Assassin's Creed: Omnis Licitus escrita por Meurtriere


Capítulo 26
O Tabelião


Notas iniciais do capítulo

É feriado aqui no Rio de Janeiro, mas cá estou com mais um capítulo fresquinho. Adianto que o cap foi muitíssimo inspirado no Rogue ♥ Espero que gostem e apreciem a leitura ;)



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— Uma carta de alforria? Pra que você precisa de uma carta dessas? – John arqueou a sobrancelha enquanto olhava para ela desconfiado. – Você tem escravos?

— Não. Mas preciso de uma. Como posso comprar uma e onde?

— Não é simples assim Jenny. Pra libertar um escravo, primeiro precisa provar que ele é seu, sem qualquer documento dizendo que aquele escravo foi comprado por você, então o escravo não é seu e você não tem direito nenhum sobre ele.

— E exatamente a quem devo provar isso?

— Bom, eu nunca tive escravo, mas pelo que sei é preciso de uma carta do dono daquele escravo declarando sua liberdade e então o documento precisa ser sancionado pelo tabelião local. É pra ele que precisa provar. São eles que mantêm os registros dos escravos das cidades. Vai achar o tabelião de Lisboa no mercado de escravos.

— Obrigada, John!

— Agora se me permite, tenho coisas mais interessantes para fazer.

O jovem marinheiro a deixou, rumando direto para dentro do Moinho uma vez mais enquanto Jenny seguia para as ruas de pedra e voltava para sua embarcação e para Sexta-feira.

°º°

Com os primeiros raios solares surgindo no leste, Jenny despertara e deixou Sexta-feira ainda embalado pela melodia de Morpheus em um sono profundo na proa do Gralha. A jovem o observou e antes que qualquer arrependimento lhe acometesse, ela seguiu para a cabine de Bonny e encontrou a ruiva em igual estado de sonolência. Na ponta dos pés ela seguiu até a mesa e viu respingos de tinta recentes, ainda úmidos. A ruiva possivelmente estivera respondendo a carta de Adewale.

Com uma vasculhada rápida pelo local, a Kenway encontrou o capuz de Anne sobre seu baú e próximo a cama estava sua lâmina escondida. A arma cintilava e era leve sobre os dedos da menina que estudava o mecanismo brevemente. Bonny murmurou algo enquanto dormia e a loira quase podia jurar que era o nome de seu pai, mas deixou o local a preferir descobrir com o que ou quem a mais velha sonhava.

Os homens a bordo estavam tão bêbados quanto Calico Jack e não notariam nem uma invasão caso ocorresse uma. Jenny vestiu o capuz e deixou um bilhete para Sexta-feira, por fim ela prendeu a lâmina em seu braço e testou -a antes de deixar a fragata. Se seu destino era ser uma Assassina, então Jenny precisava passar a agir como uma, sendo assim, desta vez não era como “James” que voltava para a cidade e sim como uma sombra.

Com passos ligeiros e desviando de homens que carregavam caixotes por todos os lados ela chegou até as construções de madeiras e tijolos que compunham o cais português. Jenny escalou um armazém até seu telhado e saltando de uma construção a outra chegou ao mercado principal, onde os pescadores organizavam os peixes frescos, os padeiros traziam os pães quentes e outros pães duros. Os queijos também eram abundantes, assim como azeitonas e azeites. Mas havia um local em especifico que a Kenway esperava abrir, o mercado de escravos, e foi por volta de quase uma hora depois que alguns homens chegaram com uma fileira de negros e negras acorrentados ao maior estabelecimento do local.

Quando as grandes portas de madeira do que, ela viria descobrir se chamar senzala, se abriu Jenny não pode ver nada a princípio, mas logo os prisioneiros se movimentaram e lá estava mais algumas dezenas de homens e mulheres acorrentados pelos pés e pescoços feito animais selvagens. Após mais um bom tempo, um homem branco na casa dos quarenta anos trouxe para fora um grupo de negros fortes e altos, juntamente com outro grupo de escravas com os seios expostos a todos que por ali passavam.

O mesmo homem iniciou o anuncio de sua “mercadoria” que atraía o mais variado tipo de clientela. Era assombroso como homens e mulheres brancos olhavam para os escravos feito pedaços vivos de carnes, apertando músculos, conferindo dentes e olhos quando se interessavam pelos homens. As mulheres precisavam aguentar todo o tipo de nojeira quando eram analisadas por suas partes intimas, tomavam tapas e ouviam humilhações a todo tempo.

