Zodíaco escrita por Ágatha


Capítulo 17
Aves não são mamíferos


Notas iniciais do capítulo

Eric narrando.



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Confesso que não deveria ter bebido tanto, mas felizmente sou uma pessoa consciente quanto ao álcool. Quando percebi que as coisas estavam dançando mais do que o normal para uma festa, deixei o copo de lado.

Diana também acabou passando da conta. Algumas horas eu a via apenas segurando o queixo com as mãos sobre a mesa, entediada, porém claramente bêbada.

No momento em que ela levantou, sua súbita curiosidade me levou a levantar também.

Sigo-a por algum tempo, quase a perdendo algumas vezes. Entrar no espiritual é inútil, há tanta gente aqui que apenas terei dor de cabeça se tentar. Felizmente, conforme ela se aproxima da porta torna-se mais fácil alcançá-la. Puxo seu braço quando finalmente o consigo.

– Aonde você vai? - pergunto, alto.

Ela apenas me encara por uns segundos, então puxa meu braço, arrastando-me para fora.

– Você viu? - ela pergunta, olhando para todos os lados, quando alcançamos a rua. - ela era idêntica a mim!

Ela?

Olho aos redores, então vejo.

Liana Luné está com um vestido de festa laranja. Está bem arrumada e conversa com umas pessoas aleatórias. Ela me vê, então sorri abertamente. Diana não parece ter notado-a ainda.

– Vamos por ali - digo à Diana, carregando-a para o lado contrário.

– Ela sumiu - ela diz enquanto a puxo.

Não muito longe daqui há um gramado que termina em uma curtíssima praia, e em seguida há um trapiche não muito extenso, porém seu final há uma cobertura com algumas plantas e bancos.

Carrego Diana até lá. Ela ainda procura por Liana.

– Onde estamos indo? - ela pergunta.

Liana está aqui - digo à Alice, em minha mente.

Sem respostas.

– Não quero ir ali - Diana protesta, mas continua andando normalmente. Seguro-a pela mão, e quando paramos, sinto-me estranhamente forçado a largá-la.

– É sério Eric, você não viu? - ela pergunta, olhando para mim depois de sentar no banco.

– Vi, mas ela sumiu - minto.

Diana parece decepcionada. Ela se lembrará de algo disso amanhã? Isso me preocupa tanto quanto o fato de Liana estar aqui. Porra, será que de mais de trezentos magos, ninguém notou?

Pouca gente sabia de sua existência também. Talvez ela esteja se passando por Diana perfeitamente, ou talvez nem tenha falado com ninguém. Penso em ir buscá-la, mas que diferença faz? Ela havia barrado o feitiço que a trancara lá. Não havia para onde ela ir, a julgar que ela considerava pertencer legitimamente a esse lugar.

Também não podia deixar Diana sozinha por aí agora. Seria bem pior se elas se encontrassem.

Diana passa uma das pernas para o outro lado do banco, colocando ambas as mãos sobre ele. Parecia infantil quando bêbada, mas só parecia mesmo.

– Não quero ficar aqui com você - ela diz, e de certa forma isso acaba magoando-me. - vou virar um peixe e sair nadando.

– Você gosta mesmo de peixes - digo, sem expressão. Sento-me ao seu lado no banco, porém um pouco afastado. Não a olho, apenas por um momento, quando ela passa a fitar as próprias unhas.

– Você é gay Eric? - ela pergunta.

A encaro profundamente. Nunca esperaria uma pergunta dessas de Diana. Certo que nunca ficara com ninguém perto dela, sem motivo aparente, apenas falta de interesse. Volto a olhar o mar quando respondo.

– Já beijei Lisa uma vez, se isso responde sua pergunta.

Ela volta a fitar as unhas.

– Sério? - ela pergunta.

– Sim - admito. Tratava-se de algo que eu nem gostava de comentar, mas saíra quase que automaticamente depois de ouvir um "não quero ficar aqui com você".

Aconteceu em uma vez em que desci para conversar com ela, pouco tempo depois de ter reencontrado Diana. Tratava-se de uma das poucas vezes em que eu ia ao acampamento, e estava com saudades de Lisa sim. Acabei beijando-a aleatoriamente quando começara a chover e permanecemos na chuva, no pátio, de certa forma próximos, observando as estrelas.

Diana permanecia fitando ora as unhas, ora o mar, nunca olhando para cima, ou para mim. Não sabia ler pensamentos, mas daria tudo para ler nesse momento. Ela parecia de certo modo arrependida, indecisa, triste.

