Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 117
Capítulo 117


Notas iniciais do capítulo

Hoje trago o penúltimo capítulo de Coração de Seda, com muito amor e lágrimas, me despeço aos poucos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/661291/chapter/117

A risada dela me fazia rir também, mesmo que eu não entendesse o motivo. Era como se nós duas estivéssemos lembrando de tudo, embora esse "tudo" eu já não me lembre mais. Seu sorriso era amarelo assim como os seus fios dourados. De longe não parecia ser quem um dia foi. Mas mesmo assim eu posso reconhecer a rainha dourada que está ao meu lado. Talento em sorrir não lhe faltava, por isso cativou tantos. Seu olhar voltou para mim e sorriu antes de se retirar acompanhada por suas damas, me fazendo olhar para o caminho lento que ela traçava.


—O que foi? —Hur pergunta ao me ver sentar na cama após acordar angustiada. —Perdeu o sono? —Pergunta mais uma vez se aproximando de mim.


—Sim. —Respondo enquanto ponho a mão em meu rosto e noto que estou com calor. —Pode dormir. —Falo ao ver Hur se levantar para me servir água. De fato estou sedenta, mas não queria que Hur levantasse para me servir.


—Você sonhou com ela. —Hur fala ao me ver tão nervosa. —Por isso acordou assustada.


—Ela estava diferente. —Falo. —Eu vi... —Não falo mais nada ao lembrar que minha filha está morta. —Não importa. —Falo enquanto Hur segura minhas mãos. Nos abraçamos carinhosamente enquanto penso em Ashira. Eu não faço a mínima ideia do que fazer com ela. A única coisa que sei é que o povo está lá fora pedindo uma rainha, mas não vão ter nenhuma. Anippe renunciou sua coroa antes de morrer, seu nome. Ashira não pode herdar nada, mesmo que eu quisesse, ela não sofreria esse fardo.


(...)

—Arão mandou notícias. —Djoser quebra o silêncio da sala do trono, um tanto receoso pela reação de Hur.


—O que ele disse? —Indago cautelosa.


—Que pretende assumir Ashira como sua filha. —Djoser responde. —Quer conhecer a filha o quanto antes.


—Arão vive vagando pelo deserto, não é prudente levar Ashira até ele agora. Talvez quando a menina ficar um pouco maior. —Hur sugere ao ver que estou nervosa. Mas ele mesmo mostra que está mais nervoso que eu.

—Ele disse que lamenta pela morte de Anippe. —Djoser revela. —Já estava tudo quase pronto para a cerimônia. —Minha filha se casaria pela segunda vez, agora com o verdadeiro pai de sua filha. No entanto, não irá mais. Seu possível casamento nunca irá acontecer. Nunca.

—Ele agora terá que se preparar para ser pai de Ashira. Ela é minha neta, ele não pode falhar. —Hur fala seriamente me deixando surpresa. A menina é nossa neta, mas Hur me assusta com seu modo de falar. —Mas se ele quiser abrir mão disso, estou disposto a criar e educar Ashira. —Fala esperançoso. —Afinal, ela é meu sangue.


—Ele foi claro que quer ser um pai presente. —Djoser fala. —Ashira é filha dele, pai.


—Eu sou avô dela. —Hur insiste. —Sou pai dela também.


—É pai da mãe dela. Ashira tem um pai, se não tivesse o senhor cuidaria dela. Em último caso eu também tenho esse direito. Mas Arão é pai de Ashira, não pode mudar isso. —Djoser rebate. —Ela vai crescer e depois vai viver com Arão. —Fala. Eu noto que Hur não gosta muito da idéia, mas é assim que deve ser.


—E além de perder Anippe, também perdemos Ashira. —Hur fala amargurado.

Perder Anippe foi um golpe muito duro para Hur. A única faisca de vida de nossa filha é Ashira. É como se agora ele tivesse que abrir mão de Anippe pela segunda vez. Eu posso estar errada mas sinto como se deixar minha nega ir embora disse como deixar Anippe morrer de uma vez por todas. Ou talvez tanto Hur quanto eu estejamos confundindo as coisas. Ashira não é Anippe. Ela morreu e Ashira está viva. Embora eu veja as duas como uma única pessoa.


