Capítulo 1 - No qual seu cão decide fugir para longe

Era uma manhã agradável na agitada cidade de Seul. Sophie Hatter estava estirada sobre os lençóis recém trocados de sua king size, muito provavelmente no seu vigésimo segundo sonho - sempre fora uma menina um tanto quanto sonhadora. Era comum vê-la cantarolando ou sonhando acordada com coisas que possivelmente não seriam concretizadas um dia, mas a menina insistia em tirar seus pés do chão na primeira oportunidade. E fora exatamente seu instinto aventureiro que a trouxera para aquele país de uma cultura tão diferente e distante da qual conviveu desde o seu nascimento há 20 anos atrás, nos EUA.
Acordou com Brownie, seu cachorro marrom da raça labrador, puxando os lençóis de sua cama insistentemente. Isso só poderia significar uma coisa: ele queria passear lá fora. O focinho gelado obrigava Sophie a se levantar e satisfazer sua vontade canina.

- Brownie, você viu as horas? - ela resmungou enquanto ainda abria os olhos para fitar o visor de seu celular. - São sete horas da manhã! Vamos dormir mais um pouquinho, por favor...

E ele continuava a latir ignorando as reclamações de sua dona.

- Por que está tão agitado hoje? - ela se deu por vencida, sentando-se em uma das extremidades da cama. - O ar está tão fresco assim até mesmo para você?

Ele não parecia entender sequer uma palavra do que ela dizia, mas mesmo assim ela continuava a insistir a arrancar alguma informação de seu cão.

- Está bem, está bem... Veja, já estou me levantando! - e seu rabinho começou a sacolejar alegremente.

Com muito contragosto ela conseguiu se levantar e ir cambaleando em direção ao banheiro, tropeçando em boa parte dos objetos e roupas espalhados pelo chão do seu quarto e até mesmo em Brownie que corria em sua direção saltitante e satisfeito. No entanto, logo fora espantado pelo barulho da água quente que caía do chuveiro. Após realizar sua higiene matinal e sair do banheiro apenas com uma toalha amarrada ao redor do corpo, Hatter foi explorar suas gavetas em busca de alguma roupa adequada para as práticas esportivas, visto que há muito tempo não se exercitava. Depois de muito revirar e revirar mais algumas pilhas de roupas, Sophie achou algo decente o suficiente para sair lá fora e caminhar com o seu cachorro insistente. Uma leg preta bem rente ao corpo, um moletom roxo da adidas e um par de tênis de corrida. Prendeu os cabelos num rabo de cavalo frouxo e saiu em busca das chaves, água e a coleira perdida de Brownie. O mesmo já estava impaciente e prestes a se revoltar fazendo suas necessidades fora da casinha. Sophie o repreendeu e amarrou a coleira em volta do seu pescoço com veemência.

- Vamos, Brownie! Vamos matar a saudade das ruas de Boston! - ela riu o puxando escada a baixo.

O clima estava ainda mais agradável às margens do rio Han. Brownie exibia sua língua para fora enquanto ia trotando a frente de Sophie numa agilidade notável, já a mesma a cada passo parecia mais próxima da morte. Ela invejava a disposição do cão.
O suor escorria de sua testa e percorria os belos contornos de seu rosto. As bochechas levemente rosadas devido ao calor e ao esforço gasto em sua caminhada matinal. O nó do seu cabelo começava a se desprender aos poucos e Sophie sentia-se cada vez mais incomodada com uma das mechas que caía-lhe sobre os olhos. Ela ajeitou a corrente de Brownie entre os joelhos e a garrafa d'água entre o queixo e o pescoço numa determinação admirável. Pôs-se a amarrar o cabelo desajeitadamente enquanto lutava para manter tudo em seu devido lugar - ao menos naquele momento. Brownie, no entanto, não parecia estar disposto a cooperar com a dona. Algo devia ter chamado sua atenção e ele saiu correndo em disparada destruindo alguns canteiros de flores pelo trajeto. Sophie, ao perceber o desastre, largou tudo que sustentava no chão e correu atrás dele com o resto de energia que ainda lhe restava.

- Brownie, volte aqui agora!... Já! - ela gritava ofegante sentindo o ar faltar lhe os pulmões. - Não me faça correr atrás de você, Brownie!

