O Cupido escrita por Mits


Capítulo 1
O Começo


Notas iniciais do capítulo

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Eu serei o copo da sua tempestade.

— Que merda, isso não acaba nunca? Quanto mais caixas eu levo, mais aparecem. –Resmungou a loira entre as caixas. Os curtos cabelos dourados estavam presos por um elástico da cor rosa no topo de sua cabeça, enquanto sua franja grudava na testa úmida com ondulações entres os fios.

— Que dor – miou Hannah sentada no chão, ela massageava seus pés descalços, pressionando cuidadosamente entre os dedos – meus pés estão me matando.

— Os meus também – disse Megan antes mais uma caixa vazia no chão e também se sentar.

— A palavra “diretor” deveria ser um palavrão – a terceira garota falou, meio ofegante. Entre as caixas vazias, Hayley estava deitada, descansando suas costas, afinal, ninguém merecia carregar galões de água durante a tarde inteira – Essa semana esta sendo a pior de todas.

Megan assoprou os dedos doloridos.

— Nem me fale, eu não tenho mais tempo pra nada – fez uma careta de dor – e meus dedos da mão estão doendo tanto, Semana Colorida de merda.

Todos os anos, o diretor da escola Francis Morgan realizava a Semana Colorida, onde os alunos faziam apresentações musicais no anfiteatro, recitais de poesia no pátio, ilustrações coloridas para a exposição, concurso de tortas na cantina, meio de arrecadar fundos para o jardim da escola – normalmente lavagens de carros – e, a melhor parte para todos, festas no final de semana. Tudo com um único tema: primavera.

A Semana Colorida era uma das mais estressantes depois do Baile de Formatura – que pode ser o melhor dia da sua vida, ou o pior. Alunos de outras escolas, pais e diretores de faculdades visitavam o colégio durante esse festival para, além de se divertirem, avaliar a conduta e organização. Isso só deixava todos mais nervosos, já que as chances de entrar em uma boa faculdade aumentavam 10% se tudo ocorresse bem.

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— Sala 2? – Megan perguntou.

Hayley e Megan estavam caminhando sozinhas pelo corredor vazio, já que Hannah decidiu ir ao banheiro primeiro.

— 3, eu acho – respondeu Hayley, distraída com uma borboleta vermelha que acabara de pousar em uma mesa quebrada. – Vamos passar nas duas.

A escola era um pouco assustadora depois das 18hrs, perceberam. Quando as luzes do jardim se apagavam e os grilos começavam a sibilar, a brisa fria que fazia as janelas de vidro bater, os ruídos estranhos das portas, era assustador.

— Cara, qual era a sala mesmo? – No final do corredor uma voz masculina soou, causando arrepios nas duas.

— Eu sei lá, acho que era 4 – a segunda voz respondeu, também masculina.

As duas garotas olharam para trás e...

Quem vocês acham que narra isso aqui?

Uma cena pode ser descrita de diversas maneiras diferentes e, as vezes, nem tudo o que vemos é realmente o que enxergamos. A mente prega peças e tenta disfarçar o obvio, o coração… Bom, ele só quer te ferrar, não importa. Mas existe alguém, o pior, seu melhor amigo falso, ajuda ou empecilho significam a mesma coisa para ele – nosso verdadeiro e único protagonista, o ajudante do ditador, ele, destruidor, o amigo do seu inimigo. Eu, tão odiado e amado Cupido.

Não criei mentiras, criei oportunidades.

— Ai meu Deus, é ele – a loira segurou o braço de sua amiga e a empurrou para canto, encolhendo-se perto de seu ouvido. – É ele – disse virando de costas para os dois alunos que passavam, distraídos. Seus olhos castanhos iam e voltavam, como uma seta em direção ao mais alto, um sinal de que ele era o ele.

Hayley, sem entender muito bem, inclinou sua cabeça para a direita em direção ao ele, fitando-o de cima a baixo. Os ombros eram largos, o que podia significar esportes, as íris escuras brilhavam com a luz branca do corredor, alterando de preto para castanho, seus cabelos negros e lisos estavam desgrenhados e meio úmidos, um clássico dos filmes clichês, onde o badboy passa pela mocinha após uma longa partida de futebol, suado e gato. Alex, Hayley conseguiu reconheceu, e Daniel, seu fiel companheiro para todos os momentos, já que os dois viviam grudados. Algumas garotas tinham a teoria de que eles eram gays. Era uma teoria válida.

— Oi, Hayley – com um aceno simpático, Alex a cumprimentou. Eles não eram amigos, nem colegas, apenas dividiram o mesmo ambiente durante as aulas avançadas de química algumas vezes, e em uma delas Hayley o ajudou com uma formula. Grato, Alex acabou memorizando o rosto dela.

— Oi – acenou de volta.

As duas observaram os amigos saírem em meio a conversas aleatórias que elas definitivamente não entenderiam, nem queriam. Megan estava preocupada com outras coisas. Hayley também.