(...)

Posso ver o quanto Hur está decepcionado por saber que Ashira terá que ir embora um dia. Mesmo eu não gostando da idéia, sei que é o melhor para minha neta viver com seu pai. Já basta crescer sabendo que sua mãe morreu jovem sem poder desfrutar de sua infância. Pensando nisso choro mais uma vez. Tantas coisas foram tiradas de Anippe no momento em que ela deixou de viver... A mais importante de todas foi não ver sua própria filha crescer.


—Leila, onde está Lyanna? —Pergunto.


—Eu não sei dizer. —Ela responde.


—Minha sogra... —Halima chama por mim com Amenophis em seus braços. —Djoser pediu para que a senhora volte para a sala do trono... —Fala nervosa. —A rainha de Moabe está no palácio.


—Elda? —Indago. E existe outra? Revirei os olhos ao imaginar o assunto de Elda. —O que ela quer?


—Ajuda. —Como sempre, penso. —O povo de Moisés ameaça passar por Moabe e Elda quer nossa ajuda.


—Eu não vou ficar contra o meu filho. —Falo.


—Mas ela tem uma proposta. —Halima fala. —E favorece a princesa Lyanna. —Fala me deixando intrigada.


(...)

Quando surgi na sala do trono acompanhanda por Halima e Leila, logo notei que Elda estava com Lyanna. Minha filha parece ser a única criança capaz de fazer Elda sorrir. A rainha de Moabe sorri para a minha filha como se ela fosse sua filha, apenas sua. Parece uma criança se deixando levar por Lyanna. Ao lado de Elda posso ver um homem alto de vestes negras olhando para Lyanna. Minha filha parece gostar dos dois, embora eu não goste nada do homem.


—Soberana. —Eu e Elda falamos ao mesmo tempo, o que faz Lyanna sorrir.


—O que trouxe você aqui? —Pergunto sem paciência ao ver Lyanna tão próxima de Elda. O homem ao lado de Elda faz uma breve reverência ao me ver.


—Sempre ouvi muito bem sobre a rainha do Egito, soberana. —Ele fala ainda com o olhar para o chão, com respeito.—Ainda mais sobre seus feitos. —Ressalta.

—Quem é você? —Indago curiosa.


—Me chamo Balaão. Ao seu dispor majestade. —Um sacerdote. A última vez que fiquei de frente para um sacerdote quase fiquei viúva.


—Vim lhe pedir ajuda. —Elda fala. —Sabe que não é fácil fazer isso. —Ela passou por cima de seu orgulho...


—Prossiga. —Ordeno.

—Seu filho Moisés está prestes a invadir meu reino. —A mulher vermelha fala. —Quero que interfira nisso. Como sabe, eu tenho muita afinidade por vossa família.


—Eu bem sei. —Falo enquanto vejo Djoser fazer contorcionismo para não rir. Algo me diz que Elda compartilhou do leito de Djoser.


—A soberana do Egito sairia ganhando. —Balaão fala. —Nunca perdendo.


—Fale sua proposta, Elda. —Djoser pede e então vejo receio nela.


—Se a rainha me ajudar com o líder dos hebreus, eu prometo que sua filha Lyanna se tornará Rainha de Moabe após a minha morte. —Elda revela. Logo retiro Lyanna de perto de Elda. Minha filha não é uma moeda de troca. Nenhuma delas foi!


—Não vou vender minha única filha. —Falo alterada. Já não me basta ver Anippe numa tumba, agora verei Lyanna aprisionada em um reino?


—Eu sei que está abalada pela morte de Anippe, Henutmire. Mas...


—Sem mas.—Interrompo Elda. —Dê meia volta para Moabe, soberana. Minha filha Lyanna não é uma moeda de troca.


—Soberana, eu insisto. —Balaão interfere.