– Quer voltar? - pergunto, odiando-me por tudo: por ter rancor e mesmo assim preferir tratá-la bem.

– Ei - ela diz, parecendo subitamente entusiasmada - você disse que sempre viravam mamíferos ou dragões. Aves não são mamíferos.

Evitar rir ouvindo isso não foi possível.

– Não pode ser algo muito pequeno, apenas. Ratinhos já é difícil, entende? - respondo. Aproximo-me dela. - Deixe eu te mostrar algo.

Ela me observa enquanto puxo a pedra de Poder de meu bolso. Toco-a levemente e ela começa a brilhar, com baixa intensidade.

– Luz? - ela pergunta.

– Sim, magia da luz. Olhe para mim - peço, levantando a pedra na altura do olho. Sua íris toma uma tonalidade azul quando a coloco ali, quase que instantaneamente. - Faça o mesmo comigo.

Ela pega a pedra de minha mão e a segura na altura de meu olho esquerdo. Observo seu rosto atentamente. As únicas vezes em que a observei tão perto ela estava possivelmente dormindo. Tinha um sinal exatamente no meio na ponte do nariz, e outros ao longo do rosto, não muito fortes. Seus olhos brilhavam de certa forma, e brilharam muito mais quando vira o fenômeno acontecer em minha íris. Ela sorriu, entusiasmada, tirando a pedra por um segundo e olhando-me nos olhos de fato, então a recolocou novamente, a expressão surpresa nunca deixando seus olhos.

– Ficou púrpura agora! - ela disse.

– Deve ser porque você está fritando meu olho esquerdo - digo, piscando, entretanto ela não estava tão próxima com a pedra, portanto não machucava, só incomodava. O motivo pelo qual minha íris refletia o púrpura era outro.

– O que é? - ela pergunta, olhando-me nos olhos ainda, mas também olhando a pedra alguns momentos.

– São características que todo mago tem. É assim que os identificamos - digo.

Diana sempre pareceu linda aos meus olhos, mas de certa forma sempre pensei que a perderia caso a beijasse em algum momento de nossas vidas. Bem sabia que ela costumava beijar primeiro: já a vira ficar com outras garotas, porém nunca um garoto, o que me deixou inseguro também. Nada era perfeitamente certo em nosso relacionamento além da amizade. Por assim ficamos e por assim ficaríamos, por mais que em certos momentos, como esse, a vontade de beijá-la ultrapassasse as barreiras da luz.

Decido então mostrá-la algo novo, que há pouco tempo havia aprendido. Segurei sua mão e levemente compartilhei algumas imagens: como fui empregado na floricultura, o jeito em que eu me lembrava dela na cafeteria, o quanto procurava por ela. Revivia cada momento enquanto a mostrava. Mostrei seu rosto, dormindo, dias em que permaneci sozinho na casa dos meus pais. Abro os olhos, e ela está sorrindo, mantendo seus olhos fechados. Fecho-os novamente, lembrando do passado, de como corríamos pelo pátio, compartilhávamos informações e livros, dormíamos de ponta a cabeça, na mesma forma, seus pés me chutando durante a noite, outra hora seus braços enrolando-se nos meus. Andávamos de barco e passávamos horas na praia, ficando tão torrados que por dias ficávamos saindo apenas de noite para deitar no gramado que antecede o caminho do zodíaco e apenas olhar para o estrelado céu.

Abro os olhos, entretanto ela não sorri mais. Fita o vazio, e sorri fracamente ao sentir meu olhar.

– É triste não lembrar essas coisas - ela diz, passando o dedo sobre minha mão, de um modo automático, porque seu olhar permanece distante.

Sinto a vontade de deixar minha mão imóvel enquanto ela realiza seu toque, mesmo que involuntário. Nem ao menos entendo porque estou fazendo tanta questão de ter, de alguma forma, sua atenção. Talvez porque ainda esteja internamente torturando-me entre beijá-la ou não.

Uma multidão começa a sair de dentro da festa, correndo, tirando-nos a atenção um do outro. Há barulhos e gritos, porém são gritos felizes de certa forma. Correm todos em direção à enorme piscina em formato de coração não muito longe dali.

Parecia ao menos que Diana havia se esquecido de ter visto Liana e também estava mais sóbria. Não queria sair do trapiche, mas algumas pessoas mostraram certa movimentação em nossa direção.

– Vamos - levanto-me puxando-a levemente, mas apresso o passo. Sigo para um lugar mais afastado de todas as pessoas, próximo do lugar que teleportamos inicialmente.

