Não peguei no meu celular ao acordar. Sentei na cama, lembrando exatamente de cada palavra da mensagem que ele havia me mandado. Ao mesmo tempo em que eu sentia desejo de manter a amizade, eu tinha desejo de xingar ele e perguntar qual o problema dele ao me sugerir isso.
Após um longo banho, tomei café e fui direto pra casa de Audrey.
— Como você ousa me acordar antes das nove horas? — Resmungou, cobrindo o rosto enquanto eu abria as persianas e me jogava no sofá do quarto.
— Ethan me enviou uma mensagem. — Falei sem emoção.
Audrey quase cai da cama de susto.
— Oi? Como assim? — Ele se endireitou na cama e esticou a mão pedindo meu celular. Mostrei a mensagem. Fiquei angustiada porque Audrey não demonstrava uma emoção sequer. Eu só tinha certeza de que ele estava lendo por conta dos seus olhos rodando em cima da tela.
Ele me entregou o celular e ficou calado.
— Por céus, me diz alguma coisa!
— Ethan é simplesmente a pessoa mais estúpida que tive o desprazer de conhecer. Como você está? — Ele se aproximou e segurou as minhas mãos. Olhei para nossas mãos juntas.
— Doeu ler isso, Aud. Dar essa chance à uma amizade vai me fazer criar expectativas de que talvez possamos voltar. E vai ser dolorido lá na frente, mas por outro lado... Eu...
— Você sente falta dele. Eu sei. — Ele completou baixinho e olhou nos meus, segurando em meu queixo — Você é inteligente, Aurora. Sabe, no fundo o que fazer por você. Usa a razão, bobinha. Deixa de ouvir o que teu coração quer ao menos uma vez pra ver se assim você não se magoa.
Audrey tinha toda a razão. Ethan era uma droga da qual eu precisava me desintoxicar e tomar pequenas doses de sua droga, só dificultaria a minha reabilitação.
E comecei a digitar.

[09:17 Aurora: Sinceramente, não entendo o que passa na sua cabeça. Depois de todas as coisas que você me disse, é egoísmo da sua parte achar que manter uma amizade agora vai nos ajudar. Não, sinto em dizer, mas não vai. Se você realmente quis terminar, entenda que eu preciso ficar longe de você e só assim, eu posso superar o que houve. Tenha um bom dia.]

E Audrey sorriu assim que enviei. E foi um sorriso diferente. Talvez seja porque eu estou caindo na real a respeito de Ethan. E falando nele, quase instantaneamente ele me respondeu.

[09:19 Ethan: Hum. Entendo. Desculpa, Autora. Te desejo melhor.]

— Pronto. Não vou manter a amizade com o Ethan.
— A Santa do bom senso resolveu te visitar hoje, amém! — Audrey jogou as mãos pro alto debochadamente e riu — Mas sério, fico feliz por você estar conseguindo lidar com isso. Tá melhor do que eu imaginei.
— Eu também, Aud. Eu também.

**
Não era exatamente verdade. Audrey era meu melhor amigo, mas isso não significava que ele sabia de todos os detalhes da minha vida e inclusive do meu processo pós término. Claro que ao lado dele eu me sentia bem, me esquecia do quanto estava doendo aqui dentro, do quanto eu sofria. Mas quando eu estava só, cercada pelas lembranças e presentes, eu me encolhia no canto do quarto, sendo massacrada pelo desejo de voltar e a dor de estar longe de alguém que eu considerava amar. E se eu estraguei alguma chance de voltar negando o pedido de amizade? E se ele estivesse arrependido de ter terminado? Aquilo me matava todo os dias por dentro e eu engolia cada pensamento desse. Ninguém iria entender. Ninguém iria aceitar. Então eu chorava sozinha, pra aliviar a dor de pensar em alguém que dizia me amar, mas não desejava estar mais ao meu lado. Pra mim, isso nunca foi amor. Nem passou perto.
Dia após dia eu fui carregando a dor dessa decisão. E, como já era de costume, Aud percebeu.
Certa tarde, enquanto tentava frustradamente estudar, Audrey chegou em minha casa. Eu estava no meu quarto, quando ele bateu à porta.
— Sou eu, Aud.
— Pode entrar.
Ele entrou, devagar. Com um sorriso amarelo.
— A que devo a honra da sua visita?
— Você se arrepende, Aurora? — Ele me perguntou, bem sério ao encostar a porta e sentar na minha cama, me encarando. Olhei confusa.
— Mas do que você tá falando?
— Ethan. Você se arrepende de ter negado o pedido de amizade?
— Ah, isso. — Desviei o olhar dele e suspirei. — Claro que não, bobagem.
— Olha pra mim. — Ele falou sem emoção. E tomou a minha mão. — Eu sei que você tá escondendo algo. Me conta, Abey.
Eu me assustei um pouco. Abey era um apelido antigo que somente ele usava comigo. Mas ele parou de usar assim que comecei a namorar com Ethan.
— Aud, eu... — Tentei fugir, mas o olhar dele me descobria e fazia com que eu me sentisse nua, não sei como ele fazia isso, mas ele, melhor do que ninguém, conseguia me ler com o olhar. — Tá bem. Sim. Eu posso ter me arrependido, mas eu posso lidar com essa decisão.
Pude perceber uma faísca de decepção no olhar dele.
— Aurora, se você fez isso porque te pedi, é melhor mudar de ideia. — Ele falou secamente. Mas o que diaxo tava acontecendo?
— Como assim Audrey? Você acha que tô fazendo isso por você? — Me levantei, ficando com raiva. — Você tem sido um ótimo amigo, e aprecio o que tem feito por mim todo esse tempo, mas não significa que minhas decisões sejam tomadas por sua causa. Sim, você me ajudou e obrigada. Mas, cada decisão tem sua consequência. Doeu rejeitar ficar perto de Ethan, mas tô tentando não pensar com o coração, como você disse. Se você achou que eu não fosse me magoar, achou errado. Tem sido a coisa mais dolorida que já senti ficar longe dele. Mas agora tenho que viver com isso.
Ele sequer olhara pra mim uma única vez, permaneceu todo o tempo com a cabeça baixa.
— Audrey, olha pra mim.
E no instante que os seus olhos castanhos me olharam cheios de lágrima, senti uma faca me atravessando.
— Desculpa, Abey. Mas te ver sofrer me machuca. Eu achei que poderia te dar uma solução pra não passar por tudo isso. Ethan escondeu tantas coisas de você durante meses e você... E você aguentou todo esse fardo.
Eu não entendia.
— Aud, vai ficar tudo bem. Não precisa se preocupar comigo.
— Como não, Abey? Como não? Você é a pessoa mais importante que eu conheci e te ver sofrendo é como se meu coração estivesse em pedaços. Tudo que eu queria era pegar a tua dor pra mim, só pra não te ver sofrer.
Eu o abracei. Encostei sua cabeça no meu peito e o abracei o mais forte que podia. Eu não entendia porque todo o drama por isso. Eu iria ficar bem, eventualmente, mas a reação de Audrey me assustou um pouco.
— Eu vou ficar bem, Aud. Eu vou ficar bem, eu prometo. — Ele riu.
— Você é uma péssima mentirosa. — Ele tocou o meu nariz e deu um beijo na minha testa.

**
Aquele momento com Aud me deixou confusa. Será que significava que algo mais estava acontecendo e ele não queria que eu soubesse? De qualquer forma, a partir daquele dia, passei a ver Aud com outros olhos. Não com os olhos de que ele era meu amigo nerd bonitinho, mas com os olhos de que ele era um homem que me amava e se importava comigo e isso mudava tudo.