—Não vou ajudar vocês. Não tem como ajudar Moabe. —Falo. —Mais cedo ou mais tarde Moisés vai passar por Moabe, Elda. —Falo deixando Elda nervosa. —Procure outro herdeiro. Minha filha não é como a cria de felinos ao qual você pode comprar quando bem quiser. Minha filha é uma leoa da tribo de Judá, não vai se submeter a isso, nem a você.


—Você sabe que eu tenho muito carinho por Lyanna. —Elda fala com a voz cortada. —Uma filha para mim. A que nunca tive. —Fala emocionada. Não sei se acredito nisso ou não. —Por favor, Henutmire... —Pede.


—Minha resposta é não, Elda. —Falo e então ela fecha os olhos. Seu nome será esquecido. —Sinto muito, mas não posso ajudar você. O Egito não pode ajudar Moabe.


—Mas...

—Anippe foi minha primeira filha, minha filha... —Falo. —Eu a amamentei mesmo que falassem que uma ama deveria fazer isso por mim mas eu não suportava a ideia de ver minha Anippe nos braços de outra mulher. —Pelo olhar de Elda, vejo que a rainha vermelha entendeu. —Penso o mesmo sobre Lyanna.

—Lyanna, meu anjo... —Elda fala e então fica na altura de Lyanna para olhar nos olhos da minha filha. —Eu sempre vou lembrar de você, até o último dia de minha vida. Eu não sou a pessoa mais adequada para dizer isso, mas eu amo você. Você é a filha que eu nunca tive e nunca vou ter. —Fala e então entrega uma espada média que estava com Balaão. —Você ainda é uma criança, mas já sabe o que quer. Nunca deixe que os outros digam quem você deve ser, seja àquilo que você quer agora e sempre. Lute como uma mulher, lute como uma rainha. Assim nunca será uma ovelha e nem irá precisar de pastor nenhum em sua vida.—Fala e então Lyanna sorri para a rainha de Moabe. Minha filha abraça a mulher com carinho. Não posso acreditar que a temível Elda gosta tanto de minha filha. —Vou levar esse abraço como um presente. —Fala e beija o rosto de Lyanna prolongadamente.


—Como a senhora é alta... —Lyanna fala fazendo Elda sorrir.


—Você também vai ser um dia. —Elda fala enquanto segura na mão de Lyanna. A rainha vermelha olha para mim pela última vez e segue em passos firmes acompanhada por Balaão.

Lyanna acena para Balaão, o que faz o homem sorrir e acenar também enquanto segue Elda. Logo olho para a espada nas mãos de Lyanna, ela não é tão pesada já que minha filha consegue segura-la.


—Você ainda é muito pequena para brincar com isso. —Djoser fala para Lyanna.

—E você não é tão grande para trazer Anippe de volta. —Lyanna fala inocente e sai correndo. Olho para Djoser e vejo que ele está nervoso com as palavras de Lyanna.


—Ela tem razão. —Djoser fala. —Eu falhei em muitas coisas. —Fala culpado. —Falhei com a senhora, com Anippe...

—De fato falhou. —Falo seriamente. —Mas pode concertar isso. —Falo para sua esperança. —Como rei você não está falhando. É severo em algumas leis, não deixa ninguém fazer nada que não deva fazer. A segurança do reino já não é tão falha. E você está punindo Amun todos os dias, Djoser.

—Mas eu quero fazer mais. —Fala. —Algo que me faça preencher esse vazio que tenho por ter matado Anippe.


—Em parte todos nós matamos sua irmã. —Falo. —Faça uma caridade ao povo em nome dela. —Aconselho. —Muitos a adoravam pela coragem que teve em ir para a guerra de Moabe contra Amun. Anippe pode não ser a rainha que foi profetizada, mas o povo amava-a.

