O Primeiro Arcano escrita por Enki


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

“Cada indivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida. Os mitos têm basicamente quatro funções:

A primeira é a função mística – e é disso que venho falando, dando conta da maravilha que é o universo, da maravilha que é você, e vivenciando o espanto diante do mistério. Os mitos abrem o mundo para a dimensão do mistério, para a consciência do mistério que subjaz a todas as formas. Se isso lhe escapar, você não terá uma mitologia. Se o mistério se manifestar através de todas as coisas, o universo se tornará, por assim dizer, uma pintura sagrada. Você está sempre se dirigindo ao mistério transcendente, através das circunstâncias da sua vida verdadeira.

A segunda é a dimensão cosmologia, a dimensão da qual a ciência se ocupa – mostrando qual é a forma do universo, mas fazendo-o de uma tal maneira que o mistério, outra vez, se manifesta. Hoje, tendemos a pensar que os cientistas detêm todas as respostas. Mas os maiores entre eles dizem-nos: “Não, não temos todas as respostas. Podemos dizer-lhe como a coisa funciona, mas não o que é”. Você risca um fósforo – o que é o fogo? Você pode falar de oxidação, mas isso não me dirá nada.

A terceira função é a sociológica – suporte e validação de determinada ordem social. E aqui os mitos variam tremendamente, de lugar para lugar. Você tem toda uma mitologia da poligamia, toda uma mitologia da monogamia. Ambas são satisfatórias. Depende de onde você estiver. Foi essa função sociológica do mito que assumiu a direção do nosso mundo – e está desatualizada. Princípios éticos. As leis da vida, como deveria ser, na sociedade ideal. Todas as páginas e páginas de Jeová sobre que roupas usar, como se comportar diante do outro, e assim por diante, no primeiro milênio antes de Cristo.

Mas existe uma quarta função do mito, aquela, segundo penso, com que todas as pessoas deviam tentar se relacionar – a função pedagógica, como viver uma vida humana sob qualquer circunstância. Os mitos podem ensinar lhe isso.”

Joseph Campbell



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Quando me foi oferecido a proposta de escrever essas páginas, bem verdade que fiquei hesitante. Veja, a história que aqui conto foi bem real e seu principal personagem foi alguém a quem muito estimo e conheço. Era de imaginar então minha surpresa quando um estranho me abordou com um convite tão peculiar. Era um belo dia, com uma feira pela cidade. As crianças paravam de correr e sentavam ao chão prontas para escutar minhas cantigas. Foi durante os gloriosos versos das lendas dos Sete Cavaleiros que vi o homem me encarando curioso, fazendo diversas notas à medida que me olhava. Fiquei desconfortável, oras, como não ficar? Se o que ele escrevia era sobre mim, um ultraje a minha privacidade representava, produto de indelicadeza da parte dele. Já se anotava a história que eu contava, um charlatão ridículo, desleal e sem vergonha ele era, roubar meu trabalho sem ao mínimo tentar disfarçar. Claro que nenhuma das opções me agradou e, assim que terminei minha declamação, fui atrás do estranho.

Ele fugiu, aquele ladrãozinho plagiador descarado. Reuni meu equipamento o mais rápido que podia e corri atrás dele. Era rápido e corria o olhar para todos os lados, de fato procurando as rotas de fuga. Tentei gritar para que parasse, mas ele apenas acelerou o passo. Então, já saindo da feira, alcancei-o em um beco e obriguei-o a explicar o que estava fazendo. Foi então que ele me ofertou seu convite. Hans D. Castell, como ele se apresentou, um escrivão que dedicava sua vida a registrar eventos de acontecimentos reais. Não procurava fama ou dinheiro, me disse, logo jamais roubaria o trabalho de outro bardo. Apenas gosta de anotar tudo o que observa, assim seus escritos de pouco antes se destinavam uma crítica, francamente muito boa, ao meu trabalho. Mostrou-me sus registros para comprovar, mas não comprei suas palavras. Perguntei então de que ele fugia e o homem me explicou que era um homem atormentado, caçado por diversos inimigo e procurado por suas muitas informações, por isso sempre estava correndo e fugindo. Seu último objeto de pesquisa, inclusive, teria levado a mim, já que estava disposto a documentar avida e os desafios de um grande amigo meu. Henrique Ian Lancaster. Desnecessário dizer que minha pele arrepiou a esse nome. Um dos mais valorosos homens que conheci, Henrique foi um amigo tão próximo, mas que sempre tive orgulho de conhece-lo, por sua boa índole, pelos seus atos heroicos e por tudo que ele defendia. O escrivão, por fim, estava pesquisando a vida de meu colega e soube de minha participação em sua vida. Quando procurou saber mais sobre mim e descobriu que eu também era um contador de histórias, me procurou para uma parceria. Um trabalho deveras perigoso, que o levaria a ambientes muito arriscados e pessoas malignas.