Jenny sentia o sangue ferver e sua fúria assemelhava-se a um rio descontrolado a destruir suas margens sem piedade ou remorso. Sentia-se capaz de ir pessoalmente conceder uma morte rápida àquele mercador de escravos, mas o bom senso de Sexta-feira ainda ecoava em sua mente e por hora concentrou-se em esperar seu alvo, o tabelião.

Sua paciência fora agraciada quando enfim um homem bem vestido, acompanhado por mais dois chegou ao mercado. Um dos homens carregava um livro e pena na mão, enquanto outro carregava bolsas em ambos os ombros. O mais elegante vinha à frente, com um chapéu tricorne e roupa de boa alfaiataria. O mercador conversava com o homem do chapéu e ambos entraram no armazém que servia de “abrigo” para os escravos.

O homem com a pena não parava um segundo de escrever, ao passo que seu companheiro parecia entediado com o que parecia ser a ronda matinal. Aquele com o chapéu tornou a sair com alguns papéis em uma das mãos e um saco de moedas na outra.  A praça enchia cada vez mais de pessoas e estava mais barulhenta a cada segundo, por isso, sem querer perder o homem de vista, Jenny correu por uma corda que ligava o telhado onde estava para a senzala e de lá seguiu para o telhado seguinte até se emparelhar ao chapéu tricorne.

Era possível ouvir a conversa entre os três homens, mas a loira não conseguia entender aquela língua estranha e prometeu a si mesma que iria aprender o tal português depois.  Os homens conversavam solenemente, os mais novos pareciam prestar contas ao homem do chapéu e agora que os via de perto, a Kenway notou certa semelhança compartilhada entre eles. Certamente eram parentes, julgando as idades poderiam se pai e filhos.

Com carroças passando e vozes por todo o lado, a jovem não tinha muito que se preocupar com o som que seus passos e saltos reproduziam, mas para sua infelicidade, os homens rumavam por um caminho que tona-se-ia menos populoso e mais silencioso a ponto da Kenway permitir certa distância e garantir sua segurança. Sob a sombra de uma chaminé, ela viu algumas casas rua acima o trio adentrar uma mansão de bom gosto. Com cautela, aproximou-se da moradia, evitando chamar qualquer atenção e já sob as telhas da casa vizinha viu servos se movimentarem pelas janelas do primeiro e do segundo andar.

Mais uma vez contemplada pela sua sorte, ela pôde ver os três subirem as escadas e pelas janelas do andar superior os vira adentrar um cômodo com seus papéis e a bolsa com moedas. Todavia, não passou muito tempo e os dois mais jovens saíram do local de mãos vazias. A loira puxou mais o capuz de seu manto para frente, certificando-se de esconder os olhos e pulou para um monte de folhas de repousavam em um canto nos fundos do jardim da mansão. O quintal estava vazio e ela julgou que as cozinheiras estivessem ocupadas com o preparo do almoço e o jardineiro estaria ocupado em qualquer outro local. As folhas caídas iriam esperar ali o tempo que fosse de qualquer maneira. Jenny deixou-as para trás e correu para a parede que compunha um dos lados da mansão. Segurando-se em frestas e apoiando onde conseguia pôr os pés, ela escalou até o teto, cruzou este em direção ao cômodo em que estava o tabelião.

No limite do telhado ela aguçou os ouvidos, mas tudo o que o que ouviu fora os pombos que se empoleiravam ali perto. Provida de pouca paciência, tal qual seu pai era, ela pendurou-se e apoiou os pés na janela do que ela pode deduzir ser o escritório do tabelião. Jenny o viu sentado de costas, analisando um papel a frente do rosto, absorto demais para perceber sua movimentação. No escritório havia ainda uma mesa com uma garrafa e alguns copos, um par de cadeiras acolchoadas e um sofá elegante. No canto extremo, próximo as portas que davam acesso ao local, havia outra mesa com navios em miniaturas, despertando a curiosidade da Kenway, mas antes de sua abordagem, ela procurou por livros ingleses nas prateleiras baixas que decoravam as paredes laterais.