—Farei isso. —Djoser fala pensativo. —E irei começar agora mesmo. —Fala me fazendo sorrir. Djoser então segura minhas mãos e olha para mim. —Um filho que machuca uma mãe não terá felicidade alguma no mundo. Se não sou um bom filho, nunca serei um bom pai e nem rei. —Fala me deixando surpresa. —Eu sei que fiz a senhora chorar muitas vezes. E hoje quero pedir seu perdão, mesmo que isso não apague o que aconteceu. Eu tirei Lyanna de seus braços, falei coisas que não deveria ter falado e acima de tudo fiz a senhora passar vergonha. —Djoser admite seus erros. —Não quero ser mais um que errou como um todo, quero ser um rei guiado por uma mulher que já tem experiência suficiente para me guiar. Detrás de um bom rei existe uma boa rainha. E eu quero que a senhora esteja comigo, detrás de meu ouvido me dizendo o que devo ou não fazer. —Fala me deixando emocionada. —Acha que pode me perdoar? —Pede enquanto lembro de meu pai. Mesmo sendo distintos, as vezes Djoser e meu pai se parecem. —Não como rei, mas como filho. Ou qualquer outra coisa que eu seja para a senhora.


—Não. —Respondo para seu espanto. —Eu já perdoei você aos poucos, todos os dias sem notar. É o que toda mãe faz. —Falo para seu alívio. Então seguro em seu queixo e olho bem para seus olhos. —Você agora é rei, mas para mim sempre será o meu menino. —Falo e em seguida o abraço. —Embora agora esteja maior que eu, sempre vou lembrar dos anos que te carreguei nos braços. —Falo fazendo Djoser rir. Abraço Djoser com toda minha força como se não quisesse mais soltar seu corpo. —Meu primogênito... —Falo ao fechar os olhos e sentir o calor dele.


(...)


Olho para todos os pertences de Anippe em seu quarto e sorrio ao lembrar dela. Ainda posso sentir o seu perfume de laranjeira no ambiente, mas ao mesmo tempo consigo sentir o aroma da lavanda que ela usava. Olho curiosa para um papiro deixado sobre a mesa. Logo pego e vejo que foi Anippe quem escreveu, não tenho duvidas que é sua letra.


"Eu nunca encontrei uma razão para viver, nunca até ter uma filha. Quando tive você, Ashira. Quando você nasceu eu entendi o amor que minha mãe sentia por mim e meus irmãos, o amor que sua avó Joquebede sentia por seu pai Arão, e os irmãos dele. Eu entendi o motivo de preocupação de minha mãe comigo. E a cada dia passei a ver o mundo de uma forma diferente. Paguei por todo o mal que fiz para minha mãe quando senti todas as dores do parto, e talvez sofra mais como mãe. Espero que um dia você nunca se volte contra mim como eu me voltei contra minha mãe. Eu fiz muito mal ao seu avô, magoei meu pai de várias formas. E hoje não posso lhe dar um pai. Embora você tenha um. Arão é seu pai, Ashira. O melhor homem que eu conheci depois de seu avô, meu pai. Saiba que se algo me acontecer um dia, você tem ele para lhe guiar. Te dar um pai como Arão foi a melhor coisa que fiz em toda minha vida.
Tínhamos tudo para sermos felizes, mas eu joguei tudo fora em um piscar de olhos. Joguei tanto a minha felicidade quanto a sua segurança. Mas saiba que eu faria tudo novamente. Somente assim para eu ver o quanto errada fui. Para ver quem eu realmente era.
Eu te amo muito, Ashira. Muito mais do que eu eu julgava ser capaz de amar.
Faça seus planos sem ouvir o julgamento das pessoas. Realize cada sonho no tempo que for preciso, minha filha. Se você viver pouco tempo no mundo pensando assim, viverá mais que qualquer pai ou avô. Viver muito não quer dizer viver bem. Viva a vida antes que ela viva você, Ashira. Você é minha filha, todos sabem, use isso a seu favor mesmo que seja um erro. "


—Henutmire? —Hur chama por mim e acaba me assustando com sua presença.

—Ela escreveu isso. —Falo ao mostrar o papiro. —Anippe parecia sentir que iria partir.


—Parece que ela pode voltar, não é. —Meu marido fala entristecido.

