A cabeleira ruiva se bagunçava com o ritmo matinal do vento. O garoto olhava o jardim de casa com certa nostalgia, temendo nunca mais ver aquele verde abundante. Torcia do fundo do seu coração que houvesse um parque florestal perto de sua nova casa em Londres.

Respirou fundo e destrancou o pequeno portão de casa, pondo-se para fora e iniciando uma caminhada lenta pelas ruas de Manhattan, observando tudo o que nunca havia observado antes.

A casa do vizinho que parecia que nunca foi reformada desde sua criação, caia aos pedaços, mas persistia firme. O parquinho com os brinquedos já enferrujados lhe vinha á mente como uma antiga lembrança. A época em que eles não faziam rangidos altos e crianças podiam brincar livremente lhe fazia falta, mais ainda agora, que não veria nem ao menos a ferrugem evidente todos os dias no caminho para a escola.

Lembrou-se das vezes em que seus pais brincaram de pique-esconde na pequena pracinha, e que nunca os achava, mesmo que agora soubesse que os encontraria fácil.

Aproximou-se do banco que ficava debaixo de uma grande e majestosa árvore e fitou o amanhecer de longe, sentindo e aproveitando a brisa suave que passava pelo ar. As maiores saudades seriam esses pequenos detalhes, essa calmaria tão grande pela manhã, que outrora havia sido esquecida pela maioria dos habitantes.

–Resolveu ir para a escola hoje? -Um garoto com mais ou menos sua idade sentou-se ao seu lado. Hugo morava á poucos quarteirões de sua casa e sempre se encontravam ali para irem juntos á escola. -Pensei que ficaria dormindo até dar a hora de ir.

–Era meu plano. -Sorriu para o amigo. Pensar que iria deixá-lo tornava tudo mais doloroso. -Mas minha mãe achou boa ideia uma última olhada em tudo...

–Deve ser doloroso. -Assentiu Ash. Ficaram por um bom tempo encarando o nada quando Taiga chega correndo, ofegante e aparentemente assustada por ver Ash.

–Ash? Você veio? -Disse entre garfadas de ar, tentando puxar o ar para dentro, em vão. -Não é hoje que...

–Sim. -Respondeu com certa calma, o que de certa forma foi rude em relação á preocupação de Taiga. -Vamos? Acho que vamos chegar atrasados se ficarmos papeando aqui.

Assentiram com a cabeça e todos tornaram a andar em uma só direção

§-§

O sinal de início das aulas tocava e três jovens corriam para dentro da escola. Como Ash previra, os três chegaram 5 minutos atrasados, provocando certa ira no professor que dava a primeira aula.

–Hatter, você acha muito engraçado chegar atrasado e atrapalhar a aula não é mesmo? -Sibilou o professor ao ver os três na porta. -Hatter e sua turminha. Sentem-se em seus lugares em silêncio antes que eu mude de ideia.

Os três andaram de cabeças baixas até seus lugares, apesar de se coçarem para fazer alguma piadinha de mal gosto. Sentaram em seus lugares e fingiram prestar atenção na aula.

Ash costumava ser quieto e estudioso, mas hoje ele estava á todo fervor. Conversa o tanto que podia e aproveitava as oportunidades ao máximo para matar a saudade de todo mundo, até das falsianes de Taiga, seja zoando ou dando uma boa lição nelas, pregando peças e etc.

Tendo o sinal do intervalo tocado, Ash, Hugo e Taiga se sentaram no seu cantinho de sempre, debaixo de uma pequena área do colégio em que havia um banco esquecido. Ninguém os incomodava ali, seja porque não os conhecia ou porque aquele lugar era muito horripilante para se ver.

–Ash, você é o melhor! -Exclamou Taiga, enquanto saboreava seu sanduíche de pepino. Irc. -A cara da Elissa quando você pegou aquela aranha e jogou no cabelo dela foi hilária!

–Ela fez por merecer. -Assentiu sorrindo. Tudo aquilo deixaria um grande vácuo de saudades.

–Que tal irmos á algum lugar depois da escola? Despedidas do Ash! Quem topa? Você é obrigado á topar Ash. -Sugeriu Hugo, fazendo logo Taiga responder e Ash, sem opção, aceitar o convite. -Ótimo! Os tacos são por minha conta!

Taiga exclamou um "Hey!" enquanto Ash sorria nostálgico. Seus amigos doidinhos lhe fariam falta, e pensar isso estava ficando um tanto repetitivo, mas não conseguia parar de pensar. O que faria em Londres? Quem seria seu(sua) mais novo(a) companheiro(a)? Será que ficaria sozinho novamente, em algum banco distante de uma praça imaginária, pensando do porque sair de um lugar tão bom e ser abandonado no frio e na solidão? Ele queria todas as respostas.

Quando o sinal de recolher voltou a tocar, o trio voltou para a sala e continuou as brincadeiras. Vivendo cada momento como se fosse o último juntos.