Encontrou um “Guia de Chás e Suas Propriedades” e uma Bíblia Anglicana. Todos os outros livros tinham títulos que ela não podia decifrar, possivelmente todos em português. Torcendo que para tais livros não fossem meros enfeites abriu a janela vagarosamente para evitar qualquer ruído denunciador e conseguiu o feito com alívio. Ela se aproximou a passos silenciosos e logo sua sombra se interpôs entre ele e a claridade. Percebendo a repentina escuridão sobre seus documentos, ele se levantou, mas era tarde demais.

O click da lâmina foi ouvido e ele teve certeza da ameaça ao sentir a ponta da mesma no meio de suas costas. O homem, contudo, estava calmo e ergueu ambas as mãos em um sinal de rendição.

— Sejamos breve. Eu quero uma carta de alforria.- Proferiu Jenny em tom baixo, próximo a nuca de seu alvo

— Quem é você? – Ele a questionou em inglês, ainda que carregado de sotaque português.

— Não importa quem sou eu e sim o que posso fazer. E acredite em mim quando digo que você não irá querer saber.

— É uma maldita Assassina. Os templários não têm cumprido com o acordo então...

— Que acordo?

O homem sorriu, mas Jenny não pôde ver o pequeno gesto por estar atrás dele, ingênua demais para perceber o tipo de armadilha que ele preparava contra ela.

— Vocês, Assassinos, tem causados muitos prejuízos para nós, mercadores e comerciantes.

— Que prejuízos?

— Primeiro aqueles malditao piratas no Caribe libertaram dezenas de escravos que foram vendidos a fazendeiros das colônias para trabalharem nas fazendas de açúcar. Sem contar, é claro, de roubarem nossos navios. Foi quando os templários chagaram a nós, com a proposta de manter nossos negócios seguros e eliminar a ameaça dos Assassinos. Financiamos suas viagens para Nassau, Bahamas e mesmo Kingstown para que detivessem aqueles piratas que gritavam sobre liberdade, mas não tinha um mínimo de capacidade para gerenciar uma pequena cidade como Nassau.

— Nassau era um lugar livre, uma cidade para todos e de todos.

Jenny bufou, repetindo as palavras que ela ouvira dos lábios de seu pai. Palavras de um sonho distante em tempo e espaço.

— De certo que era de todos, havia ratazanas enormes lá a dividir o mesmo teto com pessoas, pelo o que ouvi dizer. – Com escárnio, ele riu dela. – Certamente és jovem e sonhadora, uniu-se aos Assassinos pensando estar lutando por um bem maior chamado liberdade. Mas entenda uma coisa minha jovem, a liberdade pregada por seus mestres torna-se facilmente em uma anarquia caótica. Nassau de certo é a prova disso. As pessoas são estúpidas demais para entenderem as coisas sem que alguém vos guie pela compreensão. Em pouco tempo se acomodam e deixam por estar até as consequências de seus atos caírem sobre vós cobrando preços altíssimos.

— Você chama de compreensão o que fazem com povos e culturas inteiras? Vocês estão tão sedentos de poder quanto você nos julgar estar.

— Sua imaturidade me surpreende e cada palavra, minha jovem, mas deixe-me explicar. A Inglaterra tornou-se pequena demais e não só ela. Portugal, Espanha, Holanda, França... Todos em busca de expansão de seus territórios, pois a Europa já está pequena demais. E cansados de travarem guerras em seus próprios países, liquidarem o próprio povo que tão esforçadamente paga suas taxas e de danificarem seus próprios terrenos resolveram expandir para terras novas e criarem novas vidas lá.

— A base de exploração. – Ela vociferou furiosa com tamanha paixão com a qual o homem recitava tais palavras.

— Por que nos julga se essa sempre foi a lei? O mais forte subjuga o mais fraco na natureza. – Ele tencionou virar-se para ela, mas ao perceber, Jenny pressionara ainda mais a lâmina contra a sua pele, a um pequeno gesto de perfurá-la.

— Isso serve apenas para animais, ignorar essa natureza é o que nos diferencia dele.

— Não diga tolices como esta quando você está a um subjugar com uma lâmina em minhas costas, veja se não é você a mais forte aqui enquanto eu sou sua presa indefesa. Esse é o jogo que Assassinos e templários veem jogando há séculos, um jogo de poder onde hora um vence e hora outro vence.

— Parece que os templários não estão vencendo agora, como você pode ver.