—O que nos resta agora é uma vaga lembrança de Anippe. Que tem nome e precisa de nós. —Falo. —Ashira.

—Essa menina a garantia que o nome de Anippe não irá desaparecer.


(...)

Dez anos depois...


Vejo Lyanna caminhar com Amenophis e Ashira. Minha filha já está com quinze anos e é uma moça doce e gentil que sempre se preocupa com os demais. A cada dia que passa Lyanna se parece com Hur e isso o deixa contente. — Ashira já tem dez anos e uma vez por ano visita seu pai, mas o momento dela está chegando. Arão decidiu que a menina deveria vê-lo uma vez ao ano e quando tivesse idade suficiente para entender a situação, moraria com ele.


Minha neta é como um anjo. Parecida com a mãe quando criança. Mas não tão teimosa. A mesma coisa posso dizer sobre Amenophis. Meu neto vive sorrindo e sendo simpático com todos. Uma qualidade que herdou do pai e do avô. Nossa família, nosso lar agora é forte. Dez anos que minha filha e meu irmão morreram e eu ainda não acredito.


—Radamés. —Hur fala ao ver Radamés junto a Djoser.

—Não me diga que ainda se importa com isso. —Falo rindo.


—Não vejo graça. —Fala e então sorrio ao acariciar seu rosto. —Ashira! —Hur fala preocupado ao ver a menina cair dentro do rio Nilo.


—Está tudo bem. —Lyanna fala ao ajudar Ashira. —Venha se secar. —Fala. Amenophis e Ashira andam de mãos dadas e então vem até mim.


—O que você viu? —Amenophis pergunta.


—Eu apenas caí. —Ashira responde. —Meu pé está doendo. —Reclama.


—Preste mais atenção quando for andar. —Peço carinhosamente para minha neta.

—Senhora... —Leila chama por mim. —A senhora Yaffa...

—Piorou? —Indago. Yaffa estava enlouquecendo a cada ano que se passa. Dez anos se passaram e Amun ficou preso na masmorra, morrendo a cada dia. Mas ele é forte demais. Quem adoeceu na verdade foi Yaffa.


—Está dando seus últimos suspiros de vida. —Leila revela.

(...)


Olho bem para Yaffa e vejo que já não há vida em seu olhar. Os anos que ela passou presa graças a sua loucura fizeram com que sua aparência fosse piorando. Ela tem a idade que Anippe teria se estivesse viva, trinta anos. Mas ao invés de aparentar trinta anos, Yaffa parece ter quase o dobro graças a sua doença. Sua juventude se foi com sua insanidade e isso me faz pensar em como Anippe estaria agora.


—Djoser... —Chama pelo marido.

—Estou aqui. —Meu filho fala ao segurar suas mãos e sorrir. —Pode falar.


—É verdade que no templo que minha mãe morreu, você mandou que um roseiral fosse plantado? —Pergunta.


—Sim, Yaffa. Em memória a sua mãe. E como perdão que minha mãe pede para Oritia. —Djoser fala e então sorrio.


—Mandou que o novo palácio fosse pintado nas cores que Anippe gostava. A frente dele... —Fala enquanto a febre lhe leva a vida. —Eu não quero morrer.


—Calma... —Meu filho pede ao ver que Yaffa está ardendo em febre. —Não fale nada.


—Eu te amo, sabia? —Pergunta ao segurar o rosto de Djoser. —Como um dia você me amou. —Fala enquanto choro. —Mas agora eu preciso partir como um dia Anippe partiu. —Fala assim que todas suas forças se vão de seu corpo.

Os olhos de Yaffa, seus belos olhos, se fecharam tendo como última visão o seu marido, seu primeiro amor. Meu filho segurou em seu rosto e tentou procurar uma explicação para tudo isso. Foi então que ele olhou para o vago e lágrimas desceram de seus olhos. Yaffa poderia estar morta agora, mas para Djoser ela sempre seria a menina rosada que chegou ao palácio, vivendo na sombra da mãe e sorrindo educada para todos. Sendo a moça ideal para qualquer príncipe desposar.