Porém, Brownie já havia sumido de seu campo de visão. Um verdadeiro desespero havia a consumido naquele instante. Não era ágil feito o cão e estava cansada o suficiente para manter o ritmo de seus passos. Era o fim de Sophie. Ela não conseguia acreditar que seu cachorro a havia abandonado. Uma retrospectiva passava pela sua cabeça tentando achar o quão ruim havia sido para ele desde que chegara ali naquele lugar estúpido. Sophie se viu com ainda mais saudades de casa e um arrependimento descomunal por ter se aventurado em solo desconhecido. Sentou-se em um dos bancos por perto e com as mãos entre o rosto começou a derramar lágrimas e mais lágrimas amargas. Era uma tarefa difícil se comunicar entre os coreanos apenas com o inglês porque eles tinham uma dificuldade enorme de pronunciar e processar o que lhes era dito. Sophie não havia feito amigos nesses dois meses e sentia-se extremamente cansada, além de que o dinheiro ia se esgotando gradativamente com o passar dos dias e ela se via desempregada num país onde meia dúzia de pessoas compreendiam o que ela falava com clareza. Estava decidida a marchar até a delegacia mais próxima e avisar o sumiço de seu querido animal de estimação quando sentiu uma mão quente tocar-lhe os ombros levemente. Ela se virou para trás dando de cara com a figura de um estranho com o hiperativo Brownie sustentado pelos braços. Ao contrário do que muitos possam pensar, ele parecia extremamente confortável nos braços do rapaz desconhecido.

- Com licença. Esse cachorro é seu, não é? - ele sorriu revelando um sorriso encantador.

Era um jovem franzino, - aparentemente da mesma idade de Sophie, ou algo bem próximo disso. - cabelo castanho que parecia ser tão macio quanto um chumaço de algodão, além de traços joviais e alegres.

- S-sim! - respondeu se sentindo envergonhada. - Brownie, não faça isso outra vez! - ela disse agora para o cão, o pegando do colo do estranho.

Ele riu entregando-lhe o cachorro de bom grado. Brownie não era o tipo de cachorro que costumava ir no colo de qualquer pessoa e, por não ver em seu rosto nenhum sinal de cansaço, chegara a conclusão de que seu cão havia se rendido por livre e espontânea vontade. Havia areia em suas patas e alguns resquícios de pétalas de flores. Sempre julgou as mães que esqueciam seus filhos nas esquinas de Boston de desmioladas e agora estava na mesma situação em que elas se encontravam - mas nesse caso, um filho dos grandes. Sophie estava se sentindo envergonhada e, ao mesmo tempo, agradecida. O estranho ainda estava parado na mesma posição e sustentando o mesmo sorriso de antes.

- Muito obrigada! - ela disse em coreano, uma das poucas palavras que havia aprendido ali naqueles dois meses. - Qual é seu nome?... Desculpa, eu não falo coreano.

- Não faz mal. - ele respondeu em inglês. - Meu nome é Lee Taemin e eu falo inglês, talvez não tão bem quanto você. - sorriu. - E o seu?

Os olhos de Sophie brilharam de emoção. Estava certa de que o inglês do jovem não era um dos melhores que ouvira em sua vida, porém seria o suficiente ter alguém que a compreendesse e vice-versa.

- Sophie Hatter, prazer! - ela sorriu de forma radiante. - É um alívio conversar com alguém que entenda a minha língua. Já estava começando a me sentir solitária aqui e desejando ir embora. - ele riu com seu desabafo. Estava parecendo uma idosa revelando sua vida para um estranho logo em sua primeira conversa.

- Eu posso imaginar. De onde você veio, Hatter?

- Eu sou americana - respondeu em coreano, arrancando um sorriso do mais jovem (?) - Vim de Boston. E não precisa se preocupar com as formalidades.

- E o que trouxe você e seu cão até a Coreia? - ele tocou o polegar sobre o focinho de Brownie que rapidamente tratou de lamber a ponta de seus dedos.

- Digamos que eu... Estava me aventurando. - sorriu fraco. - Parece que não me programei muito bem para viver aqui.

- Você deve estar passando por um momento difícil aqui, eu imagino. - e abriu aquele largo sorriso que encantara Sophie logo quando o vira. - Que tal sairmos um dia para tomar um café? Assim você pode me ensinar um pouco mais de inglês e eu, coreano. Hoje estou ocupado, mas eu posso achar algum tempo livre. Aliás, parece que seu cão gostou de mim e ele sentirá saudades. - Sophie deixou escapar um sorriso.

- Eu aceito sua sugestão, parece uma ótima ideia. Você está indo para a escola agora?

- Eu? Escola? Eu já me formei há algum tempo. Meu rosto pode realmente enganar. - riu. - Bem, eu tenho um compromisso agora e, de verdade, preciso ir. Te encontro aqui novamente amanhã no mesmo horário?

- De acordo! - apertei suas mãos num mais puro ato de gentileza. - Muito obrigada, Lee Taemin!

- Não foi nada! Né, Brownie? - ele acariciou a cabeça do cão carinhosamente.

Brownie sacudiu sua cauda alegremente. Taemin deu um último aceno ao sair correndo pelo gramado do parque recém destruído por Brownie, de maneira tão inusitada quanto chegara.

Sophie suspirou e caminhou em curtos passos o trajeto de volta para a sua casa. Não importa o que acontecesse, ela definitivamente estaria ali no dia seguinte. Era sua única certeza naquele momento.