— Oh não... Tenho de discordar. Recentemente o porto mais importante do mundo fora limpo dos Assassinos com o simples ataque a casa do mestre Assassino local. Mas você certamente já deve saber de nossa conquista em Londres. Agora, se me permite dizer, não sou mais um homem no auge de minha juventude e meus braços começam a cansar, mas ainda não tenho um bom motivo para selar uma carta de alforria para você, visto que irei morrer de uma maneira ou de outra.

— De certo já não é mais um jovem altivo, mas seus filhos são e ainda possuem muitos anos de vida pela frente. Acredito que queira assegurar isso, pelo menos por hoje.

— Então essa é a sua proposta? Uma carta pela vida de meus filhos? Está certo, mas preciso usar minhas mãos e pegar os papéis em minha mesa.

Jenny agarrou o colarinho do terno bem alinhado do homem e encostou seus lábios na orelha dele, sem tirar sua lâmina de suas costas.

— Tente qualquer coisa e garanto que o nome de sua família acaba nessa geração.

 A Kenway o soltou bruscamente, fazendo-o tombar ligeiramente sobre a mesa. O tabelião, por sua vez se recompôs e abriu uma das gavetas a sua esquerda. Sacou de lá alguns papéis já com coisas escritas e a jovem apenas podia torcer para que fosse a carta desejada. Em seguida ele pegou a pena que repousava elegante sobre a mesa e mergulhou no tinteiro para assinar o documento deferido.

— Está pronto.

Ele se virou com o papel na mão enquanto Jenny já tencionava pegar para si a carta com a lâmina longe das costas do homem. Fora seu erro fatal. Com habilidade que a jovem nunca teria julgado o homem ter, ele sacou uma pistola de dentro da mesma gaveta de onde tirara a carta e sem fazer ao menos mira atirou.

A loira conseguiu desviar-se para evitar um ferimento mortal, mas seu braço esquerdo ainda fora atingido. Ela soltou um gemido de dor, enquanto o tabelião já alocava outra bala no cano do revólver. A porta se abriu de um rompante e um dos filhos do velho olhou confuso para tudo o que se seguiu em ao passo que seu pai já empunha o cano da arma contra Jenny. A loira impulsionada por toda a adrenalina se jogou contra ele, perfurando enfim seu estômago. A bala atingiu a janela, fazendo o vidro se espatifar por todo o canto. Seu filho gritou e correu em direção ao corpo que tombou por sobre a mesa, quando a jovem retirara a lâmina que agora reluzia vermelha, manchando de sangue documentos e madeira. Manchando de sangue todo o trabalho dele.

A Kenway agarrou o papel com a mão esquerda e rumou para janela, alcançando esta antes mesmo do jovem chegar ao pai já moribundo. Já do lado de fora ela olhou para a cena que protagonizara há poucos anos, ao encontrar seu pai morto dentro do próprio escritório. O jovem chorava desconsolado sobre o corpo inerte e quando desviou os olhos inchados e vermelhos para ela, Jenny não pode sustentar o olhar e fugiu. Ainda era covarde demais para encarar um filho que agora era órfão por sua causa.


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Notas finais do capítulo

Vamos aos fatos históricos. Até onde eu sei não precisa da sanção de ninguém para libertar um escravo se não a de seu dono. Mas havia sim alguém que ia, acredito que diariamente aos mercados escravistas para cobrar taxas e garantir o ganho de qualquer $$$ que conseguisse. Então eu apenas deduzi que esse homem deveria ter um certo controle dos mercados que ele inspecionava.

Segundo fato histórico, como a Jenny não é dona do Sextinha, ela não podia fazer carta comum do próprio punho. Como ele é nascido em uma colônia portuguesa, é considerado patrimônio da coroa e pode levado a uma senzala comum do mercado para gerar $$$$.

Terceiro fato histórico, o nome desse cara que inspecionava os mercados negreiros não era tabelião, até onde sei pelo menos, mas eu precisava de um nome e escolhi esse. Espero que não se importem.

Agora sim... Como será que Jenny vai reagir a ao seu primeiro assassinato? E o que Sexta-feira e Bonny dirão sobre isso?

Semana que vem tem mais feriado (Uhul!) E é provável que o cap de semana que vem atrase ok?

Beijos e até o próximo cap ;*



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