—Sinto muito. —Falo ao ver que Djoser está sem ação. Ele apenas beija uma das mãos de Yaffa e em seguida seu rosto.


—Ela não tinha culpa. —Meu filho fala. —Mas Amun tem. —Fala irritado e então carrega o corpo de Yaffa em seus braços. —Por causa dele Yaffa sempre se sentiu mal, sempre sozinha. —Fala enquanto andamos. —Se não fosse pela profecia de Amun, Yaffa teria sido mãe. —Fala amargurado. A criança que Yaffa daria para Djoser seria bela ao ponto de chamar atenção. A criança herdaria os olhos dos pais, meus e de Oritia, até mesmo a cor dos olhos de Amun. Mas a pequena rosa que Yaffa foi, morreu. Agora meu filho é viúvo. Não apenas em casamento, mas na alma. Yaffa foi o primeiro amor de Djoser, mas não o último...


(...)


—Lyanna. —Chamo por minha filha ao vê-la treinar com sua espada.


—E Yaffa? —Lyanna pergunta e então ela obtém meu silêncio como resposta. —Coitado do meu irmão. —Fala penosa.

—Ele vai precisar de nós. —Falo.


—Eu acabei lembrando de Anippe. —Minha filha fala. —Lembrei do meu tio também.


—Você era uma criança quando eles morreram. —Falo nostálgica. Lyanna ainda era uma sombra que segurava meu vestido quando Anippe e Gab morreram, nada mais que uma criança. —Já se passaram dez anos. —E ainda me lembro do último olhar de Anippe e Gab.


—Quinze anos desde que os hebreus foram embora. —Lyanna fala risonha. —Me lembro de quando a senhora foi levar Ashira para conhecer o pai. Eu acabei indo junto e conheci Moisés.

Flash Back On

—Mãe... —Moisés fala ao me ver com Lyanna de mãos dadas.


—Você não mudou nada. —Falo ao abraçar meu filho.

—Mas a senhora mudou muito. —Moisés fala e então olha para Lyanna. —Lyanna? —Chama pela irmã, embora a menina esteja estranhando tudo. —Você é tão... —Não consegue terminar, Lyanna acaba sorrindo e deixando Moisés sem palavras. —Meiga. —Completa e então pega a irmã no colo.

—Arão. —Falo ao ver o sumo sacerdote. Logo olho para Hur que está com Ashira em seus braços. Espero que tudo ocorra bem embora meu marido olhe desconfiado para Arão.


—Eu posso? —Arão pergunta cauteloso para Hur sobre pegar Ashira nos braços. Minha neta já está com dois anos e é muito esperta. Ao olhar para Arão ela começa a rir com sua inocência. Hur então entrega a menina para Arão, com um certo receio, mas aceitou a realidade. Ashira tem um pai, e ele atende pelo nome de Arão.


—Essa é sua filha, Arão. —Falo ao ver que Arão olha minuciosamente para Ashira. Seus olhos eram curiosos assim como os meus diante de sua eufórica descoberta.


—É minha filha. —Arão fala emocionado para Moisés. Lágrimas se formaram em meus olhos ao ver Arão e Ashira. O olhar é o mesmo... Não haverá criança mais bela que Ashira pelo fato dela ser filha de Arão e Anippe. Seus olhos não são azuis como o céu, nem o mar. São sublimes. Os olhos mais azuis que já vi em toda minha vida, e espero não ver outros como estes. —Ela se parece com a mãe. —Arão fala enquanto beija o rosto de sua filha.


Flash Back Off


—Djoser não deixou que ninguém matasse Amun por causa de Yaffa. —Falo pensativa. —Agora isso mudou.


—Acha que agora meu irmão vai matar Amun? —Lyanna pergunta preocupada. —Ele não suportaria nenhum tipo de violência depois da morte de Yaffa.

—Farei isso por ele.

(...)