– Você quer ir embora? - ela pergunta.

Não posso negar. Voltar para a festa depois disso seria meio horrível. Mas tinha que checar meus amigos, bem bêbados provavelmente.

Olho para ela. Uma última vez cogito beijá-la, esquecer o resto e todos. Um grupo se aproxima de nós e perco o foco da decisão.

– Vamos ver como Juan e Lucas estão - digo, seguindo de volta para a festa.

[...]

– Cara! - Lucas aparece, sem gravata e com algumas marcas de batom. - onde voc... Dianaaaaa!

Ele abraça Diana. O cheiro de destilados chega a mim.

– Que saudade de vocês. Por favor, não sumam, eu realmente amo vocês.

Vitor aparece com Juníper. Parecem perfeitamente sãos. Só parecem mesmo. Vitor também abraça Diana, assim como Juníper me abraça, e logo estamos trocando abraços aleatórios.

– Vocês são lindos! - Juníper diz, sorridente.

– Diana, você estava de laranja. Eu lembro. - Vitor diz.

Avisto Juan então. Está de gravata borboleta sem a camisa, com outra gravata normal amarrada no pulso. E encharcado, assim como umas quarenta pessoas que acabaram de pular na piscina.

Ele me avista também, correndo até nós, arrastando uma garota desconhecida.

– Esse é o melhor dia da minha vida - ele diz, sorrindo de orelha em orelha. A garota não para de rir. - Diana, você NÃO ESTÁ MOLHADA!

Juan corre atrás de Diana que a principio só tenta se afastar. Vou até ele, não empurrando-o, e sim colocando-o por cima de meu ombro e correndo de volta para a piscina. Infelizmente no momento em que fui jogá-lo ele se prendeu em mim, levando-me junto.

Caio por cima de alguns braços e algumas pernas. Saio da piscina com alguma dificuldade porque Juan segura-se em mim para sair também. Diana está perplexa, porém uma felicidade ilumina seu rosto. Lucas está deitado no chão com duas garotas o acudindo, mas ele também não para de rir. Aproximo-me de Diana, entretanto ela se afasta. Dou outro passo aproximando-me e ela me manda sair, então não resisto o impulso de segurá-la e correr para a piscina, com o apoio de muitos outros, claro.

No final da noite estamos todos deitados na grama ou no pátio encharcados. Lembro-me de fazer um teleporte no chão e rolar Diana por ele, e depois entrar também, quase caindo em cima dela. Saímos no pátio da Casa Leste mesmo: a partir do momento que a pedra em meu bolso era verdadeira, teleportar dez quilometros era algo meramente fácil, mesmo para alguém de ressaca.

Caminho com ela até a Casa. A principio não cogitei tomar um banho de tão cansado, mas no momento em que a vejo indo até o vestuário, sigo seu exemplo.

Tomo um banho quase que no estado zumbi, voltando de teleporte ao quarto. Diana encontra-se sentada em minha cama, mexendo no celular. Aproximo-me dela, sentando em sua cama.

Ela encara o celular, boquiaberta. Então entrega o aparelho para mim, revelando uma foto dela e de Juan, juntos.

Porém não é Diana na foto, e sim Liana. Seu vestido alaranjado é bem visível.

Diana aponta para o meu lado na cama, onde o vestido alaranjado se encontra, ao vivo e a cores. Sinto um aperto gigantesco no peito.

Fizera tudo errado. Devia ter cuidado de Liana, era claro que ela daria um jeito de estragar as coisas. Devia ter beijado Diana, porque agora teria que ou explicar ou arranjar uma ótima desculpa, sendo que o julgamento era amanhã, e eu nunca arranjaria um momento melhor.

Deito-me, levando as mãos à cabeça. Não sei o que dizer.

– Você a conhece? - Diana pergunta imediatamente.

Deixo seu celular na cabeceira de sua cama, a qual ainda me encontro deitado. Ela levanta-se rapidamente e tenta pegar, mas eu levanto tão subitamente quanto e seguro seus movimentos. Ela perde o equilíbrio por um momento e acaba sentando-se na mesma cama que eu, forçadamente.

– Quem é ela? - pergunta novamente, seu rosto próximo do meu.

Ainda não sei o que responder. Não agora Diana, não. Por favor, não.

Penso em apagá-la, penso em contar a verdade, penso em mentir, penso em tudo, e acabo por escolher a pior resposta possível.

– Não quero ficar aqui com você agora. - digo, largando-a e saindo do quarto. Mergulho em um portal na parede antes que ela manifeste quaisquer palavras.


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