Surpreso e intrigado eu fiquei, entenda. Eu conhecia pessoalmente o homem a quem iriamos investigar e, sim, sabia que sua vida era repleta de boas histórias, objeto de grande paixão da minha parte. É complicado até mesmo para mim perceber todo o abalo que a proposta teve, sendo esse o motivo de não a aceitar imediatamente. Seria uma grande difícil e longa jornada que ele me convidava. Hans, então, permitiu-se estender a proposta, ficando na cidade até a manhã seguinte. Depois, partiria pela necessidade de manter suas fugas constantes. Passamos a noite numa taverna, onde pude pensar melhor e acabei aceitando a missão. Assim começou nossa série de viagens e pesquisas a fim de saber, em detalhes, a vida de meu tão estimado colega. E aqui, relendo uma triste carta começo essa narrativa.

A história de Henrique começou antes dele mesmo com seus pais. Eram tempos de pavor, as bruxas traziam o horror do Norte ao Sul. As cidades não aceitavam intrusos nem visitantes, todos eram suspeitos de todo mau agouro que acontecia. O terror estava na mente das pessoas e o caos reinava em todas as terras. Foi nesse contexto infernal que viviam o casal Lancaster, Frederick e Christine.

O lorde Frederick Lancaster, era um nobre cavaleiro de alta patente do reino de Valéria, comandante de tropas e irmão de um barão. Conheceu sua mulher, Christine, em um dos bailes da nobreza ainda jovens. Quando adultos se apaixonaram e se casaram. Após cinco anos de casamento, Frederick foi convocado para lutar na guerra das terras a Leste. Depois de três semanas de partida, recebeu uma carta avisando que sua mulher estava grávida e que seu filho, em alguns meses, nasceria. O tempo passou e a guerra não tinha fim. Por mais que quisesse, o soldado não poderia voltar tão cedo para casa para encontrar sua família. Foi então que recebeu a triste carta que avisava sobre o nascimento de sua criança, um menino, e a morte de sua amada Christine durante o parto.

O guerreiro, infeliz, pediu ao seu melhor amigo, e muito mais seu irmão que o barão, que cuidasse do seu filho, caso ele mesmo não voltasse da guerra. O melhor amigo, Febo, concordou para acalmar o coração maculado de Frederick. A guerra finalmente parecia chegar ao fim, mas a tristeza de Frederick o deixou descuidado e, em uma estratégia mal elaborada, o comandante e seu exército foi destruído, restando unicamente o Caporal e segundo no comando, Febo Dien Griffths. Febo voltou arrasado da guerra, mas cumpriu sua promessa e tomou a guarda do garoto para cuidar dele.

Hoje, ao visitar a antiga casa que pertencia a Febo, em meio as memórias esquecidas e objetos danificados, ambos largados num sótão velho, enquanto uma impaciente senhora, dona da casa agora, reclama o máximo possível para me pôr para fora, encontro a triste carta que Frederick recebeu, assim como o documento de guarda do menino feito por ele e dado ao único sobrevivente. Lendo as palavras escritas fica claro que o nome da criança foi escolhido pelo pai, pois não havia sido decidido um nome quando a mãe morreu. Ainda assim, quem havia dado a sugestão foi a dama Christine e, em homenagem a ela, Frederick optou por chamá-lo de Henrique Ian Lancaster. Apesar de todo o amor dos pais, Febo foi o mais próximo de uma família que Henrique conheceu.


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