—Henutmire... —Amun fala ao me ver bem em sua frente depois de dez anos. —Todos esses anos e você nunca veio me ver. —Fala enquanto sorri diabólico para mim. Seus dentes estão amarelados, alguns até quebrados pelos golpes que Djoser lhe deu ao longo do tempo. —Seus cabelos... —Fala e então olho para mim mesma. —A nova rainha ainda não chegou? — Pergunta perante sua praga rogada em mim. Por Deus, nunca irá chegar.

—Não. —Falo. —Nem sua filha serviu para isso. —Completo deixando Amun pensativo.—Morreu tão jovem, Amun. Yaffa era uma jovem para morrer como morreu. —Anippe também era. Até Ramsés ainda era jovem comparado comigo agora. E todos estão mortos. Eu enterrei uma filha, irmãos, pais... E agora uma nora. Peço para Deus que não me permita ver Hur morrer, que Ele me deixe partir primeiro.


—Eu sei. —Responde. —Eu já sabia que ela não estava com boa saúde.


—Você sabe o quanto te odeio, não sabe? —Indago. —Você matou meus irmãos. —Falo. —Se eu pudesse mataria você com minhas mãos. —Falo e então ouço o rugido dos leões ao serem soltos na masmorra de Amun. —Você sabe de quem eu sou filha, sabe do que sou capaz. Hoje você vai ver do que alguém da família real é capaz de fazer. Assistir seu inimigo ser devorado lentamente.


—Eles não vão me atacar. Não estão com fome. —Amun fala enquanto os arqueiros chegam no local. —Ainda posso me lembrar de quando Gab me acertou com àquela flecha. Quinze anos atrás. —Fala nostálgico. —Lyanna ainda era um risco de vida dentro de você. Djoser nem era rei, mas era herdeiro ao trono. E Anippe estava viva, mas agora não passa de um saco de ossos reais. —Ironizou.


—Nem seus ossos irão restar hoje. —Sorri, fazendo Amun me olhar assustado.—Lembra o que te falei naquele dia? —Pergunto ao ver que Amun está nervoso ao ver os arqueiros apontando para ele. —Poder é poder. —Falo, no mesmo instante os cinco arqueiros acertaram Amun, mas não em seu coração. Ele deve bater até o último minuto.—Você matou Kamés e Ramsés. Matou Balaque, rei de Moabe. Quase matou meu filho em guerra e minha filha enforcada pelos seus dedos. Sempre matando minha família sem ter coragem de me matar. —Falo. —Você será esquecido tal como suas atrocidades, Amun. —Foi então que os leões sentiram o cheiro do sangue de Amun. Ele está preso nas grades junto aos leões, sendo observado dia e noite.


—O leão é símbolo da tribo que seu marido nasceu. Também é símbolo da família real. —Amun fala enquanto os leões o rondam. Os três filhotes da leoa então começam a se agitar. —Mas eles estão presos comigo. São feras como eu. Feras como você e seus filhos. —Fala soberbo. —Eu amei você, Henutmire. —Revela me dando asco. —A grande e imponente leoa das manhãs do Egito então coroa seu filhote. Mas as garras que põe a coroa nele, é a mesma que rasga a carne dos outros animais da selva. Tal como a serpente... —Amun canta enquanto olha para as feras.

—Prometo não rir e muito menos chorar na sua morte. —Falo assim que os leões brigam pelo corpo de Amun. Os gritos dele são de dar medo, porém assisto firme a sua morte.

Acabo me lembrando do sorriso de Kamés uma noite antes de morrer. Tal como o dia em que Ramsés morreu. —Olho para os leões que devoram Amun, por cima de meu ombro direito. Então dou as costas ao ver que já não resta mais nada seu neste mundo.— Eu o fiz queimar sem arder no fogo. Tal como os leões, não respondo perante os homens e suas leis. Pagarei por isso e por todos aqueles que matei queimados no templo. Mas eu fiz por amor e por mim minha família. Eu faço qualquer coisa pelos meus filhos, por Hur, por mim. Eles são a única coisa que me restam neste mundo e espero que Deus me entenda.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Coração De Seda" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.