— Você o conhece – Megan afirmou virando subitamente. Estava seria ou pensativa Hayley não soube dizer. Mas logo um largo sorriso se abriu. – Ai meu Deus, você conhece ele! – Miou a garota entre risadinhas. – E então, e então, o que achou dele?

Hayley fez uma pausa, pensando em cada palavra que poderia ser usada contra ela futuramente. Conhecia sua amiga… Muito bem.

— A blusa dele é bem maneira.

Uma blusa branca de mangas azul marinho, nas costas estava escrito Wins em dourado.

— Linda, sim, como ele – sorriu. Será que ela se esqueceu dos cabelos bagunçados e a franja suada? – Mas fala o que achou dele e, espera ai, como ele te conhece mesmo? Ou você o conhece, sei lá.

Hayley rodava o anel prata no polegar impacientemente. Uma sensação não agradável estava deixando suas pernas tremulas.

— Aulas de química, mês passado, na sexta, o carinha que eu ajudei. Eu já tinha te falado, Megan – Hayley deslizou seus olhos para uma sala qualquer.

— Ah, então era ele – pressionou o lábio inferior com o indicador, aquilo significava ideias. – Entendo – ideias ruins. – Então eu já sei quem vai me ajudar – Sorriu de canto.

Péssimas ideias.

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As luzes dos postes e da lua eram as únicas que iluminavam o parque daquela noite, o vento fraco fazia com que as macieiras balançassem e derrubassem suas folhas esverdeadas no chão de areia e no banco em que Alex e Dan estavam sentados. Era um lugar agradável, poucas pessoas conhecidas iam ali por isso não corriam o risco de ter que fingir simpatia, e eles odiavam isso.

Alex esfregava suas mãos no jeans preto ao ritmo da musica que saia de seus fones de ouvido, uma eletrônica dos anos 90. Estava distraído o suficiente com o balançar das arvores para não perceber que sua irmã mais nova, Anna, o chamava. Dan permanecia quieto, pensativo, os olhos cor de esmeralda fitavam o portão de ferro que estava se fechando aos poucos. Ao longe, os grilos sibilavam com certa sintonia, um grupo de pombos se reunia debaixo de um banco para comerem os restos de pão integral e limonada. O silêncio falava mais alto entre eles, a não ser por Anna que continuava falando sozinha.

Dan respirou fundo, meio apreensivo, fitou Anna e sorriu, como um pedido silencioso que ela parasse de falar. A menina fez uma careta de indiferença, meio irritada, e olhou para o bolso de Dan o celular, ele seguiu seu olhar sem entender muito bem. – o celular, mané. O garoto tirou o aparelho e o entregou, antes de desbloquear e deslizar os dedos pela tela em busca do joguinho favorito dela.

Aquela era a hora, teria que ser.

— Alex – disse baixo, ciente de que ele não escutaria. A verdade era que ele estava realmente nervoso, ou com medo. – Ei, Alex – dessa vez chamou mais alto, tocando no ombro do amigo que se virou. Dan apontou para o próprio ouvido  e gesticulou um tira o fone.

Alex respirou fundo e os tirou.

— O que?

— Preciso falar uma coisa – ele fez uma pausa demorada, se sentido idiota por ter feito isso. Claro que ele precisava dizer uma coisa. – Antes de me xingar, me escuta – começou, sem esperar uma resposta – Lembra aquele dia em que estávamos aqui e duas garotas muito bonitas passaram? Uma tinha os cabelos curtos, loiros e com uma franjinha bem legal até, já a outra tinha longos cabelos castanhos e olhos verdes azeitona, uma pele branca e um sorriso legal, vocês comentou sobre o sorriso dela. Lembra?

— Lembro-me do sorriso, Dan. Fala logo – disse sendo mais rude do que gostaria.

 Aquele não estava sendo um bom dia. Primeiro, o bolo que levou da babá de Anna na manhã que o fez se atrasar para o trabalho e levar uma bela bronca. Segundo, o pedido impertinente do diretor para que ele ajudasse com os preparativos da Semana Idiota mesmo ciente de que Alex estava extremamente cansado. Por fim, para completar seu dia, sua cabeça doía em todas as regiões possíveis.

Tudo bem, vamos tentar ter calma.

— Você sabe de quem eu estou falando, pelo menos?

— Eu me lembro de uma garota com um sorriso legal, Dan. Mas eu não sei quem ela é.

— Hoje, a vimos hoje também no caminho da sala 4, você até falou com ela, Hayley era o nome dela – ele olhou para Anna, que os observava totalmente alheia ao que estava acontecendo. – Queria que você me ajudasse a ficar com ela.

A primeira coisa que Alex fez foi rir, esperando Dan rir com ele, mas Dan não estava rindo. Alex riu mais ainda, desta vez ciente de que o amigo estava falando sério.