§-§

–Tem certeza que já vai Ash? Vamos lá, fica mais um pouquinho! -Sorria Taiga para tentar aprisionar Ash ao banco novamente, mas agora parecia realmente determinado á ir.

–Desculpa Taiga, eu tenho que ir para realmente arrumar minhas coisas. -Deu uma pausa longa, encarando os dois. -Daqui a pouco eu estou indo.

Um silêncio constrangedor se instalou no ambiente. Ninguém fazia nada ou esboçava algo nos rostos, só se encaravam. Até que o atendente trouxe a conta e Hugo recomeçou a conversa.

–Só quero que saiba que eu não vou chorar. Vou ser macho até o fim. -Disse Hugo, com os olhos vermelhos, deixando claro que ele desabaria á qualquer momento. Esse sentimento se transmitiu também á Taiga, que fitava o chão, como se preparasse algo.

–Seja forte Hugo. -Sussurrou Ash, enquanto as primeiras lágrimas escorriam pelo rosto. Deu um abraço forte no amigo, que já começava a molhar a sua camisa de lágrimas.

–Droga, eu chorei. Pode me chamar de bixinha toda vez que voltar. -Disse Hugo rindo constrangido quando se separaram.

–Sua bixinha. -Ash riu e falou em voz alta. Taiga encarava os dois á todo momento, o receio do que iria dizer era uma tormenta.

Hugo disse que iria ao banheiro limpar o rosto da vergonha alheira, deixando Taiga e Ash á sós, facilitando o coração de Taiga.

–Ash. -Chamou Taiga, encarando as orbes castanhas de Ash, como se fosse a última vez que fosse ver. Andou em sua direção e encurtou a distância entre os dois corpos, fazendo involuntariamente Ash enrubescer.

–Taiga. -Se auto-afirmou com a presença de Taiga e a encarou com convicção.

Os segundos que se passaram foram agonizantes. Um olhava para o outro, esperando que algo interrompesse aquela estranha sensação no ar.

–Ash, eu tenho algo pra te dizer. -Taiga cortou aquele silêncio constrangedor. Ash assentiu com a cabeça e esperou o veredito.

–O que foi?

–Eu tenho muita vergonha de dizer mas... -Taiga encarou o chão, pronta para explodir. - Eu...

–Diga Taiga. -Ash tinha uma certa inquietação no peito. Desconfiava desde o princípio dessa parte de Taiga, mas nunca deu atenção. Talvez, mas só talvez ela...

–EU AMO LONDRES! -Exclamou Taiga, enquanto Ash caía incrédulo no chão.

–Era só isso Taiga?

–SIM! NÃO! Espera... Desculpa é que... -Taiga tropeça em suas próprias palavras ao tentar explicar. -É que eu queria alguma bugiganga e... AH! Quem eu quero enganar? Eu queria muito ir junto!

–Eu vou trazer uma bugiganga, não se preocupe Taiga. -Ash ria das expressões atrapalhadas da garota. Por um só momento ele pensou em algo distante, mas acabou por enterrar em suas memórias.

–Obrigada, mas espera! -Taiga exclamou enquanto Ash virava-se para ir.

Tirou algo de dentro de sua mochila, uma caixa verde com xadrez e entregou para Ash.

–O que é..

–Abra! -Exclamou Taiga. Hugo chegava logo atrás de Taiga.

Com certa empolgação, Ash abriu a caixa, com cuidado para não rasgar muito o enfeite e tirou a peça que estava lá dentro.

Era exatamente o chapéu do Chapeleiro Maluco, provavelmente comprado em um evento, pois era de ótima qualidade. Junto com ele havia um colar com uma caixa na ponta. Ash abriu a caixinha e lá estava a foto do trio, no dia em que todo mundo se engasgou com Taco e a mãe de Ash tirou uma foto. Todos com restos de Taco pelo rosto e pelas roupas, tentando falhamente sorrir.

–Isso é..

–Legal né? Eu e Hugo fizemos o pingente, e como você gosta tanto de chapéus... -Taiga se pronuncia.

–Resolvemos comprar o do Chapeleiro Maluco, que é a sua cara. -Completou Hugo.

–Você são o bichão mesmo ein. -Gírializou Ash enquanto experimentava o chapéu. Cabia-lhe perfeitamente na cabeça. Taiga pediu para tirarem uma foto juntos, todos com caretas, para guardar de lembrança.

–Hey Ash, vamos sentir saudades. -Hugo se pronunciou enquanto Ash abria a porta do estabelecimento.

–Não deixe de mandar mensagens! E minhas bugigangas! -Exclamou Taiga de longe.

–Até a próxima pessoal! -Riu Ash enquanto saía do estabelecimento.

Com a bagagem de nostalgia no coração, sabia que cedo ou tarde logo os veriam. Ash sorriu com o própria pensamento, pensando em como reagiria ao vê-los depois de tanto tempo.

Seguiu para casa onde seus pais já o esperavam para partirem. E olhando pelo vidro do carro, ele já sentia saudades de casa.