco de ar. —Falo enquanto tento me manter de pé sem a ajuda de Miriã.

—Pensaram errado. —Arão fala seriamente e então ele me pega em seu colo. Tento me ajustar em seus braços, posso ver o olhar indiscreto de Miriã, assim como o olhar orgulhoso de Joquebede por ver qur seu filho se preocupa comigo. —É melhor você deitar. —Ele fala e então entra na tenda comigo em seus braços.

—Eu vou preparar algo para ela beber. —Miriã fala ainda olhando estranho para mim e Arão.

—Venha, eu te ajudo. —Joquebede fala e então prepara a cama para mim. Com calma, Arão me põe em minha cama e então se senta ao meu lado.

—O que é isso? —Pergunto ao ver que Joquebede coloca um pano úmido em minha testa.

—É para te refrescar um pouco. —A mulher fala e então entrega para que eu mesma faça isso. —A água está ao seu lado. Eu preciso ver onde Zípora está. —Joquebede fala antes de sair.

—Está com falta de ar? —Arão pergunta ao ver que respiro com dificuldades.

—Também tive isso na primeira praga. —Falo. —Acho que deve ser por falta de água. —Falo. Arão então pega o pano de minha mão e o põe de molho, mas logo o torce com suas mãos e põe em meu pescoço.

Flash Back On

—Eu preciso de água ou então vou morrer. —Falo enquanto bebo vinho. —Mas morrer bêbada me parece algo aceitável. —Falo já sentindo que o álcool afeta minha lucidez.

Deito meu corpo cansado na cama. Cansado pela sede e pelo vinho. Mal consigo ouvir minha voz, assim como consigo ouvir minha própria respiração pesada. Meu coração bater tão forte, tão forte que chego a pensar que irá sair pela minha boca. Dói como se agulhas penetrassem minha pele e facas cortassem meu peito. Minha garganta queima como fogo, com isso bebo mais vinho.

—O melhor que eu posso fazer é dormir. —Falo enquanto me deixo levar pelo sono.

Flash Back Off

—Se sente melhor? —Arão pergunta e então afirmo. —Você precisa se cuidar. Você não é mais uma menina.

—Disso eu sei. —Falo. —Obrigada.

—Porque me agradece? —Arão pergunta e segura a minha mão. Tento me levantar, mas é Arão quem me ajuda a sentar na cama. —Bem melhor. —Ele fala risonho enquanto sinto seus braços em minha cintura.

Acabo me aproximando de Arão. Acabo me aproximando mais do que deveria me aproximar. Olho bem no fundo dos seus olhos. Sempre gostei de fazer isso com as pessoas. Mas com Arão é diferente, me sinto um pouco incomodada e intimidada. Vejo seu rosto se aproximar do meu com cautela como se pedisse minha permissão, algo que acabo permitindo. Olho para seus lábios, mas em seguida para seus olhos. Até que então sinto seus lábios deslizarem nos meus e um beijo ser consumado. Acabo não me dando conta de nada, nem mesmo da insanidade que estou fazendo na tenda de Joquebede. —Sinto seu corpo deslizar sobre o meu na cama, todavia não vejo pudor algum nele. —Ponho minha mão em seu ombro me apoiando, sabendo que não sei ao certo o que está acontecendo entre nós. Sinto seus lábios em meu pescoço me fazendo arrepiar, mas logo me assusto ao entender o que Arão deseja. Ele é um viúvo, mas nem por isso devemos estar fazendo isso aqui. Sigo agarrada ao corpo de Arão enquanto nos beijamos. Suas mãos seguram meu rosto e logo nos olhamos ofegantes. Permaneço trêmula ao sentir as carícias de Arão, seus lábios novamente se unem aos meus e então me deixo levar pelo meu desejo. Não estou me reconhecendo, não sei o que estou fazendo. Logo imagino o que acontecerá com nós dois nesta cama, por isso me recuso de imediato.

—Não! —Nego ao empurrar Arão. Ele então se dá conta do que fez por me ver tão nervosa. Me recomponho e ajusto minhas vestes assim como meu cabelo. Tento regular minha respiração, mas parece que Arão roubou todo o meu controle. —O que pensa que sou? O que te deu na cabeça? —Pergunto ofegante.

—Eu não deveria ter feito isso com você. —Arão fala vendo o quanto me desrespeitou. —Anippe, me perdoe. Isso que fiz agora foi...

—Um absurdo. —Falo alterada. Mas não nego que gostei de estar nos braços de Arão. Todavia eu sei que é errado. Mas o errado as vezes é algo tentador. —Eu não vou falar disso para ninguém. —Falo. —Mas Deus sabe.

—Me perdoe, Anippe. —Arão pede ao se aproximar, mas eu me afasto. —Você ainda é uma menina... —Ele fala ao se aproximar novamente, mas novamente me afasto. Sinto meu coração bater tão forte... É uma sensação estranha. Meu rosto queima de tanta vergonha, assim como um peso em meu coração.