— Boa piada, amigão. Você está melhorando.

— Não era uma piada, Alex – Dan estava começando a ficar irritado, com as orelhas e a ponta do nariz ficando vermelho.  – Eu realmente quero sua ajuda.

— E porque você simplesmente não vai até ela?

— É complicado...

— Complicado – ele concordou, sua voz perdera o humor – Complicado, sim. Vou te dizer o que é complicado, Daniel. Complicado é você me pedir isso mesmo sabendo sobre toda a merda do passado.

— Não sabia que você ficaria tão chateado. Mentira, eu sabia, mas mesmo assim... Não está na hora de você superar tudo aqui?

A calma morreu.

Alex se levantou, incomodado. Os fones pendurados pela gola da blusa ainda faziam barulho, mais alto do que antes. O vento assobiou e uma luz forte em formato de Z iluminou o céu noturno, seguida por um estrondo horrível e perturbador que fez Anna largar o celular e fitar o céu, assustada. A chuva estava chegando, e dessa vez, bem pior do que antes.

O passado que pesava entre os dois era sufocante e destruidor. Daniel sabia que ao tocar no assunto seria como enfiar a mão no meio da fogueira e esperar as dores de uma queimadura. Alex estava ferido e irritado, aquela era a cicatriz estaria sempre ali, presente em sua vida como se a ferida ainda estivesse aberta. Ele estava irritado por perder o controle dos seus sentimentos toda vez que o assunto vinha à tona, e estava mais irritado ainda por Dan não se importar.  

— Você quer que eu simplesmente supere? Só pode ser brincadeira. Vamos para casa, Anna – ele tirou o celular da mão dela e jogou no colo do amigo, Anna estava pronta para reclamar quando viu o olhar do irmão recair sobre ela. – Peça para outra pessoa, Dan. Ou aja como um homem grandinho e resolva seus próprios problemas.

— Eu já te ajudei milhares de vezes, nunca voltei atrás. Qual é cara – gritou, se levantando. Nada. – Serei eternamente grato, pode me pedir o que quiser, foi o que você disse – Nada de novo. Alex continuou andando. – Seria o jeito de me agradecer – gritou mais alto – Da vez em que eu te ajudei com a… – ele sabia melhor do que ninguém que palavras magoavam, mas era tudo ou nada. Alex tinha sua cicatriz, mas Dan também tinha a dele. Ele respirou fundo.  – Com a Lana.

A voz de Dan soou em meio ao silencio, mais um trovão fez os portões tremerem. Algumas fracas gotas de chuva já respingavam em seus cabelos negros, as íris castanhas se viraram e encontraram com as esmeraldas de Dan, que evitou dar um passo para trás.

— Nunca mais – se aproximou bruscamente, largando o braço de Anna – nunca mais repita esse nome, esta ouvindo? – a chuva aumentava a cada instante.

— Alex, eu não quero... Droga, eu não quero ter que usar isso, mas você prometeu me ajudar no passado, e eu só estou cobrando esta ajuda agora.

— Cobrando? Caraca, você está me cobrando? – ele riu de novo como um doido, Dan já tinha visto Alex fora do controle, o Alex furioso, e não desejava ver outra vez.

Desculpa, Alex, acho que você não entenderia, pensou se aproximando cautelosamente do amigo.  Ou talvez entenda mais do que ninguém.

— Por favor, Alex.

Alex parou de rir e o olhou irritado, pronto para brigar. Ele só não esperava ver aquilo nos olhos de Dan. Era algo que ele conseguia ver quando se olhava no espelho, ou quando ia visitar a tia, ou quando Anna perguntava sobre os pais. Era o tipo de olhar desolado, doloroso, o olhar de alguém que está carregando mais do que aguenta. Ele via um pouco disso em Dan, um pedido além do pedido. Dan precisava de ajuda e estava enfiando Alex na maior enrascada da sua vida, mas ali tinha um motivo. Alex não fazia ideia do que era, e apesar daquilo irritá-lo profundamente, ele se desarmou.

— Por favor – ele disse de novo e Alex achou que ele iria chorar. Seria estranho, ele não saberia como agir.

Alex respirou fundo, olhou para Anna, que já estava dispersa, e voltou a olhar para o amigo. – Em que merda você se meteu?

— Uma das grandes – Dan riu sem humor. – Eu não te pediria isso se não fosse importante.

— Deus, eu vou me arrepender tanto – ele disse e lançou um olhar acusatório para Dan, que já tinha um sorriso idiota aberto. – Pode parar com esse sorriso idiota.

— Desculpe – disse ainda sorrindo.

— O que exatamente você quer que eu faça? Oi, esse é meu amigo Dan e ele está misteriosamente apaixonado por você, sejam felizes. Tchau?

— É mais complicado do que isso.

— Complicado quanto, Daniel?

— Complicado do tipo: eu preciso que você finja ser gay.


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Notas finais do capítulo

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