—Sai daqui, por favor. —Peço ainda assustada. —Eu nunca fui tocada assim, Arão. Sai daqui por favor! —Peço. —Eu não vou falar isso para ninguém, mas me prometa que nunca mais vai fazer isso. —Peço amedrontada e então Arão dá passos para trás. —Saia logo, por favor... —Peço mais uma vez e então ele sai do quarto.

Me deito em minha cama novamente, mas desta vez sozinha. Tento me acalmar, mas ao lembrar do que acabou de acontecer, sorrio. Mesmo que eu esteja nervosa, eu

(...)

—Pare de me olhar assim. —Falo para Djoser enquanto estamos na mesma liteira. Mas logo os servos põe a liteira no chão.

—Venha. Me dê sua mão. —Djoser pede e assim faço. Logo vejo que muitas pessoas nos aguardavam em...

—Abul Simbel? —Indago estarrecida ao ver as obras.

Entro sozinha no sarcófago destinado à minha mãe. O mesmo sarcófago em que o pai de Zion morreu escravizado. Naquela época era comum que sarcófagos fossem feitos antes mesmo de uma pessoa completar seus sessentas anos. Todavia eu nunca entrei em nenhum. Por acaso estou no vale das rainhas?

—Sim, aqui é o vale das rainhas. Onde todas as rainhas e princesas do Egito são sepultadas. —Uri me surpreende ao aparecer.

—O que tem para me mostrar desta vez? —Indago ao dar minha mão para ele. —Esse é o sarcófago da minha mãe. —Falo. —Aqui não tem cheiro de... Morte. —Falo fazendo Uri sorrir de canto.

—Dessa vez eu não vou te mostrar o que aconteceu. —Uri fala enquanto andamos juntos. —Vou te mostrar o que tanto deseja ver. —Ele fala e então posso ver meu pai morto sobre uma lápide bem no centro do sarcófago.

—Eu o queria vivo. —Falo ao sentir meus olhos escorrerem lágrimas. —Não posso me despedir dele.

—Você deve. —Uri fala ao me deixar sozinha. Eu então caminho lentamente, desço os degraus do templo. Esse é o sarcófago da minha mãe, onde meu pai foi sepultado.

—Eu não sei o que fazer. —Falo ao me aproximar do corpo do meu pai. Não estou com medo porque estou perto de um morto. Estou com medo porque meu pai está morto em minha frente. —O que eu posso fazer diante disso? —Indago assustada por não saber bem como agir. —Eu não sei o que falar, pai. —Falo ao olhar para seu rosto.

—Eu também não. —Djoser fala ao entrar e vir até mim. —O que você sente? —Ele pergunta.

—Ver meu pai morto em minha frente não me faz sentir nada. —Falo olhando bem para o rosto do meu pai. Há algo estranho nele. —Ele te amava. —Falo olhando para as mãos de meu pai enquanto Djoser está ao meu lado.

—Ele amava toda a família. —Djoser fala distante, ou melhor, com seu pensamento distante. Eu então vou até o meu pai e beijo o topo da sua cabeça demorando um pouco para que o sonho demore.

—Eu não sinto nada. —Falo e então olho para Djoser. —Minha alma não sente nada vendo o que quer.

Anippe, acorde. —Ouço Miriã me chamar. Acabo acordando assustada e então me deparo com a mulher ao meu lado. —Vim e trouxe seu jantar.

—Não precisava se incomodar. —Falo e então me sento na cama. —Já é tão tarde...

—Você dormiu o dia inteiro. —Miriã fala. —Não vai conseguir dormir mais.

—Tem razão. —Falo. Todas as vezes que minha alma se comunica com Uri, eu perco a noção do tempo quando acordo desse transe, sonho ou seja lá como isso se chama. Mas desta vez eu me comuniquei com Djoser. Era ele sim! Mas mesmo vendo o que tanto desejo ver, não senti nada ao ver meu pai morto. —Miriã, acha que podemos nos comunicar com os mortos?

—Que bobagem é essa? —Miriã pergunta e então me envolvo no lençol. —Teve um sonho ruim?

—Vi meu pai morto. —Minhas palavras assustam Miriã. —Mas o pior de tudo não foi isso.

—E o que foi? —Miriã pergunta enquanto me entrega a tigela com a minha refeição.

—Eu beijei seu rosto, mas não senti nada ao vê-lo morto bem em minha frente. —Minhas palavras assustam Miriã. —Eu sei, é como se eu não me importasse com ele.

—Você está nervosa, Anippe. —Miriã fala e então começo a me alimentar. —Mais cedo ou mais tarde vai entender que ele morreu. Eu também não acreditei quando meu pai se fingiu de morto por anos.

—Mas o meu pai não vai voltar como o seu voltou. —Falo magoada. —Se meu pai pudesse voltar, eu o abraçaria até o dia acabar. E se me restasse alguma força, abraçaria ele até o próximo dia raiar. Até meus braços caírem exaustos... 


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Notas finais do capítulo

Tadinha da Anippe :(



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